Sobre James. Na verdade, sobre Bryant

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Quando a bola do Heat caiu no último segundo e forçou o sétimo jogo das Finais, comemorei. Não por nada que envolvesse aquele quinteto bala de Miami, mas por ser, o jogo 7, em uma quinta-feira, 21 de junho, a chance de eu encontrar a Tamires, uma beleza febril escondida atrás de vários pássaros tatuados. O basquete era nosso assunto em comum, o jogo sete nosso pretexto ideal, e por maior que seja minha reverência ao que o San Antonio Spurs de Popovich tinha e ainda tem de alma e arte para oferecer, eu, que não tiro tanta casquinha do mundo, preciso mesmo é de romances, ainda que ligeiros, estes espanadores de pó da vida.

LeBron James mandou no jogo decisivo, ignorando as falsas dúvidas que eu e Tamires colocávamos, à mesa, em sua capacidade. O último frame da transmissão – James, camisa branca escrito “champion”, troféu na mão imensa, braços abertos, cara de “eu sou foda” – foi o ensejo para o primeiro beijo entre eu e ela, que, três anos depois, já não importa tanto assim embora seja um útil marcador de páginas da memória, final da NBA, “protestos de junho”, Copa das Confederações,  Tamires, uma coisa fortalece a lembrança da outra e quando eu for um velho cascateiro as histórias ficarão mais verossímeis.

E como funciona a memória, a gaveta de lembranças e a nostalgia de um sujeito como LeBron James? Os anos passam e ele continua, 48 minutos por noite, humilhando o lado ordinário da existência. A gente nunca vai saber o que é ser Zico e desembarcar no Galeão, ser Alex e almoçar em Istambul, ser Maradona dando rolê em Nápoles, ser este tipo de gente capaz de alcançar o nirvana pessoal ao mesmo tempo que encanta milhares e milhares, ao vivo ou em HD, criança ou homem feito, companheiro de time ou rival direto.

Uma hora, ai, acaba. Fica o legado e o diabo do vazio. Certa vez uma ex-atleta olímpica disse que não sente falta de ganhar, competir, mas do ritual de concentração, da sintonia que conseguia ter consigo mesma da pele pra dentro, algo que jamais encontrou noutra atividade da vida. É disso que se trata a vida particularmente insalubre e dolorosa de quem entrega o corpo ao esporte de altíssimo desempenho, mas quanta areia há de soterrar a mente daqueles que, sim, morrerão viciados pela competição, fogueira cuja madeira nunca é suficiente, dopados por algo que vai muito além da endorfina e que chega a ser esquizofrênico, burro, inconsequente?

[nba.com]

Tem uns caras que são, ao mesmo tempo, os mais talentosos e os mais competitivos do pedaço. Vivem em um universo inalcançável, protegidos por várias camadas, nem todas tangíveis, nem todas compreensíveis, de concessões irracionais. Se divertem em um exercício paradoxal de exigência desleal, levitam na própria perturbação, são masoquistas de si mesmos e fazem morada em um sótão em chamas, lugar alto onde ninguém pode chegar sem se queimar e, se chegassem, iriam descobrir que não se trata de um sótão e sim de um inferno.

O inferno dos semideuses do esporte, enxergado como paraíso por estes obsessivos.

De modo que esta pensata parece ser sobre LeBron James, mas é sobre Kobe Bryant. Eles se encontraram em uma quadra pela última vez nesta quinta, dia 10, em Los Angeles. Apertaram o tubo da pasta de dentes até onde foi possível, competiram com a fome e a arte que lhes cabe, em uma espécie de código Morse que a gente até vê, ouve, mas não capta por inteiro, uma coisa só deles, particular, um borrão em HD, o tal do relâmpago da eternidade rachando a quadra e separando dois caras que sentirão falta um do outro, e mesmo que o mundo tenha, trinta minutos após o estouro do cronômetro, mais de dez mil fotos do encontro, quem pode realmente entendê-lo?

Qual o quê, que a minha vida é só um peidinho e sequer tirei, nos meses que se seguiram, uma única foto com a Tamires, com quem, por sinal, não vi as finais da NBA seguinte, outra vez com LeBron James em quadra, de novo os Spurs do outro lado, em meio a Copa do Mundo, conexões simplórias e sabe lá o que é fazer algo muito importante muito bem por dez anos seguidos, e depois ter de parar e reorganizar a rotina, fazer alongamento de manhã sem ter um ginásio babando por você de noite.

Algo me diz que isso passou pela cabeça de LeBron James à cama após enfrentar, pela última vez, este atleta mitológico chamado Kobe Bryant, um tipo absolutamente rompido com a ideia de desistência, trégua, aposentadoria. O tempo chega para todos, chegará para James, e neste momento é bem mais fácil ser um pobre mortal como eu e você. Nossos maiores dramas são do tamanho da Tamires, e está bom demais assim.

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