Desta China eu gosto, Montillo

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Por Leandro Iamin
A China de muitos brasileiros foi o “pezinho de meia” na entrevista de despedida, a “oferta irrecusável” transmitida pelo assessor, o “até breve” ao torcedor acostumado ao desaforo de quem parte com a certeza de que terá a porta aberta quando voltar. Certeza que já nem ofende mais, o cara ganha 100, vai pra ásia ganhar 1.000, poxa, dez vezes mais!, mas quando volta pede 500. A China era o pezinho de meia, mas ninguém volta ganhando menos do que ganhava quando partiu, né? Exigências irrecusáveis.

Essa China, de muitos brasileiros mas não só deles, também é a China da fuga dos cansados, aqueles que sentem vergonha do 7×1 e preferem viver em um país onde são analfabetos, consagrando a discutível máxima de que a ignorância é uma benção. Correm para lá por acharem que a fantasia de uma liga com traços artificiais pode poupá-los da realidade, das satisfações que o público exige, das coisas que são do futebol desde sempre. Afinal, quem sustenta o jogo é quem por ele sofre, e os que sofrem são os mesmos que aplaudem, você não pode querer o aplauso e fugir da lágrima. O beijo é a véspera do escarro, mas o futebol não tem mais paciência para nenhum ciclo. Má fase é transferência e pronto. Dificuldade é motivo de fuga e acabou. Pagando o que a China paga para te blindar do mundo? Perfeito.

Esta é a China que usa um dinheiro incontável e sem procedência clara, e que não consegue, nem assim, elevar o futebol local a um status mundialista. Com 32 vagas pra Copa, a China dificilmente chega nela. Entre os inúmeros atletas ocidentais levados para lá antes das regras mudarem, um deles foi Walter Montillo. Argentino que teve que sair do país para brilhar de verdade, no Chile, onde entortou o Flamengo e chamou a atenção do futebol brasileiro, esse futebol que só enxerga alguém quando este alguém entorta algum brasileiro. Montillo trocou de mercado, patamar, passou a jogar em um país com salários bem mais altos que os praticados no Chile. Já sabia, creio, a sorte que havia dado – e sorte aqui não tem a ver com acaso.

Montillo é o único destas bandas que foi coerente com a narrativa de que era um pezinho de meia, um até breve e uma oferta irrecusável. Quando seu time, que não sei o nome mas vestia laranja, veio para o Brasil disputar amistosos, Vagner Love e Boi Bandido eram os brasileiros do ataque ao lado dele. Tardelli foi para lá também, rolou um debate sobre limite de estrangeiros, o time teria de se livrar de alguém, e Montillo chegou a ser o alvo da dispensa. Pediu para ficar. Seu filho, que inspira cuidados especiais, estava adaptado em uma escola especial por lá, e ele não queria causar essa ruptura à rotina do rebento. Foi por inteiro, para cumprir um contrato assinado junto de um plano pessoal envolvendo a família. É como deveria ser sempre.

Ao encerrar sua carreira logo após a quinta lesão em meio ano de Botafogo, Montillo tomou a rara decisão de abrir mão de dinheiro, e não foi pouco. O papel assinado na China lhe causou prejuízo emocional, mas ele cumpriu, foi para lá por dinheiro, não por emoção, levou a família sob este argumento, segurou a onda dele, da esposa e dos filhos, do ponto de vista profissional com o qual Montillo enxerga a carreira não fazia sentido sair, ainda que o clube quisesse. O papel que assinou no Rio de Janeiro lhe causou prejuízo financeiro, ao passo que ele optou por rasgá-lo. O segundo papel só existe por causa do primeiro. Foi à China para ganhar moedas, e ao Rio para ganhar memórias. De quê adiantaria ganhar moedas no Rio? Pra quê ter prejuízo emocional, em uma maca, se já viveu seu tempo de espera do outro lado do mundo? O pé de meia já foi feito, o Botafogo servia para outra coisa.

Mas não custava nada ver o contrato correr e os depósitos caírem todo dia cinco, né?

Para muitos, não, e em muitos clubes, se querem saber, era o que tinha que ser feito. Neste Botafogo, não. Uma semana antes, reportagem maravilhosa sobre Roger, o centroavante cuja filha, cega, tinha o sonho de “ver” um gol do pai. Roger faz parte do time de Pimpão, Lindoso, Gatito, Camilo Coalhada, time que seria rebaixado ano passado mas, sem investimentos, com um técnico filho de ídolo e estreante, chegou à Libertadores, tendo que passar por duas eliminatórias decidindo fora de casa contra campeões, depois caindo no grupo da morte com o atual campeão, tudo isso acumulando jogos e lesões, mas mantendo um futebol agradável de ser assistido. Este Botafogo é relacionamento, é grupo que não se forma todo dia, tem algo diferente nele e agora, com o que Montillo fez semana passada, entendemos um pouco melhor do que se trata.

Se for para tomar decisões com o coração, tratando o Botafogo ou qualquer outro time com o respeito que ele merece, sendo franco com todos ao redor e se propondo a algum prejuízo, sendo grato e honesto com o futebol, aí então eu apoio que qualquer jogador vá para a China fazer o tal do pé de meia.

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