Charutos

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Por Leandro Paulo

O futebol nordestino sempre nos brindou com nomes folclóricos dos seus jogadores, desde o piauiense Luiz Queixo de Lancha, do Cori-Sabbá, ao mítico craque potiguar Dirran. Entre as décadas de 1950 e 1970 três craques da região, cada qual no seu Estado, dividiram o mesmo apelido: Charuto.

Conheça a história destes ídolos tão nossos quanto a folha de tabaco.

Charuto Sergipano – O Canhão de Cotinguiba

Antônio Nascimento Rodrigues, o primeiro “Charuto”, foi um dos maiores jogadores que atuaram no futebol sergipano, sagrando-se campeão estadual em 1942 e 1952 e da cidade de Aracaju em 1957. O Charuto Sergipano nasceu em 1921 e com apenas 18 anos iniciou a carreira pelo extinto Palestra. Passou por Sergipe e Vasco até chegar ao Cotinguiba em 1945, ficando por lá até o início da década de 1960 com vários gols marcados. Recebeu várias homenagens por suas glórias, na literatura, no senado federal e talvez a maior delas; a estátua em frente à piscina na sede do Tubarão da Praia.

Cotinguiba

Segue um trecho do livro Caleidoscópio do Professor Alencar Filho, ex-Reitor da Universidade Federal de Sergipe:

“Transferiu-se para o Cotinguiba Esporte Clube, em 13 de agosto de 1945, conforme Boletim de Transferência protocolizado sob o nº 897. O maior chutador de todos os tempos. Esta era e ainda é a sua fama. Chute forte e certeiro. Por isso seus adversários tinham um medo horrível, verdadeiro pavor de fazer barreira quando ele ia bater alguma falta. Quando ele “carimbava” um jogador, o cidadão tinha que sair de campo para ser atendido tanto pelo massagista quanto pelo médico. Ele costumava furar a rede quando fazia um gol. Os morteiros lançados por Charuto, durante um jogo realizado no vizinho Estado de Alagoas, resultaram em três gols… porém, o juiz só validou um. Pois bem, Charuto, em Sergipe, conseguia essa incrível façanha. Ele fez três gols, mas o juiz só validou um gol. Por quê? Porque o árbitro não sabia se a bola que havia furado a rede tinha entrado por dentro ou por fora, tal era a força do seu petardo”.

Em 2001, pela ocasião dos seus oitenta anos, o troféu do SERGIPÃO levava o seu nome, assim como uma rua no bairro Jabotiana, distante cerca de 10 km da sede do Cotinguiba.

Três anos depois o senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) elogiou-o em uma sessão do plenário “exemplo a ser seguido pelas novas gerações”. Segundo Valadares, Charuto se destacava como artilheiro de chute forte e certeiro, algo que intimidava qualquer adversário.

“Ele detinha no futebol o chute mais forte de Sergipe e, quiçá, o mais forte do futebol brasileiro. Eu o vi jogar pelo Cotinguiba e pela seleção sergipana, e gostaria de parabenizar esse atleta e grande jogador, hoje com 83 anos, funcionário público aposentado, pai de três filhos, exemplo de chefe de família e atleta.”

Todavia a maior homenagem ao jogador foi feita pelo escrito João Ubaldo Ribeiro em seu premiado livro Sargento Getúlio (vencedor do Prêmio Jabuti como autor revelação em 1972). João Ubaldo passou boa parte da sua infância em Aracaju, justamente no auge do Cotinguiba e de Charuto.

Apesar de sempre declarar-se torcedor de Confiança, Vasco da Gama e Vitória-BA, o escritor descreveu o motorista Amaro (personagem cuja interpretação no filme de 1983 rendeu ao ator Lima Duarte o prêmio de melhor ator no festival internacional de Gramado) da seguinte maneira:

“Amaro ou fala de mulher ou fala de Charuto do Cotinguiba. Fala no pontapé de Charuto. É um chute, fica dizendo. Cada chute. Furou a rede do time da Passagem, deixou a marca ali. Furou a rede de diversos, fez e aconteceu. Ora, Amaro, an-bem, não gosto do Cotinguiba, em primeiro lugar, não gosto de Socorro, que é uma terrinha mirrada, cheia de pivetes fugidos da Cidade de Menores, em segundo lugar não gosto de time azul, em terço lugar não acho que Charuto, com aquelas pernas de jaburu e aquele nariz de ponta possa ser bom chutador, em quarto lugar cale essa boca arreliada da gota, aviu, time é o Olímpico, aviu. Bom. Nunca nem vi direito a camisa do Olímpico, só me alembro daquelas rodas enroscadas umas dentro das outras nos peitos dos jogadores, mas não posso que não ficar falando, que mais se pode fazer. Nos princípios, vem raiva de Amaro, os buracos nos dentes e a fala mole de muribequense, mas depois o tempo é tão grande e nada mais se ouve senão as vacas de curral e a quentura abafa tanto e nada mais se ouve, que fiquemos ali, só falando por falar, por meio dumas grandes paradas na conversa, enquanto espiemos o ar. Deitado numa tarimba velha, de noite,também sem dormir, tem uma conversa mansa. Que mais? E Amaro só Charuto isso, Charuto aquilo, porque Charuto, porque isso e mais aquilo”.

Após encerrar a carreira exerceu vários cargos na direção do clube. Era fã de Orlando Silva e passava todos os domingos escutando sua imensa coleção de discos do Cantor das Multidões.

Charuto Cearense – O Rei do PV

Luís Ferreira de Moura nasceu em 1937, filho de Vicente Faúna ex-jogador que tornou-se uma espécie de “faz tudo” no Estádio Presidente Vargas, cujas paredes eram coladas à sua residência. Seus irmãos mais velhos (Novíssimo, Ninoso e Pedro) também seguiram os passos do pai.

O Charuto Cearense começou sua carreira aos 14 anos no time do seu bairro, o extinto Gentilândia, mesma camisa pela qual o humorista Renato Aragão declarou ter defendido como zagueiro quando jovem. Tornou-se profissional em 1953 e no ano seguinte foi transferido ao América. Quando completou 18 anos foi levado pelo diretor Mozart Gomes para o seu clube de coração, o Fortaleza.

Seu apelido foi dado por amigos em virtude da semelhança física com Charutinho, meia do Ferroviário que fez sucesso no futebol cearense.Estreou pelo Leão do Pici em um amistoso contra o Riachuelo no PV. Charuto empolgou a torcida, fazendo três gols na vitória por 4 a 2. Apesar de sempre ter atuado na meia-esquerda, ao lado do irmão e lateral-esquerdo Ninoso, Charuto era destro. O seu chute aliava força e precisão. Ele explicava que desta maneira, sempre ficava em melhores condições de chutar em direção ao gol das equipes adversárias.

Jorge Vieira

Sagrou-se bicampeão cearense em 1959-60 e vice campeão da Taça Brasil no mesmo ano. Na decisão contra o Palmeiras, o Tricolor de Aço venceu a partida de ida na capital cearense por 2 a 1. Na volta, os leoninos foram derrotados por 8 a 2. Charuto abriu e encerrou o marcador na goleada do Verdão. O seu companheiro em campo, Sapenha encostou em Charuto e disse: “pelo amor de Deus, não vai mexer com os homens, se não eles enfiam uns 16 na gente” e também advertiu Ninoso, que tinha dito após o jogo do PV que o Julinho, atacante do Palmeiras, não era de nada: “Está aí o que você queria, foi atiçar o cara e ele fez esse destroço na gente, era melhor ter ficado com o bico calado”.

Durante as finais, o meia-esquerda se casou com Albaniza – sua esposa por quase cinquenta anos – contrariando a vontade dos dirigentes do Fortaleza que temiam que a cerimônia atrapalhasse o planejamento da equipe. De todos os companheiros de Charuto, apenas o centroavante Bececê fugiu da concentração para comparecer à festa.

Suas atuações o credenciaram como o melhor jogador nordestino pela imprensa carioca, sendo muito cogitada sua contratação pelo América FC, que era o atual campeão carioca. Jorge Vieira, treinador do Mequinha, já havia trabalhado com Charuto na seleção cearense e por diversas vezes tentou levar o craque para o Rio de Janeiro, tendo inclusive visitado o hotel que o clube estava hospedado em São Paulo. Entretanto a negociação acabou sendo barrada pela direção do Fortaleza.

A tensão entre jogador e cartolas forçou a sua transferência para o Fluminense de Feira de Santana, porém ele atuou pela equipe do Recôncava Baiano por apenas três meses. A rivalidade existente entre Ceará e Fortaleza incentivou o Vozão a trazer Charuto novamente para o futebol cearense. O dirigente alvinegro Elias Bachá determinou ao treinador ohúngaro Janos Tatray que o trouxesse “de qualquer maneira”.

Em Porangabuçu, permaneceu por seis temporadas, sendo tricampeão estadual entre 1961-63. Ao se aposentar declarou que achou estranho jogar no arquirrival, mas reconheceu que foi no Ceará que obteve o melhor salário da sua carreira. Em 1969 foi emprestado para o Guarany de Sobral, sendo um dos artífices da campanha que culminou com a subida do Cacique do Vale para a elite do futebol cearense.

Abandonou os gramados, ao constatar uma contusão no joelho direito, que lhe causou sequelas para o resto da vida, somada à insistência dos dirigentes rubro-negros em obrigá-lo a jogar mesmo contundido, alegando “corpo mole”.

Charuto não abandonou os estádios, tornando-se administrador dos bares no Castelão e Presidente Vargas. A desorganização nos clubes em que atuou fez com que ele, a exemplo de muitos outros ex-jogadores, perdesse todos os anos como atleta profissional para efeito de aposentadoria junto ao INSS.

Charuto Alagoano – O Rebelde

Durante os anos 60, surgiu o maior rebelde do futebol brasileiro; Etelvino Domingues Ribeiro da Silva. Saído dos juvenis do Santa Cruz, tornou-se ídolo no CSA, em uma equipe que ainda contava com o zagueiro Zé Cláudio (o futuro “coronel” do Capelense). Brigador dentro e fora de campo, resultado da mistura de álcool e estimulantes antes e depois das partidas. Os jogadores adversários tinham pavor de jogar contra ele. Qualquer finta era motivo para briga. Em um clássico contra o CRB intimidou os adversários dizendo que daria um soco em quem driblá-lo. Em suas confusões em campo, Zé Cláudio fazia a “escolta” do atacante.

Charuto

Sua valentia em campo cativava a torcida, principalmente ao marcar um gol na final do estadual de 1963 contra o CRB. Todavia o seu comportamento irritava os dirigentes azulinos, especialmente o presidente Coronel Nilo Floriano Peixoto, que também era comandante da Polícia Militar de Alagoas. Por indisciplina, rescindiram seu contrato com o Azulão no começo de 1965.

Foi jogar no Sergipe, sendo campeão estadual em 1967, mas novamente acabou expulso do Alvirrubro por conta da “rebeldia”. Perambulou por clubes alagoanos e no interior de Minas Gerais. Seu corpo e sua mente já sofriam as consequências dos coquetéis.

Uma matéria do Jornal de Alagoas, em 1980, assinada por Lauthenay Perdigão – extraordinário cronista esportivo, pesquisador e diretor do Museu dos Esportes no estádio Rei Pelé – nos revela como foi conturbada a carreira de Charuto:

A torcida alagoana, em particular a do Centro Sportivo Alagoano, lembra muito bem do atacante Charuto. Dentro de uma equipe bem entrosada e que chegou a ser Campeã em 1963, Charuto tinha certo destaque. Jogava no juvenil do Santa Cruz do Recife, quando soube que o presidente do CSA, Vicente Bertolini, estava contratando jogadores amadores de Pernambuco para o clube azulino.

Veio a Maceió, apresentou-se ao dirigente do clube, realizou um grande treino e foi contratado. Mas, seu gênio temperamental e difícil de ser compreendido fez com que ele não demorasse no Mutange. Como jogador de futebol, não era um craque excepcional, contudo se encaixava bem no time azulino. Como homem, seu temperamento nunca o ajudou a ter um relacionamento muito bom com a torcida, dirigentes e até companheiros.

Seu grande mal talvez tenha sido o vício com os estimulantes. Só jogava dopado e tinha uma vida irregular fora dos gramados. Fazia coisas que uma pessoa normal não poderia fazer. Certa vez, usou o nome do próprio presidente do CSA, Coronel Nilo Floriano Peixoto, para adquirir uns óculos e duzentos cruzeiros. Fez uma farra daquelas e somente depois de alguns dias voltou a treinar no CSA. O presidente já tinha rescindido o seu contrato.

Foi para Aracaju e ingressou no Sergipe. Foi Campeão e, na festa do título, pegou a taça, foi ao banheiro e devolveu o troféu aos dirigentes todo melado. Não é preciso dizer que Charuto saiu às pressas da cidade para nunca mais voltar. Depois, viajou para o interior de Minas e terminou retornando para Maceió.

Jovem, ainda, foi obrigado a deixar o futebol. Problemas começaram a surgir na sua vida. Sem amigos, não soube como fazer. Sua família, ele não soube construir. Seu casamento foi um desastre. Enfim, sozinho, ele enfrentou a dura realidade da vida. Quem planta o vento, colhe tempestade. Quando voltou para Maceió, chegou com sérios problemas nas pernas. Mal podia andar, bem diferente daquele jogador que corria o campo todo quando vestia a camisa do CSA.

O doping, que tomava quando jogava futebol, minou o organismo. As bebidas ingeridas para comemorar as vitórias ou afogar as mágoas nas derrotas lhe atacaram o fígado e destruíram o pâncreas. Quando jogava, tudo estava bem com ele. Somente depois, e não muitos anos depois, é que os prejuízos começaram a aparecer.

Está sofrendo em vida as penas do inferno. Hoje é um jovem velho internado em uma casa de saúde, longe de uma torcida que ele nunca soube compreender. Charuto está na pior. Doente, sem amigos e não sabe a quem recorrer para ajudá-lo. Sua vida desregrada serve de exemplo para os jovens de hoje. Nunca mais soubemos noticias do Charuto.

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