Lulinha, 25: ‘Recomeço? Isso é horrível’

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Wallace Lulinha 4 Linhas

Na estreia do podcast 4 Linhas, comandado pelo zagueiro Wallace e na companhia do jornalista Guilherme Prado, o entrevistado foi Lulinha, artilheiro das categorias de base do Corinthians que, depois de subir ao profissional ainda muito jovem, já esteve no futebol português e na volta do Brasil atuou por Bahia, Ceará, Criciúma e Red Bull antes de defender seu clube atual, o Botafogo.

[Ouça a entrevista na íntegra: https://www.central3.com.br/4-linhas-01-lulinha/]

Na conversa, Lulinha falou da expectativa criada em torno dele no início da carreira, da relação precoce com o futebol profissional e a imprensa, e ainda relembrou histórias como as vividas no rebaixamento com o Corinthians. Logo no começo do papo, ele conta como foi parar numa peneira no clube paulista.

Divulgação Botafogo
Divulgação Botafogo

Lulinha – Eu fui com um amigo meu, só para acompanhar o teste. A gente jogava junto futsal num time de São Caetano do Sul, o Santa Maria. E eu sempre pegava carona com a avó dele. E nisso ele jogava futebol de campo no time de uma firma que tinha aí, a Molas Rush, e eles jogaram contra o Corinthians. Aí o diretor da época no Corinthians disse que ia ter um teste para a categoria dos [nascidos em] 1990. Mas eu tinha ido só assistir esse jogo e ele foi bem mesmo. Aí a gente ia treinar no mesmo dia à noite e a avó dele falou para eu ir junto, eu assistia o teste e quando acabasse a gente ia para o treino em São Caetano. Logo que a gente chegou lá, tinha muito moleque para fazer o teste, e eu estava sentado de calça. Nisso o treinador passou, era o Edson Rocco, e perguntou a minha idade. Eu falei que era 90. Aí ele perguntou se eu tinha ido para fazer o teste, e eu disse que não, só tinha ido acompanhar meu amigo. Aí ele: por que você não vai, está aqui já… Mas não vai poder fazer o teste hoje porque não está com nada aí, vai ter de aguardar a semana que vem. E eu fiquei meio desencanado, até porque morava em Mauá e para o Parque São Jorge era uma distância absurda, já era ruim para o meu pai me levar para São Caetano. Nisso eu comentei com meus pais e disseram, “sei lá, meu filho, mas se quiser fazer o teste, vai”. Aí meu amigo, o Neto Pipoca, passou no primeiro teste e eu peguei e fui. Nisso passou uma semana e eu já estava inscrito no campeonato, já estava federado na Associação, sub-8, e nisso fiquei no Corinthians e dei minha sequência.

Guilherme – Em uma semana você já estava federado?

Lulinha – Exatamente, o treinador me viu treinando e federou eu e meu amigo, que ficou muito bem e acabou ficando.

Wallace – Mas você tinha o sonho de ser jogador ou foi o acaso mesmo?

Lulinha – Então, Wallace, minha vida toda foi bola. Sempre. Minha mãe fala que eu pegava as laranjas na feira, limão, saía chutando, minha cabeça sempre foi jogar bola. Comecei no Grêmio Mauaense com seis anos de idade, também por acaso. Porque meu pai nunca foi fã de futebol, ele nem torce para time nenhum. Mas eu jogava bola na rua e um amigo do meu pai me viu e falou, “pô, o moleque joga pra caramba, põe ele para jogar”. E meu pai, “não, isso dá trabalho, deixa o moleque jogando na rua”. Aí ele falou “meu filho joga no Grêmio Mauaense, posso pegar ele para levar?”, aí meu pai disse que sim. Aí ele me pegava lá, me levava, meus pais foram pegando gosto pela coisa…

Wallace – Foram vendo que o filho sabia jogar..

Lulinha – É, foram começando a gostar, vendo que o filho tinha talento. Mas meu pai nunca foi ligado em futebol, para ter ideia ele não sabe fazer um balãozinho.

Wallace – Então não é um cara que te deu muito incentivo.

Lulinha – Não, totalmente por fora de futebol, não conhecia nada, até vejo hoje os pais cobrando das crianças, pedindo para o filho ser jogador de futebol e tal.

Guilherme – É engraçado porque jogador de futebol geralmente joga ou porque alguém da família joga ou porque joga na escola.

Divulgação Flamengo
Divulgação Flamengo

Lulinha – É, não tive ninguém na minha família. Mas meu pai, depois que entrei no Corinthians, ele me ajudou demais, minha mãe também.

Wallace – E aí você foi para o Mauaense e ficou até quando?

Lulinha – Fiquei até uns 8. Aí fui para a GM no futsal e depois no Santa Maria. Minha família nunca teve muitas condições, graças a Deus nunca faltou comida, mas não tinha muito. E aí o clube que oferecia alguma coisa para a gente, a gente acaba indo. O Santa Maria oferecia cesta básica e a gente acabou ficando.

Wallace – Futebol foi se tornando uma renda extra já.

Guilherme – Isso com oito anos de idade, já com a responsabilidade de colocar comida em casa.

Lulinha – Exatamente. Começou muito cedo. Meu pai funcionário público e minha mãe dona de casa, além de trabalhar na casa dos outros também, fazendo unha, limpando, então uma rendinha a mais ou um alimento já era muita coisa.

Wallace – E como tocava a escola?

Lulinha – Eu estudava normal de manhã, só que era corrido. Minha mãe fala até hoje que eu não comia, eu engolia, porque não dava tempo. Eu pegava o ônibus de Mauá até a estação, aí pegava o trem até o Brás, pegava o metrô até o Carrão e andava mais uns dez minutos até o Parque São Jorge. Eu chegava da escola meio-dia e tinha de estar no Parque São Jorge às duas e meia. Então era correria total.

Wallace – E quando surgiu o Corinthians na sua vida?

Lulinha – Lembro que eu jogava em clubes pequenos, e a partir do momento que fui para o Corinthians eu lembro da sensação de vestir a camisa para o jogo.

Wallace – Você lembra do primeiro dia, como você foi recepcionado?

Lulinha – Eu sempre fui muito tímido. Então eu via aquela criançada toda e queria me esconder, mas quando entrava dentro de campo eu me soltava, correria total, meu Deus. E minha mãe com medo, minhas perninhas magringas. E lembro como se fosse hoje, no CT em Itaquera, no campo de baixo, e a gente foi fazer nosso primeiro jogo com a camisa do Corinthians. E a camisa vinha no pé, gigante, o meião, o shorts lá embaixo, mas só de vestir a camisa do Corinthians… Eu pegava aquele escudo de borracha e a gente via que era de verdade, era original, simbolizava que você estava ali.

Wallace – Eu falo porque fui de base e há uma restrição quando você é novo… Automaticamente tem panelinha e você acaba deixado de lado, você sentiu isso quando chegou?

Lulinha – Eu fui muito novo e quando cheguei lá já tinham os meninos do futsal entrando no campo, que já se conheciam. E quando vocÊ chega novo, com um grupo já formado, até de pais, você chega com restrição. Mas fui com o amigo meu que acabamos fazendo uma parceria, mas já tinha a panelinha até dos pais, quem tinha mais condição, e a gente mais humilde ficou mais de canto.

Divulgação Botafogo
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Wallace – E contra quem foi o primeiro jogo?

Lulinha – Eu lembro que a gente ganhou, mas o nome do time não vou lembrar, foi 6 ou 7 a 0 e lembro que fiz um gol. Eu jogava com a 11, fiz a estreia já como titular, com 15 ou 20 dias de casa. Os pais e outros meninos ficavam até assim, dizendo, “pô, o menino já é titular, tirando o lugar do meu filho”. Mas foi inexplicável, foi demais.

Wallace – E no trajeto que você fazia, de Mauá ao Parque São Jorge, sua mãe te acompanhava?

Lulinha – Foram três pessoas que me auxiliaram nesse tempo, minha mãe, meu pai e minha irmã. Fazendo o esforço, se revezando. Minha família sempre esteve junto na correria. E sempre foi muito humilde, tudo bem contadinho. Eram cinco reais para ir e voltar. Às vezes sobrava e minha mãe falava ‘vamos comprar uma bolacha’, e eu falava que não, que talvez ia faltar para ir amanhã. Ela conta hoje que eu sempre tive a cabeça boa para essas coisas, nunca quis aparecer.

Guilherme – Você ganhava uma cesta básica no futebol de salão, mas no Corinthians não paga nada, você teve de largar lá?

Lulinha – Eu comecei a jogar salão no Santa Maria e campo no Corinthians, mas chegou um momento que ficou ruim. Porque jogava contra o Corinthians e o pessoal falava… Aí acabei indo para o salão do Corinthians. É até emocionante de contar, porque esse treinador, o Edson, foi importante demais para mim. Tínhamos dois jogadores, eu e o Marcelinho, vocês sabem quem é.

Guilherme – Sim, o que jogou no Barueri…

Lulinha – Isso. De Osasco. E a gente era de família mais carente, então ele chamava eu e o Marcelinho no banheiro e dava um dinheiro para a gente ir treinar, 50, 100 reais, do bolso dele. Mas assim, ele não podia passar isso para as outras crianças, sabe como é. E aquilo para a gente já era o dinheiro do mês todo para continuar a treinar. Aquele é um dos caras que sempre que sou entrevistado tenho muito orgulho de falar porque me ajudou demais, sabia da minha história, de uma família de poucas condições.

Wallace – Principalmente quando a gente é mais jovem, tem essa coisa. A partir do momento que você é pago para jogar, titular do Corinthians, você sabe que tem uma certa qualidade. Como você lidava com isso? Com as pessoas e o fato de você já ser o craque do time?

Divulgação Flamengo
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Lulinha – Eu nunca fui obrigado a jogar futebol, meu pai, para você ter ideia, me levava no jogo, mas não assistia às vezes para não passar cobrança da forma que ele via outros pais. Com oito, nove anos de idade, e a gente via uns pais, caraca, cobrando, ‘ah, perdendo gol!’. E meu pai não cobrava nada.

Wallace – A gente acaba sofrendo pressão dos companheiros também, no seu caso, por resolver os jogos…

Lulinha – Tem isso, Wallace. Eu fazia muitos gols, três, quatro gols num jogo, e não tinha como me tirar. Chegou um momento que as crianças mesmo me procuravam dentro de campo para poder ganhar o jogo.

Guilherme – Esse negócio acompanhou a vida do Lulinha. Com 15 anos, os programas de TV no domingo ficavam pedindo a presença do Lulinha no time profissional. Um pouco como aconteceu agora com o Gabriel Jesus, de pedirem para ele jogar, mas o Lulinha já frequentava programa esportivo de domingo antes da estreia. E era uma criança.

Wallace – Buscando aqui, você fez 297 gols na base. É muito gol para um moleque.

Guilherme – Mas acho que ele contou, viu, Wallace.

Lulinha – O Romário contou, vou contar também.

Wallace – Aí você sobe para o profissional com 17 anos. E eu lembro de uma entrevista sua que você disse que seu estilo era uma mistura de Kaká com Ronaldinho Gaúcho.

Lulinha – Pior besteira que falei na minha vida.

Wallace – Esse tipo de declaração teve um peso muito grande para você?

Lulinha – Muito. Demais. Isso foi minha primeira coletiva como profissional, com 16 anos, ia fazer 17. E o repórter perguntou qual era meu estilo de jogo. E eu caí na besteira, na verdade inocência, de falar que eu tinha arrancada do Kaká e a habilidade do Ronaldinho Gaúcho. Os caras falaram, ‘pô, está vindo um monstro aí’.

Guilherme – E como foi essa transição, quando te ligaram para ir para o profissional?

Lulinha – Então, Gui, quando cheguei do Sul-Americano sub-17 no Equador. Eu fui artilheiro, fiz 12 gols, acho que até hoje ninguém me passou. Só que quando você está lá no campeonato, não tem noção do que está passando aqui. E quando cheguei a repercussão estava muito grande. E meu empresário na época, o Wagner Ribeiro, já falava muito para eu subir para o profissional. O treinador era o Leão, eu com 16 anos. Mas o Leão tinha rixa com o Wagner por jogadores passados, e ele deu uma declaração de que eu não estava maduro para subir. Mas eu cheguei do Sul-Americano e até me assustei. A delegação desceu em São Paulo e a imprensa veio falar, queria saber se eu ia subir. E o Corinthians numa fase ruim no Paulista de 2007 que não estava classificando para a fase final. O Leão caiu e o Zé, meu treinador na base, assumiu o profissional para o restante do Paulista, três ou quatro jogos. Nisso eu estava em casa, ia treinar normal em Itaquera e me ligaram, falando para eu me apresentar 9h no Parque São Jorge. E eu: ‘mas por que, vamos fazer amistoso com o profissional?’ E disseram que eu ia treinar com o profissional. Eu pensei que estava brincando. Subimos eu, Diego Sacoman, Everton Ribeiro e o Alisson, um atacante. Eu desacreditei.

Wallace – Você tava no juvenil ou no júnior?

Lulinha – Eu sempre joguei na mais velha. Era 90, mas jogavam com os 89. Ia para o banco dos 88. Uma vez no juvenil teve um jogo do profissional B, contra o Marília, em Guarulhos, e me chamaram com 15 anos. Lembro que estava até o Coelho, uns caras que desceram para esse jogo, e eu fiquei no banco. Daqui a pouco machuca alguém e o treinador: ‘aquece’. Eu vendo os caras tudo barbudos, eu novinho, magrelo, e estava 1 a 0 para os caras, eu entrei e fiz chover. Todo mundo impressionado, empatamos o jogo em 1 a 1 e infelizmente fomos eliminados. Os caras com 30 anos, 28 anos, e eu moleque, achei que não iam me colocar nessa fogueira. E todo mundo já perguntando quem era e tal.

Wallace – Essas lembranças são as melhores coisas, né.

Lulinha – É bom demais. Meu pai foi nesse jogo e ficou com medo de eu me machucar. Os caras muito mais velhos que eu. Mas me levaram porque achavam eu rápido, com qualidade.

Wallace – Nossa profissão se diferencia no quesito tempo, né. A gente começa muito cedo, depois para muito cedo, e acaba pulando uma série de etapas. É pai muito cedo, começa tudo cedo. E ainda criança já tem uma série de responsabilidade. Para você, o fato do jogador pular etapas, afeta o lado psicológico do jogador?

Lulinha – Eu acho que sim, porque é criança e está na fase de viver outras coisas. Mas já carrega o peso de sustentar uma família…

Wallace – Terem te lançado muito cedo no profissional foi ruim para você, isso é óbvio, mas a expectativa das pessoas te afetava?

Lulinha – Pessoal pergunta se eu acho que subi muito novo. Claro, tinha 16 anos. Mas eu tinha tanta confiança que foi bom na época. O primeiro jogo no profissional eu dei três arrancadas, três chutes no gol, que se a bola entra a história seria diferente. Futebol passa muito por confiança, você estando bem já é totalmente diferente. Mas começou a juntar muita coisa em cima de mim, o Corinthians em 2007 não andava, o clube foi rebaixado e achavam que o Lulinha ia salvar o time. Aí começam a falar que não é jogador para o Corinthians, que não vai dar certo, e você com 17 anos.

Wallace – Mas o Gui, tem condição de um moleque com 16, 17 anos suportar a pressão de jogar no Corinthians?

Guilherme – Baiano, imagina que o Lucas, seu filho que tem 10, jogar daqui a pouco no profissional. Não é normal, nem na maturidade física, nem mental. O Lulinha com 17 anos tinha de salvar um time do tamanho do Corinthians do rebaixamento. Toda a expectativa. A gente tem uma cultura no Brasil de correr atrás de um salvador da pátria, uma fada que dê um beijo, sempre uma mágica. E foi depositado tudo isso nas costas dele.

Lulinha – Lembro que no rebaixamento os torcedores na porta do meu apartamento soltando fogos, uma semana sem sair de casa, isso me abalou muito. Claro que a confiança, para voltar… Isso atrapalha demais. Mas é o futebol, os anos passam, você vai ganhando experiência.

Guilherme – Isso é natural para você hoje. Uma coisa é falar agora e outra é ter vivido isso.

Divulgação Botafogo
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Lulinha – Tenho umas lembranças bem tristes. Teve um jogo contra o Palmeiras, 2008, que eu estava bem, tinha feito gol, e a gente foi jogar contra o Palmeiras. O Dentinho estava suspenso e a esperança era o Lulinha. Fiz a chamada da Globo, o Lance! era eu. E só via pela internet o pessoal falando besteira, mas nunca tinha vivido. Mas num lance eu perdi a bola, o Diego Souza tocou para o Kléber, que chutou e o Valdivia fez no rebote. Que saiu até o chororô. O Julio espalmou e o Valdivia fez o gol. Saindo do Morumbi, tinham uns 40 torcedores me xingando, mandando eu ir embora, e eu pensei ‘caraca, acabou, não é possível’. Minha mãe em casa, tendo churrasco, e quando eu cheguei fui para o meu quarto, me tranquei, minha mãe me chamando para ir ver o pessoal. Eu tinha 18 anos, mas hoje pode xingar, falar o que for.

Guilherme – Eu lembro que na reapresentação de 2008 a torcida fez protesto contra você. Jogando havia seis meses.

Wallace – Mas na sua opinião, Gui, o Lulinha era isso tudo mesmo?

Guilherme – Eu tenho um amigo que viu muito o Lulinha jogando na base e também muito o Neymar. E ele diz que o Lulinha jogava mais que o Neymar na base. E o cara não é fanfarrão, viu os dois e fala isso.

Lulinha – Muita gente fala isso, Wallace. O Neymar é 92, eu sou 90. Na época, para ter ideia, o Neymar se espelhava em mim por eu ser mais velho. Vamos dizer que ele, no infantil, ia para me ver jogar no juvenil.

Wallace – Eu pergunto isso pelo fato das pessoas depositarem muita esperança, são 40 milhões de torcedores, e não é por ser bonitinho, até porque você não é. É pelo nível que você tinha mesmo, e o que tem pesado de não ter uma carreira longa no Corinthians acho que é pelo momento.

Lulinha – Momento oportuno, grupo que tinha de colocar para jogar, não tinha outro. E para resolver! Treinador que não tinha o que fazer, pressão da diretoria, pressão da torcida. Isso abalou muito minha confiança. A imprensa também. Às vezes eu falava para o Gui que não ia, os caras me chamavam para muita coisa.

Wallace – Eu sempre tive muita curiosidade em relação a sua carreira. E todas as pessoas, o Gabriel, o Camacho, o Souza, eu perguntava de você e todos falavam e falam que você é diferente. Que sua qualidade técnica é refinada. Pessoal fala que você tira coisas da cartola que é inacreditável.

Lulinha – O Arão brinca comigo, diz ‘você tecnicamente é perfeito’.

Guilherme – Quando você teve maturidade para entender isso? E quando realizou que não atendeu à expectativa de todo mundo mas se sentiu completo?

Lulinha – Isso é experiência, né. Vai convivendo com outros jogadores. E a partir do momento que eu falei para mim mesmo que não rendi aquilo que as pessoas esperavam, mas estou jogando bola, num clube de expressão como o Botafogo. Mas as pessoas me olham como um cara não deu certo. O que é uma inverdade. Não deu certo na expectativa que eles colocaram. Lulinha na seleção, Real Madrid, Barcelona.

Guilherme – O mais importante é você se entender, né.

Lulinha – Com 15 anos o cara do Manchester United foi na minha casa para me levar. E eu não fui.

Wallace – Hoje você tomaria outra decisão?

Guilherme – Não dá para saber, né.

Lulinha – Hoje com experiência, né. Mas na época, com a confiança que eu tinha, os caras na minha casa, eu não tinha contrato.

Guilherme – E tem caras que foram e não viraram. Não é fácil virar jogador, não é fácil transformar a vida da sua família. E você tem 25 anos, tem mais dez aí de trajetória.

Lulinha – Hoje em dia o pessoal faz praticamente as mesmas perguntas. O recomeço do Lulinha. Isso é horrível. O cara da ESPN veio me perguntar sobre o recomeço no Botafogo.

Wallace – Eu vi essa entrevista. Fazer uma pergunta dessa…

Divulgação Flamengo
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Guilherme – O grande barato é a gente se entender independente do que os outros dizem. Se for na piração, você morre.

Wallace – Só acho que são perguntas batidas, que já passou. É ignorância ficar remoendo esses assuntos. Tem casos que criaram expectativa e as pessoas agora ficam rebatendo. Igual o Ganso. O que aconteceu com o Ganso? Nada.

Lulinha – Exatamente. Vai voltar o Ganso do Santos? O Ganso está jogando, oras…

Guilherme – São mil histórias, o Willian, do Cruzeiro, chegou no Corinthians com 26, 27 anos… O Ricardo Oliveira é camisa 9 da seleção. Acho que o grande lance é quando você se aceitou, se viu feliz independente do que esperavam. Se houve um ponto desse, quando foi?

Lulinha – Acho que passou depois que você cria uma família. Quando eu casei, e minha esposa é muito parceira minha. Ela ouve umas coisas e fica indignada, não me deixa aceitar, diz que eu não sou aquilo. As pessoas falam tanto e você acaba aceitando. E ela fala que eu não sou isso, que eu sou jogador, que tenho 25 anos. Ela me acompanha, a gente começou a namorar com 13, 14 anos. Então a partir do momento que criei uma família e ela me ajudou, foi meu estalo para entender que o que passou, passou. E tenho de fazer uma nova história.

Guilherme – Olha o Ricardo Oliveira recomeçou aos 35 e é camisa 9 da seleção.

Lulinha – Mas ele já jogou, Gui, é recomeço aqui no Brasil.

Wallace – Os caras falam como se não tivesse jogado no Ceará, no Bahia…

Guilherme – Lulinha é rei no Ceará.

Lulinha – É, como se não tivesse jogado em lugar nenhum.

Wallace – Sabe como o Lulinha é conhecido na Bahia? Amuleto tricolor. E só para tirar uma dúvida, o que aconteceu no ônibus depois que foram rebaixados lá contra o Grêmio? A torcida invadiu o ônibus?

Lulinha – Foi muito engraçado esse dia, engraçado agora, né. Eu não estava porque fui para o doping, eu e o Moradei, lá no Olímpico. O Clodoaldo, atacante, grandão, ClodoEto, tinha marra de valentão. E nesse dia eu estava saindo do hotel e o Andres me deu o telefone, tinha um cara querendo falar. Era o Neto, hoje comentarista, e ele ‘pô, Lulinha, a gente confia muito em vocês, no seu futebol, você vai ajudar o Corinthians a sair’. E eu, ‘claro, não vamos cair’. Fomos para o jogo, aconteceu tudo aquilo, e não sei se o segurança deixou ou não, mas entrou um torcedor da Gaviões dentro do ônibus e ficou escondido no banheiro. E o cara era muito grande, gordão, grandão. Nisso o Clodoaldo era o primeiro, ele foi logo no Clodoaldo. E ele ‘não, pelo amor de Deus’, e o cara falando que ia matar a gente. Outro cara que falava muito era o Vampeta, e nunca vi um cara tão quieto como ele naquele dia. Tinha uns 50, 60 torcedores dentro do avião. Chegamos eu e o Moradei, procurando um lugar, e a gente no corredor do avião com os caras já gritando ‘moleque, vai embora do Corinthians’. E os caras? Quando eu olho está o Vampeta, cabeça baixa, e eu ‘cade o velho Vamp, falador?’. E ele: ‘Lulinha, não é o momento, senta aí e fica quieto’.

Wallace – Depois passou mais um ano para você ir embora?

Lulinha – Eu peguei uma época boa, né, Wallace, quando chegou o Ronaldo. A gente ganhou a Copa do Brasil e o Paulista, em 2009, e eu não estava tendo oportunidade com o Mano. Acabei emprestado e hoje eu teria saído, mas não para onde eu fui. Fui para o Estoril, em Portugal. Uma experiência boa, Europa, mas sair do Corinthians e ir para a segunda liga de Portugal é muito diferente. Esperava outra coisa, foi um baque. Campo ruim, chutão, foi complicado.

Wallace – Essa história que Europa é tudo lindo…

Lulinha – Não vai nessa. Pessoal me pergunta, ‘e Portugal?’. E eu falo que depende do time. Tem o Benfica, o Porto, o Sporting, o Braga. Mas os dois que eu fui, não vai. É doído. Fui no Estoril, fui bem, e o Olhanense, na primeira divisão, me chamou para lá. Mas tudo emprestado. Dois anos em Portugal emprestado e dois anos no Bahia emprestado, que foi quando eu fiquei, vamos dizer, com raiva do Corinthians. Na minha primeira temporada no Bahia eu fui muito bem. Aí pensei que ia ter a chance de pelo menos fazer uma pré-temporada com os caras. Porque meu 2011 no Bahia foi bom, fiz oito gols na Série A, que querendo ou não é bom. Tinha mais um ano de contrato com o Corinthians e achei que ao menos iam me chamar para treinar. E nem me ligaram. Aí o Bahia quis que eu ficasse, joguei lá 2012, e a temporada já não foi boa porque me machuquei bastante. E aí veio o momento mais desesperado da minha carreira, quando fiquei 2, 3 meses sem clube. Aí o cara dá uma baqueada, hein? Caraca. Não é fácil. Com 23 anos, sem clube, sem onde jogar. Em casa. Aí você liga a TV e os caras tudo jogando. Isso no começo de 2013.

Guilherme – Mas não surgiu nada ou você não topou?

Lulinha – Surgiram muitas coisas, mas nada concreto. Tem um negócio na Rússia. Aí eu autorizava para o cara mexer, mas não vinha contrato. Aí eu aguardava esses dias e não tinha nada. Aí surgiu um outro país meio maluco na Europa e não fui. Aí o Ricardinho me ligou. Tinha jogado com ele como treinador no Bahia e ele estava no Ceará. Foi minha melhor temporada no profissional, fiz 19 gols no ano.

Guilherme – Mas financeiramente não passou aperto, né?

Lulinha – Graças a Deus, não. Mas assim, fica meio preocupado, né? Aí fui bem em 2013 e fui criando expectativa, não subimos pelo Ceará por dois pontos, artilheiro do time junto com o Magno Alves, com 24 anos… Eu pensava: ‘não é possível, vai pintar uma barca boa’. E não pintava nada… Até que meu empresário falou que tinha o Criciúma para jogar a Série A e fui para lá em 2014, mas joguei só o Catarinense e voltei para o Ceará.

Wallace – E como surgiu o Botafogo?

Lulinha – Em 2014 eu voltei para o Ceará para a Série B, com um ano e meio de contrato, mas o Ceará não quis porque o salário era alto. Aí pintou a proposta do Red Bull para jogar o Paulista. E eu não sabia, time pequeno… Mas os caras me mostraram a estrutura deles, e tinha aquilo de voltar para São Paulo depois de tanto tempo. Fui bem no Red Bull, classificamos o time para a Série D, chegamos às quartas de final contra o São Paulo, e pintou a proposta do Botafogo para a temporada.

Wallace – E agora o contrato é até o final do ano?

Lulinha – Sim, com aquela coisa de mais dois, e aí depende do Botafogo para seguir.

Guilherme – Lula, em resumo: você está feliz, né?

Lulinha – Feliz demais, minha mulher está grávida de três meses, hoje fui lá ver o bebê, vai ser menina.

Guilherme – Que demais. Acredito muito nisso de como construir família foi importante para mim. Ela me chama de papai e fico pensando no tamanho da responsabilidade que é isso. É um barato, você vai ver.

Lulinha – Minha mulher me fez essa pergunta hoje: ‘que você fala sendo pai?’. E eu falei isso: ‘que loucura’.

Wallace – Só para pegar o gancho então, Lulinha, qual conselho você daria a um menino da base de hoje, saindo para o profissional?

Lulinha – Muita calma. Espera o momennto certo. Claro que se chegassem para mim com 13 anos e falassem para jogar no profissional, pô, é o sonho de todo moleque. Mas muita calma, aguarda a oportunidade certo, tem de ouvir muito. Os caras experientes, tem muita gente que te ajuda muito. Focar, ter a cabeça boa, não se empolgar. Porque do mesmo jeito que te colocam lá em cima, vão te colocar lá embaixo. Então confia no que sabe fazer e não deixa a confiança cair. Futebol hoje se resume muito em estar confiança.

Wallace – Então você que não conhecia teve a oportunidade de conhecer hoje Luis Marcelo Morais dos Reis, valeu e até o próximo 4 Linhas.

Guilherme – Valeu, Lulinha.

Lulinha – Valeu, obrigado!

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