Patrulhamento reacionário…

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Lembro bem do tempo, nem tão distante, em que o movimento LGBT era acusado de patrulhar a mídia, as artes, a vida alheia, a expressão. Acusavam-nos de vigiar frases bobas, de culpar inocentes piadistas, de condenar supostos despretensiosos ao linchamento público. Motivo: não mais aceitar o humor que nos humilha e denunciar as sutis agressões que sofríamos. “Ah! Mas hoje tudo é homofobia”, reclamavam. Sempre foi. Sempre o contexto de nos ridicularizar e de nos taxar como erro esteve lá.

O movimento feminista também reclamava e vinha a declaração adaptada: “Ah! Mas hoje tudo é machismo”. O movimento negro ouvia: “Ah! Mas hoje tudo é racismo”. Sempre foi. Sempre o contexto de escolher alguém a quem se pudesse inferiorizar e, com isso, se alçar ao topo de superior na espiral de poder chamada sociedade.

No topo, o homem branco, hétero, cisgênero, rico, letrado. À medida em que a espiral desce, cada qual procura alguém, o empurra mais para baixo e o usa como degrau para alcançar as prateleiras mais altas dos privilégios.

Não há inocência, nem despretensão nesse jogo. Ele é bem calculado e bem antigo.

Patrulheiro era o que reagia ao preconceito, o que não aceitava mais ser tratado como o que foi feito para zoar. Ele não fazia ronda. A coisa surgia, ele constatava, ele opinava. Não patrulhava. Reagia. Defendia-se. Por isso, incomodava. Precisava ser deslegitimado. Chamado de censor.

Mas o tempo avançou e trouxe verdades. Temos novos patrulheiros. Aliás, velhos patrulheiros. Bem conhecidos. Lembra daqueles que patrulhavam as munhecas e os quadris dos gays para o insultarem, rirem dele e até correrem atrás e o espancarem? Agora, correm patrulham nudez nas artes. Agora, cercam museus, afrontam funcionários, intimidam visitantes. Agora, tentam proibir debates com a filósofa americana Judith Butler. Demonizam-na como a bruxa que conjurou a tal da ideologia de gênero das profundezas do tártaro.

Agora, a liberdade de expressão, que sempre invocaram, a rasgaram e a jogaram na privada. Nem aí. Liberdade de expressão só se for para humilhar e discriminar, para garantir meu status quo na espiral de poder. Qualquer outra, tá amarrada em nome de Jesus e da censura.

Dar liberdade de expressão para se falar de assuntos incômodos como criança viada é desmontar todo o discurso conservador de criança anjinho. Daí, carimbam a criança viada como criança usada em relação sexual. Criança viada não é a criança sexualizada. É a criança mostrando que tem uma sexualidade. Assim como a criança não viada. A menina princesa já dá sinais de sua sexualidade. O menino de super-herói idem. Apresentam indícios. Nada mais.

Mas a eterna patrulha conservadora não pode perder o poder sobre o corpo alheio. Perder esse poder é perder o poder. Daí, o medo extremo, a vigilância cerrada.

Basta uma marca de sabão em pó dizer que criança pode brincar com o que quiser que enxergam uma conspiração para homossexualizar e transexualizar as crianças. “Boicote!”, gritam. Basta uma telenovela ter um personagem gay, em meio a dezenas de personagens héteros, e a paranoia se reinstala. Basta um pardieiro de garotos pagos para causar tumulto e, assim, desviar a atenção dos reais problemas brasileiros com o clarmor: “Tem um homem nu no museu”. Pronto! Uma turba já se apressa a circundar o prédio, erguer cartazes e rosnar para quem ousar entrar.

Contexto do personagem gay? Não importa. Contexto do homem nu no museu? “Bah!” Contexto das brincadeiras de criança? “Meu filho não vai ser viado!” Creem que o comunismo tem sinistros planos sexuais para dominar o Brasil. E que destruir e embaralhar os cromossomos XY e XX é um deles. Tão maquiavélicos quanto instalar ciclovias e estimular o uso de bicicletas nas cidades.

Usam desculpas parecidas e sonsas para proibir discussões de sexualidade e gênero nas escolas: “Sexualidade é assunto de família. Em casa, a gente ensina a respeitar todo mundo.” Pelo número de pessoas LGBT e mulheres agredidas, mortas, estupradas e insultadas nada tem de eficaz essa educação familiar. Se é que ela existe ou é uma hipocrisia a mais.

 

*Miguel Rios é jornalista, recifense, militante LGBT e filho de Oxalá.

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