João Gilberto e a cannabis

Want create site? Find Free WordPress Themes and plugins.

*Por Fernando Vives

O inventor da Bossa Nova conheceu a maconha há 66 anos na Lapa Carioca, fazendo da erva, talvez, sua mais longeva companhia

Um cantinho, um violão, esse amor, essa canção e… uma bagana de maconha. Sim, o João Gilberto que inventou a batida que revolucionou a música brasileira é também um notório maconheiro – sem juízo de valor aqui. O solitário baiano de Juazeiro fez do cânhamo, talvez, o seu mais longevo parceiro.

João se interessou pela erva danada logo após chegar da Bahia ao Rio de Janeiro, no início dos anos 1950. A dita cuja era vendida normalmente na Lapa e a polícia não ligava a ponto de sair estapeando fumetas arcos adentro, e nem os usuários a viam exatamente como uma droga. Era apenas um cigarrinho diferente, bom pra relaxar, apesar da fama de maluco que eventualmente um usuário tivesse entre as famílias de bem – nas mais conservadoras, maconha e outras drogas eram um passaporte para o hospício.

Então com 20 anos, João era um dos cantores do grupo vocal Garotos da Lua e morava num apartamento compartilhado no bairro de Fátima. Segundo Ruy Castro, o biógrafo da Bossa Nova, conta em “Chega de Saudade” (Cia. das Letras, 1990), a erva “lhe dava a impressão de aguçar a sua sensibilidade, fazendo-o perceber sons e cores de que nunca suspeitara. Além disso, parecia despertar-lhe uma coisa mística, meio inexplicável, que, até então, aos vinte anos, ele represara sem saber. Foi uma conquista fácil”.

Os primeiros anos de João Gilberto no Rio de Janeiro foram horríveis. Jogou fora um emprego de funcionário público por indicação e seu papel vocal nos Garotos da Lua. O pouco que lhe sobrava no fim do mês era usado pra se alimentar (nem sempre) e comprar um cigarrinho que passarinho não fuma. Seu aspecto de louco era corroborado pelos cabelos até os ombros (estamos na era Pré-Beatles) e o aspecto sujo de suas vestimentas.

Depois de uma temporada em Porto Alegre bancada pelo músico gaúcho Luiz Teles, que acreditava ser a maconha a responsável pelo jeito esquisitão do baiano, João volta ao Rio em 1955. E imediatamente começa a frequentar a Lapa em busca da fumaça relaxante.

Triste por não fazer sucesso com seu jeito diferente de cantar, a depressão voltava a lhe abater – com o conhecimento que temos hoje é possível inferir que a maconha era válvula de escape e não causa de seus problemas. Logo se viu no exílio novamente, em Diamantina (MG), onde sua irmã morava. Foram oito meses praticamente trancados num quarto tocando violão, na gestão do que viria a ser a batida de violão da Bossa Nova pouco tempo depois.

Porém, a volta triunfal ao Rio não ocorreria sem antes uma escala na cidade natal, Juazeiro (BA), e uma mini-temporada num hospital psiquiátrico de Salvador. Tudo longe da maconha, que viria a acompanhá-lo novamente no Rio – sempre no Rio.

Desde que conhecera o baseado, o baiano deixara de fumar cigarros convencionais. Mais que isso: tornou-se um anti-tabagista a ponto de mudar a letra de “Corcovado”, de Tom Jobim. A letra original dizia “Um cigarro, um violão, esse amor, essa canção”. Conta o jornalista Sergio Cabral que João sugeriu a Tom que trocasse o cigarro por “um cantinho”, o que foi prontamente aceito. E assim nasceu a música que é o estado de espírito do que foi a Bossa Nova.

Com o perdão do trocadilho, há muita fumaça na vida pessoal do Bruxo de Juazeiro, uma vez que poucas pessoas tiveram acesso a ela e o próprio não dá entrevistas, tornando impossível saber se houve momentos no qual ele deixou a xibaba de lado nas últimas décadas. O fato é que até há pouco tempo ela fazia parte do dia a dia de João Gilberto, como esta reportagem de Priscilla Bessa na ocasião de seus 80 anos mostra.

Com demasiada frequência, o fumacê da maconha em seu apartamento no Leblon testou a paciência de vizinhos menos simpáticos à erva. “Você está no Leblon, olha a baixaria”, responde João ao vizinho que, aos berros, pede para ele parar de fumar. ““Você também mora no Leblon e fumar maconha é crime! Então apaga essa merda dessa maconha”, replica o colega de prédio.

Ou seja: atualmente, é possível imaginar que aquele senhor prestes a completar 86 anos ainda acenda aquela guimba que ele conheceu há 66 anos. Uma longeva parceria como pouco paralelo na música.

 

*Fernando Vives é jornalista e apresenta o “Travessia: A Música Brasileira em Revista” na Central3

Did you find apk for android? You can find new Free Android Games and apps.

Posts Relacionados

3 comentários em “João Gilberto e a cannabis”

Deixar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode usar algumas tags HTML:

<a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>