A Arte de ser Infeliz

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Por Victor Faria

O homem perfeitamente infeliz tem saúde de ferro; check-up e férias remuneradas todos os anos; seus males físicos evidenciam-se em seu humor no trabalho: dor de cabeça (não toma comprimidos porque ataca o coração) e azia (não toma bicarbonato porque vicia o organismo).

Tanto o pai como o avô do homem infeliz morreram quase aos noventa anos – e ele faz questão de salientar frequentemente.

Banho frio por princípio, não importa a estação do ano, e uma hora de ginástica diária.

O homem perfeitamente infeliz julga-se constantemente ameaçado: ao norte, pelo estilo de jogo; ao sul, pela desvalorização do estilo de jogo; a leste, pelo acúmulo de equívocos; a oeste, pela depravação dos costumes da confederação.

Não toma emprestado ideias; não aprende nada com ninguém; toma notas minuciosas de todos os seus princípios; nunca fez favor para os outros; não avaliza nota promissória nem para a própria filha; tem manifesto orgulho de tudo isso.

Não tomou conhecimento de qualquer revolução tática ou prática depois do 7 a 1: gênio era o Parreira; futebol é com o Parreira; saber jogar jogos eliminatórios é com ele.

Iniciar uma escalação sem o volante de contenção é para ele um crime contra o futebol, embora seja esta a sua única convicção a respeito do jogo.

A força de vontade do homem perfeitamente infeliz é tremenda: não importa o tema a ser abordado, suas convicções são práticas e congruentes. Se não houver consentimento das partes envolvidas, ele deixará seu cargo a qualquer momento.

Racista, embora só confesse aos mais íntimos, admite vagamente todas as religiões; não pratica nenhum culto, mas considera o catolicismo o mais coerente.

Sem simpática política em aparência, vota por instinto nos candidatos mais reacionários.

Antigamente, para ele, era muito melhor que hoje: um dos erros fatais do Brasil foi derrubar Ricardo Teixeira.

Acha-se insubstituível em seu trabalho; sem ele, o time não anda.

Sempre o primeiro a checar o empenho de atletas, o apego à amarelinha por atitudes, conhecidos ou pela imprensa. Também o primeiro a saber e divulgar quando há dispensa na convocação. Não há nada a se fazer.

O homem perfeitamente infeliz sabe o que é marcação alta e flutuação, mas não treina.

Conhece o valor de todos os jogadores do elenco; está sempre de olho em promessas que certamente garantirão um novo contrato lucrativo e desvantajoso para o novo clube. Dá aulas sobre as maneiras mais efetivas de ser antipático diante de jornalistas e televisão.

Sua psicologia: todo homem tem sua fraqueza.

Economia: poupar os medalhões.

Sociologia: o povo não sabe o que quer.

Filosofia: o seguro morreu de velho.

O homem perfeitamente infeliz ama os seus de um amo incômodo ou francamente insuportável.

Considera-se dono de excelente humor; em grupo, porta-se com severidade, falta de graça e convencionalismo; cita provérbios e consagrações históricas; sua glória é poder afirmar, diante de qualquer crítica: “Bem, eu sou campeão do mundo!”

Considera que a geração de 82, o samba e a cachaça estão entre as vergonhas nacionais.

Não diz “meu jogador”, mas “meu soldado”; o soldado do homem perfeitamente infeliz é muito mais perfeitamente infeliz do que ele, e nada percebe.

O mal profundo do homem perfeitamente infeliz é julgar-se um homem perfeitamente capaz.

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