As melhores músicas de (meu) 2019

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Por Luiz Felipe de Carvalho

Fiquei aqui pensando se colocava a mesma introdução do ano passado, quando fiz o texto com as melhores músicas de 2018 (para ler, clique aqui). Mas seria preguiça demais. Não que eu não seja preguiçoso – e olha, eu sou muito – mas vamos lá, ano novo, introdução nova.

Isso posto, é preciso salientar duas coisas que já foram ditas ano passado: a primeira é que eu ouço discos, e não músicas avulsas. A segunda é que quase nunca eu ouço discos novos, em geral compro vários cds, de várias épocas, e vou escutando ao longo do ano.

Pois bem, 2019 foi um ano complicado. Politicamente, no caso. Se 2018 foi o ano da possibilidade da desgraça, o ano passado foi o da concretização. Honestamente, não sei o que é pior. Mas por que escrevo isso num texto sobre as melhores músicas do meu ano? Oras, porque esse estado de espírito provocado pelo país acabou se refletindo nas canções escolhidas. Três delas, não por acaso algumas das mais recentes, são bastante políticas. Mas tem outras coisas também, mais bonitas, mais singelas, mais doces, mais inspiradoras. Enfim, todas aquelas coisas de que precisamos cada vez mais.

Ouvi exatos 52 discos o ano passado. Acabo de descobrir que foram exatos 26 discos nacionais e 26 internacionais. Sim, eu sou um virginiano meio maluco, mas juro que isso não foi proposital. Chega de papo (olha, tem essa mesma frase no texto do ano passado!), seguem abaixo as doze melhores músicas do meu 2019, sem qualquer ordem de preferência:

1 – Piropo – Artista: Jaime Roos – Composição: Jaime Roos – Álbum: Clásico – Todos Sus Hits (2007)

Estive no Uruguai em 2018. Entrei numa loja de discos em Maldonado, pertinho de Punta del Este, e pedi a música mais tradicional do país. O vendedor sequer pestanejou antes de me entregar esta coletânea (com belo encarte contendo todas as letras) de Jaime Roos, uma espécie de Roberto Carlos uruguaio, por sua popularidade. Só fui ouvir o disco no começo do ano passado, e foi uma experiência riquíssima. Acostumado a vida inteira com músicas basicamente de três países (Brasil, EUA e Inglaterra), foi curioso notar como as decisões melódicas, os ritmos e até o jeito de cantar e de fazer os arranjos me soou diferente. Claro, a influência africana está muito presente, assim como na música brasileira e americana, mas tem um “toque uruguaio” diferente. “Piropo”, essa belezinha lançada em 1989, trata de um amor não correspondido, mas esperançoso, repleto de lirismo, como nos versos “O mais longe que existe é o fundo do mar/ O mais perto que existe é a padaria/ E no meio aqui estou/ Recordando”.

https://www.youtube.com/watch?v=1AdR_JGWYjM

2 – Largo da 2ª-Feira – Artista: Erasmo Carlos – Composição: Roberto Carlos/Erasmo Carlos – Álbum: Sonhos e Memórias – 1941/1972 (1972)

Me enfiei no universo do Tremendão através da caixa “Três Tons de Erasmo Carlos”, que traz três de seus discos da década de 1970. Deles, o mais famoso e incensado é certamente “CARLOS, Erasmo”, de 1971. Mas este “Sonhos e Memórias – 1941/1972”, lançado em 1972, foi meu preferido. As datas “1941/1972” se referem ao nascimento de Erasmo e ao ano de lançamento do disco, e aos 31 anos de sonhos e memórias que as letras trazem. Um detalhe: todas as músicas são de autoria de Roberto e Erasmo Carlos, sendo esse um caso inédito na carreira de qualquer um dos dois. “Largo da 2ª-Feira”, que abre o álbum, é também sua quintessência: uma letra simples, mas precisa, um arranjo evocativo, refletindo a temática da letra, e recado dado em três minutos. Como o próprio Erasmo salienta no encarte, “este disco foi feito em grupo. Ele é simples como minha mulher, meu filho, meus amigos e eu”.

3 – Iarinhas – Artista: Luiza Lian – Composição: Luiza Lian/Leda Cartum – Álbum: Azul Moderno (2018)

Luiza Lian participou do podcast Thunder Radio Show (ouça), aqui da Central3, e deixou um cd com o Leandro Iamin, que fez a gentileza de me presentear com o mimo (não foi uma desfeita, acredite, ele está em melhores mãos comigo do que no apartamento do Sr. Iamin). A partir do minuto 23 do podcast ela fala sobre essa canção, que trata da tragédia que a cidade de São Paulo praticou com seus rios, enterrando-os sob o asfalto. Mas a letra também fala da resiliência dos rios, que ressurgem de tempos em tempos pra mostrar que estão ali embaixo. A primeira vez que coloquei o cd no carro fui até um shopping, e já desci cantarolando “minhas iarinhas andam cantando/ suas ladainhas para mim”. O disco “Azul Moderno” é repleto de ambiências, texturas e efeitos, mas essa é provavelmente a faixa mais orgânica. Esta lista não está em ordem de preferência, mas se fosse esse o caso essa canção estaria no topo da lista, sem discussão.

4 – Helplessness Blues – Artista: Fleet Foxes – Composição: Robin Pecknold – Álbum: Helplessness Blues (2011)

Meu bom amigo Lucas Nanini (que aparecerá de maneira mais efetiva mais à frente nessa lista) foi quem me chamou a atenção para os Fleet Foxes – e eu provavelmente terei que agracê-lo pelo resto da vida por isso. Desde a primeira audição fica claro que o trabalho aqui é de artesanato. Cada arranjo parece ter sido trabalhado à exaustão. Robin Pecknold, compositor e líder da banda, teve alguns problemas de ansiedade, e sua busca pela perfeição pode ter sido um dos catalisadores (ei, isso é total chute meu). Entre tudo que ouvi nos dois discos da banda que comprei, nem foi tão difícil escolher uma. Não que não haja coisa lindas – há, em profusão. Mas “Helplessness Blues” ultrapassa a beleza e toca no sublime.

Obs: para ler a tradução meio mandrake que eu fiz da letra, assista ao vídeo direto pelo YouTube (basta clicar onde está escrito “YouTube”, no canto inferior direito do vídeo aqui embaixo) e procure nos comentários por Luiz Felipe Pereira de Carvalho.

5 – Um Diamante Costurado no Umbigo – Artista: Jorge Mautner – Composição: Jorge Mautner – Álbum: Mil e Uma Noites de Bagdá (1976)

Existe algo que aproxima Raul Seixas, Tom Zé e Jorge Mautner. Uma loucura que toca a genialidade, um impulso de não ser normal, de andar em uma estrada que não é a de todos. Mas, por diversos motivos, Raul se tornou um artista absurdamente popular, o que não aconteceu com os outros dois. Quando gravou esse disco, em 1976, Jorge Mautner, em suas próprias palavras, tentava fugir de um “esnobismo intelectual”, e se aproximar mais do povo. Ele tentou mudar um pouco seu jeito de cantar e fazer arranjos mais radiofônicos. “Diamante costurado no umbigo” é a última faixa do disco, e de certa maneira sintetiza essa busca. Uma letra romântica, um arranjinho delicioso, um refrão cantarolável mas, ao mesmo tempo, estranho: “Porque uma pessoa jóia mesmo é coisa rara/Como alguém que tem um diamante costurado no umbigo”. De fato não dá pra Jorge Mautner deixar de ser Jorge Mautner. E que bom que seja assim.

6 – Where´s the revolution? – Artista: Depeche Mode – Composição: Martin L. Gore – Álbum: Spirit (2017)

Chegamos à primeira das canções marcadamente políticas que citei no começo do texto. Aliás, não é só uma canção política: todo esse disco do Depeche Mode é político, tratando de Trump nos EUA, mas também da tendência retrógrada que acomete boa parte do mundo. O disco bate na humanidade, chegando à conclusão de que falhamos miseravelmente. Esta canção é uma espécie de chamado às armas para que o povo se levante contra quem o subjuga. Se eles pedem para que façamos algo é porque ainda acreditam que podemos fazer algo. E esse é o máximo de redenção que o Depeche Mode tem a oferecer.

Obs: para ler a tradução meio mandrake que eu fiz da letra, assista ao vídeo direto pelo YouTube (basta clicar onde está escrito “YouTube”, no canto inferior direito do vídeo aqui embaixo) e procure nos comentários por Luiz Felipe Pereira de Carvalho.

7 – E o Meu Peito Mais Aberto Que o Mar da Bahia – Artista: Vanguart – Composição: Hélio Flanders/Reginaldo Lincoln – Álbum: Beijo Estranho (2017)

Há tempos me resignei com o fato de que, enquanto tiver que ter um trabalho “normal” que ocupa boa parte do meu dia, simplesmente não dá pra ouvir tudo. Mas quando ouço pela primeira vez com atenção a uma banda como o Vanguart, me pergunto porque não fui atrás deles antes. Esse foi um disco que não demandou de mim nenhum tempo de adaptação: eu gostei de tudo, de cara. Essa lista de doze canções por algum tempo chegou a ter duas deles, pensei “foda-se, eu que mando nessa porra”. Mas depois achei que “E o meu peito mais aberto que o mar da Bahia” meio que resume tudo. Começa parecendo um soul brasileiro dos anos 1970, vira algo meio Beatles no meio, e é a melhor faixa de um disco estupefaciante. Agora é correr atrás do resto das coisas deles em algum sebo por aí. Ou quem sabe eles aparecem de novo no Thunder Radio Show e rola uma discografia completa? Não custa sonhar.

8 – Deixa Voar – Artista: Tatá Aeroplano – Composição: Luiz Romero/Tatá Aeroplano – Álbum: Alma de Gato (2018)

Eu tinha um pouco de medo do Tatá Aeroplano. O medo, admito, vinha desse nome esquisito e da figura meio fora dos padrões. Achei que faria um tipo de música esquisitona e chata. Ainda assim comprei esse “Alma de Gato”, que pra começar é um puta nome de disco legal. E percebi que eu estava errado sobre o Tatá Aeroplano. Mas também estava certo. São oito faixas no disco. Da faixa um até a faixa seis, era o melhor disco que eu tinha ouvido no ano. Canções, boas canções, com estranhezas aqui e ali, mas, enfim, canções. As faixas sete e oito materializaram meu medo: são esquisitonas e chatas. Retifico, em termos: são legais de ouvir uma ou duas vezes, mas só. Não dá vontade de voltar a elas. Mas quem se importa, quando algo tão lindo como esta “Deixa voar” está no disco? Um dos refrãos (até hoje me espanto que esse seja o plural correto) que mais martelaram em minha cabeça por 2019, com uma mensagem simples e necessária.

9 – I´m One – Artista: The Who – Composição: Pete Townshend – Álbum: Music From the Soundtrack of The Who Film: Quadrophenia (1979)

O que eu conhecia até então do The Who eram os discos “My Generation” e “Who´s Next”, além de ter visto o filme “Tommy” e, portanto, ter ouvido sua trilha sonora. Esse disco é a trilha sonora para o filme “Quadrophenia”, lançado em 1979, baseado no álbum de mesmo nome lançado pelo The Who seis anos antes. Aqui estão todas as músicas, remixadas por John Entwistle, o baixista da banda, além de algumas canções que não entraram no disco original. Mas e daí, né? O fato é que depois da audição eu só pensei uma coisa: que compositor foda é Pete Townshend. É um disco que normalmente nem entra entre aqueles obrigatórios do The Who, mas mesmo assim não tem uma porra de uma música ruim. O filme é sobre um rapaz que pertence a uma gangue “mod” (surgidos na Inglaterra na década de 1960, gostavam de se vestir bem e ouvir jazz), e na letra de “I´m one” ele fala do quanto sua vida é uma merda, mas não importa, ele é um “mod”. O “I´m one” do título tanto pode significar “eu sou um” (mod, no caso) quanto “eu sou único”, ou algo parecido. Mas contexto, conceito e tradução ficam desimportantes depois de ouvir a música (e ouvir Keith Moon tocando bateria é um troço de chorar).

Obs: para ler a tradução meio mandrake que eu fiz da letra, assista ao vídeo direto pelo YouTube (basta clicar onde está escrito “YouTube”, no canto inferior direito do vídeo aqui embaixo) e procure nos comentários por Luiz Felipe Pereira de Carvalho.

10 – Long Way Back – Artista: Sheryl Crow – Composição: Sheryl Crow/Jeff Trott – Álbum: Be Myself (2017)

Adoro tomar cerveja. Me aventuro por estilos diversos: belgas de fermentação espontânea, americanas com quilos de lúpulo, Imperial Stouts com mais de dez por cento de álcool, ácidas cheias de frutas. Mas poucas coisas dão tanto prazer quanto tomar uma boa Bohemian Pilsner. Quando eu ouvi esse disco da Sheryl Crow, a analogia me veio de cara: era como tomar uma Bohemian Pilsner. Aparentemente simples, mas trazendo dentro de si um conhecimento de anos, décadas, séculos até. Aquela coisa que a gente ouve (bebe) e pensa “cara, já tomei (ouvi) quinhentas iguais, mas isso é bom pra cacete, poderia continuar ouvindo (tomando) pelo resto da vida”. Dentre as várias Bohemian Pilsners dentro desse disco, “Long Way Back” foi a que mais se destacou pra mim. Ouça, e sinta aquela sensação de já ter ouvido antes, ao mesmo tempo que pensa: quero mais um gole!

Obs: para ler a tradução meio mandrake que eu fiz da letra, assista ao vídeo direto pelo YouTube (basta clicar onde está escrito “YouTube”, no canto inferior direito do vídeo aqui embaixo) e procure nos comentários por Luiz Felipe Pereira de Carvalho.

11 – Eletrochoque de Gestão – Artista: Mundo Livre S/A – Composição: Mundo Livre S/A – Álbum: A Dança dos Não Famosos (2018)

Este é um disco atento a seu tempo. E ao mesmo tempo anacrônico. Lançado em julho de 2018, refletia sobre o pós-golpe de 2016 e sobre a “gestão” de Michel Temer. Outros temas surgem aqui e ali, mas a política é seu cerne. No entanto, pouco depois de seu lançamento, Jair Bolsonaro foi eleito. E então o disco ficou automaticamente velho, porque foi atropelado pelas circunstâncias bizarras da realidade. Zeroquatro, principal letrista da banda, carrega no sarcasmo, na ironia, no deboche, mas não teve preocupação em parecer datado. O início de “Eletrochoque de Gestão”, por exemplo, traz o famoso pronunciamento de Michel Temer (com a voz modificada), logo depois do vazamento das gravações feitas pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, quando ele disse e redisse que não renunciaria. Lembra? Parece um passado longínquo. À primeira audição do álbum entendi tratar-se de um documento histórico. Muitas vezes genial, e quase sempre provocativo. Como a arte pode (deve?) ser. A faixa que escolhi junta discoteca, música eletrônica dançante, sarcasmo e crítica social ao mesmo tempo. E o clipe tenta driblar o anacronismo, colocando imagens também de nosso digníssimo atual presidente, que faz Michel Temer parecer um ser iluminado pela luz do espírito santo. Vade retro!

12 – A Verdade Em Novas Versões – Artista: Quase Modernos – Composição: Lucas Nanini – Álbum: Poréns do Pós-Agora (2019)

Pode ter música de amigo entre as melhores do ano? Quando ela é realmente uma das melhores, pode. Ano passado já teve canção de outro amigo, mantenhamos a tradição. Lucas Nanini, produtor, compositor, guitarrista, baixista e cantor da Quase Modernos, fez um disco também recheado de política. Mas com uma abordagem diferente de Zeroquatro, sem citar nomes ou eventos específicos. Tenta captar o nosso “zeitgeist”, e consegue em muitos momentos. “A verdade em novas versões”, como o nome indica, versa sobre as fake news, com versos espertíssimos como “Ouvi dizer que a verdade/Desistiu de não ser boato/É tanto por desmentir/Que o fato sai muito mais caro”. Talvez nem seja minha faixa preferida do álbum, musicalmente falando (prefiro “Pertinente”). Mas, depois da melodia, meu aspecto preferido de uma canção é a letra. E essa é uma das melhores letras do meu ano (ei, a música é boa também!). Inclusive coloquei a letra nos comentários do YouTube, caso algo lhe escape.

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2 comentários em “As melhores músicas de (meu) 2019”

  • Admiro muito seu conhecimento musical, sempre apresentando melodias, letras, cantores e bandas diferentes. Confesso que não conhecia nenhuma das doze preferidas e, na primeira audição, já gostei de algumas. Destaque para “Deixa voar” de Tatá Aeroplano. Vou ouvir outras vezes esta lista de músicas políticas, doces, singelas e inspiradoras. Obrigada!

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