ESPECIAL HISTÓRIAS ESCONDIDAS DA COPA DO MUNDO

Apresentamos mais uma parte do ESPECIAL COPA DO MUNDO. E esse compilado está bom pra cacete! Histórias engraçadas, memoráveis e pra lá de curiosas.
Boa leitura!

49 – AS GAFES NA HISTÓRIA DOS HINOS EM COPAS DO MUNDO

O vídeo abaixo mostra, em 1986, o hino nacional brasileiro substituído pelo hino à bandeira antes do jogo contra a Espanha. Uma gafe inesquecível, e aparentemente fora até do protocolo da Fifa, já que o hino começa a ser tocado quando as equipes estão se preparando para bater a foto ao invés de se perfilarem – algo parecido com o ocorrido com os mexicanos na Copa de 1930, que se aqueciam em campo na hora em que o alto-falante, sem aviso prévio, executou o hino do país. Sócrates, o mais politizado daquele time, aparece na tela reprovando com a cabeça o erro da organização, que pode não ser diplomaticamente grave, mas é daquelas falhas primárias para uma competição de tal porte.

Mas não tem muito do que reclamar, o Brasil. Na Copa em nossa casa, em 1950, inventamos moda e decidimos tocar, em todo jogo, o hino brasileiro após os hinos das equipes envolvidas na partida. Era um constrangimento triplo. Já em 2014, o sistema de som do Beira-Rio pifou e negou a franceses e hondurenhos a execução dos seus hinos – a tão esperada Marselhesa não tocou. Antes o silêncio, porém, do que o erro, certo? Pois os alemães, em 1982, sentiram isso na pele. Em plena final da Copa, no lugar da canção alemã, uma música indecifrável ecoou no Santiago Bernabeu. Naquela mesma Copa de 82 a Polônia viu seu hino substituído pelo da Galícia, e, numa tentativa de conserto, executado corretamente, mas por cima do espanhol, os dois ao mesmo tempo.

Os africanos também se queixam. Togo, em 2006, teve de ouvir duas vezes o hino coreano, e nenhuma vez o seu, numa falha bizarra da organização. Já em 2010, a anfitriã África do Sul não tinha como executar seu hino completo, e isso é um problema em um país com graves fraturas sociais e raciais e cujo hino, em quatro partes, tenta agradar negros e brancos – só tocou a parte em idioma zulu, dos negros.

Não são gafes tão simples quando esbarra em questões sociais ou diplomáticas, como foi em 66: a Inglaterra, sem relações diplomáticas com a Coreia do Norte, aboliu as execuções de hinos em sua Copa, só para não ter de tocar o coreano.

No fim das contas, a Fifa, para dar tempo de tudo bonitinho, decidiu, de forma controversa, limitar as execuções dos hinos a 90 segundos cada. Sua tentativa de agilizar o jogo causou um belo efeito, consagrado de vez na Copa de 2014: as torcidas e os jogadores fazem questão de cantar seus hinos até o final, e não há outra saída a não ser esperar que assim o façam. O resultado é quase sempre muito bonito e catártico. A torcida cantando seu próprio hino é a forma mais segura de não haver gafe com as execuções dos ditos cujos.

48 – UMA DECEPÇÃO TRIPLA CHAMADA COSTA DO MARFIM

Em março de 2006, a Costa do Marfim confirmou as suspeitas sobre si: venceu a Espanha em solo espanhol, 3×2 com atuação exuberante. Os campeões africanos de 1992 estavam tardiamente, mas enfim, classificados a uma Copa do Mundo, e eram, na ocasião, muito mais que um azarão africano. A seleção já tinha atletas consagrados, o capitão já era Didier Drogba, e de Pelé ao Bolão da Firma, todos acreditavam naquela forte equipe que se propunha a representar a ginga africana com uma maturidade europeia que, dizem os detratores, faltaram noutras seleções similares. O que faltou mesmo foi um grupo mais acessível.

Tendo que brigar com Argentina e Holanda, ficou difícil, e os marfinenses voltaram pra casa cedo e sem culpa. O tal do grupo da morte absolveu a turma de Drogba, que voltaria em 2010 com uma seleção mais encorpada e experiente. Porém, novamente o sorteio foi padrasto, e os elefantes tiveram de encarar brasileiros e portugueses. Outra vez os “mais talentosos do continente” ficaram na primeira fase. Com o Mundial em solo africano, agora a esperança era maior, e a frustração foi inevitável, ainda que, outra vez, houvessem os descontos – empatou com Portugal na primeira rodada, e a seleção lusitana contou, na rodada final, com a pouca fome dos brasileiros para empatar e eliminar o time africano.

Chega a Copa de 2014. É a última chance de uma geração que já começa a ser substituída aos poucos. Drogba já caminha para o desfecho de sua carreira de alto nível, e agora a sorte diz sim: Colômbia, Grécia e Japão são os adversários. Passar de fase parece ser o mínimo, ainda mais quando, na estreia, vencem os japoneses de virada em Pernambuco. Coube ao time grego, na rodada final, contar uma outra história sobre aquela Costa do Marfim: era um time soberbo e frio desde sempre. Precisava do empate, tinha mais time, teve os espaços e as chances, mas era, mesmo com toda a história de Drogba e tantos outros, um time de indivíduos que nunca mereceram, juntos, sorte muito melhor, mesmo. Deram a vaga no último minuto com um pênalti bobo.

A grande história africana em Copas do Mundo ainda está para ser contada, acredita este editor que tanto confiou na Costa do Marfim. Camarões de 1990 continua sendo a mais digna campanha, e a talentosa geração marfinense que não deu em nada só contribuiu para esta impressão.

47 – A TURQUIA DE 2002 E A ILHA DE REALIDADE CERCADA DE FRUSTRAÇÕES POR TODOS OS LADOS

Duas participações em Copas do Mundo é pouco demais para quem gosta tanto de futebol quanto o povo turco. Mas, pelo menos, aproveitaram bem a última chance que tiveram: em 2002, 48 anos após o 7×2 sofrido que os despacharam do Mundial da Suiça, os turcos chegaram para o Mundial sentindo o perfume do sucesso clubístico de dois anos antes, outro feito inédito no país, quando o Galatasaray de Hagi e Taffarel – mas de tantos turcos – foi campeão europeu. Coincidência não podia ser, e a Turquia, em um grupo acessível, tinha todos os motivos do mundo para chorar após a estreia contra o Brasil, na qual saiu vencendo, jogou bom futebol e só foi derrotada no fim, com um pênalti inexistente e sequente atuação teatral de Rivaldo.

Depois, a Turquia passou por Costa Rica, China, Japão e Senegal. Nada fenomenal, né, mas o outro time anfitrião, na outra chave, avançava com apoio do apito e da torcida, enquanto Senegal, que já tirara o atual campeão do mundo, era dono de futebol pra lá de atraente. Aquela Turquia que atingiu a semifinal da Copa e pegaria de novo o Brasil, onde outra imagem entraria para o imaginário afetivo da bola: Denílson sendo perseguido por quatro defensores turcos, raivosos com o jeito desdenhoso, molenga, engraçado com que o atacante tratava seus 15 minutos de cancha. A imagem até que retrata bem o caráter daquela seleção turca, enérgica, fervente e solidária. Foram recebidos como campeões em Istambul.

A Copa do Mundo de 2002, tecnicamente, talvez tenha sido a pior de todos os tempos, e isso respinga nos turcos, mas sem manchar. Outra vez deram trabalho para o Brasil, finalista com um 1×0 de respiração presa sobre os vermelhos. Suaram, junto de água, cultura de futebol, e é disso, também, que se trata o jogo. Não é muito diferente do que o Uruguai fez em 2010 ou a Irlanda fez em 1990. Na disputa de terceiro lugar, o gol mais rápido da história dos Mundiais, e vitória sobre a Coreia – sim, os turcos venceram os dois anfitriões. Mais um ciclo de brilhos continentais viriam pela frente para os turcos, junto de um doloroso e insuficiente 4×2 contra os suiços em 2005: mais um gol, e a Turquia jogaria a Copa na Alemanha, onde milhões de turcos moram e onde construiriam atmosfera inesquecível.

A vida das seleções medianas é assim, mesmo. Um ou outro momento para se lembrar, e tantos momentos inesquecíveis que não aconteceram por pouco. O time de 2002 conseguiu virar realidade,e isso, para os turcos, não é pouco.

46 – DAVID BECKHAM, A SEXTA SPICE GIRL, A DIANA SEM CORÔA E UMA DÉCADA INESQUECÍVEL NA INGLATERRA

Se a década de 90 do futebol inglês começou com o contraste harmonioso entre Gary Liniker, um lorde, e Paul Gascoigne, um desajustado, logo ele foi tomado pelas circunstâncias do país, como costuma ser quase sempre. Neste caso, as circunstâncias da Inglaterra da década de 90 pediam, quase em desespero, o fim daqueles tempos carrancudos, severos e opressivos de Margaret Thatcher, cujo mandato (com ares de reinado) terminara, após 11 anos, em 1990. Coisas novas precisavam chegar naquele país.

Do ponto de vista da bola, a Premier League era o fato novo a ser festejado, e, dele, emergiu um personagem ideal: David Beckham era a Lady Diana do futebol, o sexto membro das Spice Girls do mundo pop, e era muito, muito bom de bola. Atleta símbolo de um Manchester United que traduzia em títulos como deveria ser o novo futebol inglês, tinha no fundinho de seu jogo um pouco do estereótipo do futebol inglês: cruzava bolas como ninguém. Não era Liniker, não era Gascoigne, não era nada que já tivesse acontecido antes. E era o dono de metade dos outdoors na Inglaterra em junho de 1998.

Porém, um lance bobo, tolo, um revide fraco a troco de nada, deu a Beckham o cartão vermelho no jogo que eliminou a Inglaterra daquela Copa, justo contra os inimigos argentinos. Lady Diana morrera um ano antes, o mundo ouvia as Spice Girls, mas só Beckham praticava uma atividade que envolvia cartão vermelho, disputa em pênaltis e derrotas amargas. No ano seguinte, ainda com o carimbo de VILÃO na testa, Beckham casa com uma das Spice Girls. Sua imagem vai sendo restaurada, mas o jogo continua sendo o jogo. Beckham faz um gol antológico em 2001, que põe a Inglaterra na Copa de 2002. E fratura o pé pouco antes do Mundial.

O país abraça com empatia sua luta e torce pela recuperação. Ele fica pronto a tempo de enfrentar novamente a Argentina, e, quando o árbitro marca pênalti para os ingleses, não era apenas um camisa sete de nome Beckham que iria cobrá-lo, mas todos os sentimentos de uma década inesquecível de um país difícil de interpretar, tão preso e orgulhoso de seus hábitos tão conflitantes entre si. Beckham faz o gol da vitória, a esposa, ex-Spice Girl, aplaude na arquibancada, e a Inglaterra amanhece mais ou menos igual todos os dias – a Inglaterra é, ou finge que é, mais ou menos igual todos os dias.

43 – A COPA DAS MANIFESTAÇÕES E O MUNDIAL AMANSADO

Curiosamente, o Brasil jogou todas as Copas das Confederações até a edição do ano passado, e é o maior campeão deste torneio cuja ideia é até legal. O feito mais importante do Brasil em relação à “Confederations Cup”, no entanto, foi fora dos gramados. A edição disputada no Brasil, em 2013, foi marcada pelos potentes protestos nos lados de fora dos estádios, que refletia um movimento nas ruas do país sem precedente para toda uma geração. Depois distorcida por interesses narrativos, as manifestações de junho de 2013 certamente assustaram e preocuparam os mocinhos da Fifa que imaginaram um país ajoelhado diante de suas gravatas.

A “Copa das Manifestações” fez alguns jogos cheirarem o gás lacrimogêneo soltado pela polícia nos arredores das arenas, cujos preços, para não falar das escolhas arquitetônicas, afastou um público que sempre sustentou emocionalmente o futebol no país. O ponto de saturação chegaria, e chegou, sociedade frustrada do lado de fora, corte econômico opressivo do portão para dentro, prato cheio para um embate para Thiago Leifert nenhum ignorar.

Na final, por exemplo: Brasil x Espanha jogariam no Maracanã, mas duas manifestações juntaram cerca de 15 mil pessoas em protestos não apenas contra os gastos públicos para a construção dos estádios, mas também, no caso específico do Rio, contra as remoções de moradores afetados pelas obras para a Copa do Mundo. Antes de Espanha x Taiti, na primeira fase, cerca de 300 mil manifestantes andaram entre o centro e o estádio que um dia foi o Maracanã – covardemente reprimidos por uma polícia com alto grau de criatividade para a violência. Se torcedores dentro do Maracanã não tivessem sentido os efeitos dos sprays da polícia, a ação teria sido considerada um sucesso.

Das manifestações de 2013 para o “Ei Dilma, vai tomar no cu” da abertura da Copa, muito trabalho foi feito no sentido de amansar as vozes que realmente reivindicavam algo contra a violação brutal de rotina que a Fifa impôs às suas escolhidas políticas como cidade-sede ca Copa. A Copa do Brasil, a tal da “Copa das Copas”, foi uma leve brisa que mal movimentou a gravata de quem desejava chutar, o quanto antes, o nosso traseiro. A Copa do Mundo como evento absolutamente alheio à realidade do país onde finca os pés deveria ter, em 2014, seu capítulo mais crítico, radical, responsivo. Não foi. Vem aí a Copa do Qatar.

42 – OBDULIO VARELA, O DEUS DO FUTEBOL URUGUAIO, UMA RIFA POR UMA CASA E A VELHICE AMARGURADA

Obdulio Varela era “centromédio” do Peñarol e o principal jogador da seleção uruguaia que, em 1950, conquistou sua segunda Copa do Mundo, ou o quarto título mundial na conta deles, que consideram os Jogos Olimpicos pré-Copa como tal. O “Chefe Negro”, asmático, de família humilde, marcador implacável e dono de retidão inquebrantável, liderou greve de atletas um ano antes do Mundial e liderou a Celeste na tarde do Maracanazzo.

Quando Friaça abriu o placar, 1×0 pra nós, Obdúlio encarnou um espalhafatoso ator, mesmo convicto de que seu esforço seria em vão – mas não seria: seu objetivo não era convencer o árbitro de impedimento no lance, mas retardar o reinício da partida o suficiente para que a ensurdecedora gritaria dos duzentos mil brasileiros diminuísse de volume. Palavras dele: “Jogador tem que ser como o artista: dominar o palco. Como o toureiro, dominar a arena e o público, senão o touro vem pra cima”. Sua leitura, no fim da tarde, não só fazia sentido como havia funcionado.

Obdulio Varela, campeão do mundo, bebeu em Copacabana naquela noite, como anônimo. Conta que só assim, testemunhando, percebeu o quanto aquela partida era importante para os brasileiros, a quem ofertou, de coração, solidariedade sem, no entanto, revelar sua identidade, profundamente conhecida em solo uruguaio: sempre duro na queda, foi, aos poucos, se tornando um arrependido por defender quem defendeu, não o seu povo, mas os dirigentes por trás da seleção, os quais ficaram até com sua medalha de campeão. Uma campanha, com rifas, daria uma casa a Obdulio em 1954, mas muita gente enriqueceu com a fraude que tal campanha se tornou: Varela, sem ganhar casa alguma, envelheceu amargurado com o pouco reconhecimento e com os rumos de um futebol muito distinto daquele que um dia o encantou.

“Se tivesse que jogar outra vez aquela final, faria um gol contra. A única coisa que conseguimos ao ganhar esse título foi dar brilho aos dirigentes. A mim castigaram muito e não aguento. Não vale a pena pôr a vida em uma causa que está suja, contaminada”. Em 1993, Mário Magalhães entrevistou Obdulio varela para a Folha de S. Paulo antes de Brasil x Uruguai pelas eliminatórias da Copa. Não é exatamente uma entrevista. Mas o ótimo Magalhães consegue nos mostrar o retrato de um gigante deprimido. Leia você mesmo, abaixo. Obdulio varela, titular absoluto de qualquer seleção da história das Copas do Mundo.

41- OS DESFALQUES DE SUPERGA, O MEDO JUSTO DO AVIÃO E A ITÁLIA SEM GRAÇA NO PACAEMBU

Hoje é aniversário da tragédia de Superga, que, 69 anos atrás, matou 31 pessoas em um acidente aéreo. O desastre vitimou toda a equipe do Torino, principal time da Itália, pentacampeão nacional e base da seleção italiana que, no ano seguinte, tentaria o tricampeonato na festejada volta da Copa do Mundo. É possível que, diante do controverso bicampeonato de uma seleção italiana na contramão de um espírito político-esportivo desejável no mundo na década de 30, a tragédia e os consequentes desfalques da Azurra não tenham sido tão sentido pelos amantes do futebol, dispostos de antemão a torcer contra o tricampeonato daquela seleção. Além do mais, por motivos logísticos, financeiros ou políticos, haviam outras seleções se recusando a jogar a Copa no Brasil.

A Itália, traumatizada e desfalcada, veio, por via de qualquer dúvida, ao Brasil de navio. A estreia, no já clássico Pacaembu, foi contra a Suécia, campeã olímpica de dois anos antes, mas desfalcada de seus principais jogadores, que atuavam, ironicamente, no futebol italiano e não foram convocados por política sueca de não chamar quem atuava fora do país. Um jogo mais lembrado, portanto, pelos desfalques do que pelos titulares, vencido, por 3×2, pela Suécia. O outro jogo dos italianos, de novo no Pacaembu, terminou em vitória inútil por 2×0 sobre o Paraguai. Já eliminada, a Italia colocou o time quase todo reserva na ocasião, pegando o navio de volta com frustração na bagagem e a lembrança dos mortos de Superga nas negativas manchetes.

Foi uma Itália comum, discreta, em solo brasileiro, assombrada pelo time que não vimos existir em um Mundial, fosse no de 46, quando a Copa nem aconteceu, fosse no de 50, que chegou tarde demais para eles. No aniversário de morte daquele esquadrão grená, uma lembrança a todos os grandes times, e personagens, que a Copa não viu – alô Heleno de Freitas, salve Friedenreich, viva Adolfo Pedernera, que pena, Di Stefano, faltou pouco, George Best. A Copa, que sempre rende lindas imagens em embarques e (principalmente) desembarques após belas campanhas, ainda não rendeu, ufa, nenhuma história triste envolvendo transporte de seleções. Dennis Bergkamp, após viajar pra (e dentro da) Copa de 1994, decidiu que nunca mais entraria em um avião, algo que colocou em contrato ao assinar com o Arsenal no ano seguinte. E a Copa, sabem os torcedores e turistas, se transformou, nas últimas edições, no paraíso (ou no inferno) do deslocamento: por exemplo, o Uruguai, em 2014, meu deus, foi pra Fortaleza, depois pra São Paulo, e depois foi pra Natal para em seguida voar para o Rio – haja milhas. Mas aí eu já estou divagando muito.

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59 – 1974: UMA COPA BELA, BOA, MAS AMEDRONTADA


Sede dos Jogos Olímpicos de 1972, a cidade de Munique construiu, em um terreno que era, na Segunda Guerra, uma espécie de almoxarifado de aviões e itens bélicos, um parque olímpico espetacular, com ginásios, piscinas, quadras e o grande estádio, cujo teto, transparente e em forma de gotas, dava implacável marca arquitetônica não só aos Jogos, mas ao país que se pretendia novo e livre das quinas sóbrias e tristes que marcaram as construções do período nazista. Era tudo tão belo que Munique ganhou o direito de sediar ali a final da Copa do Mundo de dois anos depois, em 1974. Berlim teria pouca moral, até porque era uma outra Alemanha, ainda com fraturas sociais severas e um muro no meio.

Acontece que nas Olimpíadas de 1972, um ataque terrorista matou dois atletas de Israel, nove reféns ao todo, e manchou, de sangue inclusive, o que era para ser uma Olimpíada que mostraria ao planeta uma nova Alemanha. Foi chocante, mas os jogos seguiram após paralisação de um dia e meio. Tendo uma Copa para sediar em 74, os organizadores tiveram dois anos para arquitetar algo menos lírico que tetos translúcidos em forma de gotas: o plano era montar um Mundial absolutamente blindado do risco de novos ataques e novas mortes de atletas ou quaisquer inocentes. O resultado disso: o povo não viu ninguém, ninguém viu direito o país, foi a Copa onde os jogadores menos saíram de suas superprotegidas concentrações.

Mesmo os simpáticos ônibus das delegações, pintados nas cores e com os nomes dos países, feitos pensando na boa relação com o público, só se deslocavam no meio de potentes caravanas de segurança. O mundo ainda sofria para bancar a paz, e o futebol, em plena Alemanha, não conseguiu dar esta sensação temporária aos seus visitantes. Foi uma Copa do Mundo, entre os apitos inicial e final de cada jogo, notável, das melhores. Foi, também, no que tange televisionamento e estrutura de promoção, ótima para os negócios de uma FIFA que acabara de eleger João havelange presidente. É a Copa que mostra ao mundo a beleza da nova taça, posto que a Jules Rimet ficou (ficou?) em definitivo no Brasil. Mas é, também, uma Copa amedrontada – que Cruyff tentou, e conseguiu, deixar um pouco menos durona.

58 – O AR MINEIRO, O PSICÓLOGO COMPREENSIVO E O TIME MAIS FORTE DA HISTÓRIA

1950, Maracanazzo; 1954, Batalha de Berna; de 1955 em diante, mais derrotas, outras batalhas campais, inúmeros treinadores em revezamento até que, em 7 de abril de 1958, em Poços de Caldas, as coisas mudaram um pouco de figura. O Brasil das seleções bairristas dos anos 30 continuava um mistão Rio-S. Paulo, mas o ar mineiro fez bem. A seleção conheceria uma rotina sofisticada para a época: o diálogo de atletas com psicólogos, e a consulta com dentistas, além de um diferenciado trabalho de supervisão e trabalho físico. Era um notável esforço para deixar para trás os dois traumas tão recentes nos mundiais pregressos. Pois bem.

Por que Zagallo, e não Pepe? O comprometimento tático do esforçado Zagallo cativava Vicente Feola e fez a diferença nos amistosos. Cadê Julinho Botelho? Este, no auge, atuando pela Fiorentina, se recusou a jogar, por não achar justo um atleta trabalhando fora do país representar a bandeira num mundial. Jogou Joel. E o Zizinho? 35 anos, fio desencapado, melhor não. Tá, mas e o Pelé? Com menos da metade da idade de Zizinho, talvez não estivesse pronto, né. Mas era Pelé. Como era Garrincha, a quem, em um apelo ao psicólogo, Djalma Santos teria dito que “ele é burro para os seus testes, talvez erre tudo que o senhor perguntar, mas não o reprove, na verdade ele é um gênio”.
Pelé, que estava meio baleado, ganhou a titularidade ao longo da Copa. Nada mais o deteria. A camisa 10 ele ganhou em um acaso, número dado sem critério por um membro organizador da Copa, quando notou que o Brasil se esqueceu de providenciar. “Acaso”. Joel saiu e a gente alinhou, na final, com Garrincha, Pelé, Vavá e Zagallo, mas podia ser, sei lá, Julinho, Almir Pernambuquinho, Zizinho e Pepe (ou Canhoteiro!), e atrás do ataque tinha Zito e Didi, pelos lados tinha Djalma Santos (ou De Sordi) e Nilton Santos, putaqueopariu, era muita gente, era muito time.

Foram, provavelmente, os melhores dias para se assistir futebol no Brasil.

57 – TANTO JOGO, TANTA ESPERA, E É NA MARCA DA CAL QUE TUDO ACABA

A primeira disputa em pênaltis de uma Copa do Mundo foi na semifinal de 82, jogo entre Alemanha x França, indispensável em qualquer lista de maiores jogos de todos os tempos. Schumacher, goleiro alemão, foi o herói, com duas defesas, mas nem deveria estar lá: um lance de karatê no tempo normal quase partiu a cabeça de um adversário em dois, mas o juiz não se importou. Schumacher era uma lenda no Colônia, seu clube por 15 anos, de onde saiu para dar lugar a Illgner, que também ocuparia sua vaga na seleção, sem, no entanto, jamais enfrentar uma disputa de cal mundialista.

Em 86, no México, três disputas aconteceram. A mais icônica vitimou o Brasil e consagrou a França, que teve até Platini perdendo cobrança, bola batendo na trave e nas costas do goleiro Carlos antes de entrar, Zico perdendo um penal, mas no tempo normal, um inferno, mas uma redenção aos franceses ressentidos por 82. Schumacher – olha ele aí – defendeu mais duas cobranças para sua seleção, que tirou o México, enquanto o belga Pfaff defendeu chute de Eloy e eliminou a Espanha.

Cresceu o número de jogos levados aos penais: quatro em 1990. Illgner, o substituto de Schumacher, pega o seu e elimina a Inglaterra em Mundial que marcou a figura de Goycoechea, argentino nascido para as penalidades máximas que eliminou a anfitriã Itália. Nesta Copa, Maradona perdeu pênalti contra a Iugoslávia, mas Goycoechea o salvou de ser vilão. No outro jogo decidido assim aquela feia e linda Irlanda bateu a Romênia, atingindo patamar inédito na sua história. Daí em diante, 1994, primeira final decidida assim, Baggio na mira do mundo, Ravelli saltitando com a vitória da Suécia, Jorge Campos coloridão e inútil contra a Bulgária, e 98, com o argentino Roa, a redenção em vão de Baggio, o imenso Taffarel padroeiro de Marselha, a decisão de 2006 de novo nos pênaltis, tantos quase heróis na fábrica de vilões, e uma certeza: vai acontecer de novo na Rússia.

56 –

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia?
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar?
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar

56 – A HOLANDA PROMISSORA QUE FALTOU À FESTA

Era bárbara aquela Holandacampeã européia de 1988. Chegaria na Copa de 1990 como favorita da bola, pela qualidade do time, e da galera, graças ao carisma de alguns de seus jogadores – Gullit e seu cabelo de medusa à frente da companhia, claro. O imaginário ao redor deles passava também pelo Milan supercampeão que reunia, além de Gullit, o matador van Basten e o meia Rijkaard. Esse imaginário passa longe da realidade do escrete holandês.

Entre a Euro 88 e a Copa de 90, muita lambança azedou a laranja. Os problemas entre o elenco e o treinador que assumiu (um cretino que fez decalarção racista sobre Gullit anos antes) se tornaram inconciliáveis faltando três meses para o Mundial. O grupo, então, numa votação com três nomes, elegeu Cruyff como técnico. Mas a federação vetou. Se vetou, por que colocou o nome na votação? Leo Beenhakker, segundo colocado na tal eleição interna, assumiu sem moral, e o elenco não tinha a menor unidade. Estava desfeita aquela comunhão linda e campeã de dois anos antes, e, com três empates e uma derrota, a Holanda foi a decepção mais melancólica do Mundial.

Acontece que o trio milanista continuou arrebentando no Milan. Gullit voava baixo em esplendor físico, e van Basten foi eleito o melhor jogador do mundo pela Fifa em 1992. Mas a estrada para van Basten acabou em 1993, aos 28 anos, derrotado pelas lesões e insuportáveis dores. Já Gullit, confirmado na Copa, abandonou a concentração e se mandou, por problemas com o técnico. Aquela Copa seria de Bergkamp, em campo, imaginando como seria a companhia dos dois. Ficou na imaginação. Gullit fez um gol, na terceira rodada da Copa de 90, na qual van Basten passou em branco. Rijkaard, expulso no jogo da eliminação de 90 com direito a cusparadas, assim no plural, no alemão Rudi Voller, jogou, e bem, em 1994,

A Holanda, que em 1996 passou por um escândalo de racha no elenco por questões raciais, se revigorou e foi brilhante no mundial de 1998, que serviu, pelo menos, para rebater a ressaca de uma década que começou tão promissora mas não deu em nada. A Copa olha para a foto de Gullit e van Basten e não sabe porque deu tão errado.

55 – O URUGUAI SEM GRAÇA, A QUASE VIRADA E OS TEMPOS DE RECOBA QUE NÃO DEIXARAM SAUDADE

Não dá para cravar que foi tudo ruim na campanha uruguaia na Copa de 2002. O empate buscado na última rodada, contra Senegal, por exemplo, foi impressionante, embora mero reflexo do 3×0 que sofreu no primeiro tempo. O grupo em si se mostrava severo, com a França perdendo para o próprio Senegal logo na abertura do mundial e invertendo a lógica das coisas. Sob pressão, nas cordas, os uruguaios foram firmes no duelo contra os então campeões do mundo, um 0x0 digno que só deixava uma missão para a Celeste de Recoba: vencer Senegal para passar de fase.

Mas não passou. Ficou no 3×3, com dramalhão tipicamente uruguaio, gol absurdo perdido no último lance e lágrimas após o apito final. Coube a Recoba o gol do empate, aos 43, de pênalti, o que tem lá o seu simbolismo.

Recoba foi o autor do “gol do quase” que simbolizou toda a sua passagem como líder técnico da celeste naqueles anos: qualidade técnica indiscutível, insuficiência física, fraqueza mental e pouca contribuição no fim das contas. Na repescagem para a Copa seguinte, o Uruguai conseguiu ser eliminado pela Austrália, e Recoba, substituído no segundo tempo, teve atuação abaixo da crítica. A Copa do Mundo não daria nova chance para ele, como também encerrava a história mundialista de outros nomes como do zagueiro Paolo Montero e do atacante Richard Morales – aquele que perdeu o gol feito do 4×3 contra Senegal.

O Uruguai de 2010, que mostrou caráter acima do normal além de um futebol solidário e dedicado, tinha por perto as memórias recentes de quando o Uruguai foi só mais um time frio e sem alma no meio dos outros, com um quase craque que, olhando hoje, não era o que a Celeste precisava. Alvaro Recoba provavelmente era mais técnico do que Diego Forlán, Loco Abreu ou até mesmo Luisito Suárez, mas sua passagem pelo futebol, inclusive em clubes, ficou marcada pela pouca personalidade para grandes momentos. Desconta-se muito por causa de suas lesões ao longo da carreira, mas, mesmo assim, não faltaram oportunidades dele se tornar aquilo que, anos depois, os caras do Uruguai de 2010 se tornaram. A Copa às vezes não dá segunda chance.

53 – SANCHO, QUASE, SANCHO!

Brent Sancho é o Gamarra de Trinidad & Tobago. Sua participação no Mundial de 2006, na Alemanha, causou choque: foi o melhor em campo, ao lado do goleiro Hislop, na estreia diante da Suécia, que metralhou em vão a área trinitária. O estádio de Dortmund pintado de amarelo sueco, Ibrahimovic todo pimpão em campo, mas nada feito com Sancho. O cara ganhou tudo por cima, por baixo, pelos lados, e sacudiu seu cabelo rastafari rumo á seleção da primeira rodada da Copa.

Na segunda rodada, lá estava de novo Sancho, segurando desta vez a Inglaterra. Sancho atuava pelo minúsculo Gillingham, inglês, e levava vida de anônimo no futebol daquele país. Mas foi, minuto a minuto, ganhando contornos de nova lenda ao passo que segurava a seleção inglesa e levava os caribenhos ao segundo ponto na competição.

Quem assistia ao jogo tinha um belo embate para acompanhar: Sancho de um lado Peter Crouch do outro.
Não que seja um embate dos mais belos. Sancho não era uma sumidade técnica, e Crouch, com mais de dois metros de altura, foi um dos atacantes mais estranhos a chegar numa Copa. Suas pernas muito finas, seu jeito desengonçado e a aptidão para apenas um tipo de jogada – a bola aérea – condicionava o jeito de jogar do bom meio-campo inglês. e Sancho, ao lado de seus companheiros, seguraram a bronca até os 38 do segundo tempo.

Mas o gol de Crouch foi puxando o rastafári de Sancho. Uma falta que o juiz não viu, e quase não dava para ver, mesmo. Uma das disputas de cabeça mais insólitas de todas, que salvou Crouch temporariamente do banco de reservas e acabou com o doce encanto dos tobaguenses.

52 – NÃO COUBE A ABERTURA DA COPA NAQUELE DIA

O Filme da Copa de 1994, “Todos os Corações do Mundo”, teve a presença de espírito de iniciar o documentário entrevistando americanos comuns, que se enrolavam para responder o que era “Soccer”. Eles mal entendiam do que se tratava aquele esporte que teria seu maior evento dentro de tal país. Futebol, para eles, era o da bola oval, o do gol que vale seis pontos e se chama touchdown. O futebol deles, americano, cedeu alguns estádios para o evento da Fifa, mas fez jogo duro no campo da narrativa midiática: o dia de abertura da Copa do Mundo de 1994 foi um dos mais insanos da história do jornalismo televisivo dos Estados Unidos.

Tudo porque O.J. Simpson, o mais famoso jogador de futebol americano de sua geração e um revolucionário na arte de vender sua imagem, uma figura presente em propagandas, filmes, discos, saiu em fuga da polícia em Los Angeles, acusado de assassinar sua esposa e um rapaz. Simpson, negro, oferecia um paradoxo pesado para o contexto americano, pois era aceito, quase visto, como um homem branco em uma sociedade racista e uma estrela de fácil consumo para todas as faixas de idades e nichos. E sua perseguição policial foi um divisor de águas na compreensão das possibilidades tecnológicas em coberturas ao vivo. Tantos helicópteros filmaram aquela perseguição longa, em baixa velocidade (os inúmeros carros da polícia não queriam confronto, só a entrega do astro), que os sinais de satélite entraram em colapso e uma tevê acabou pegando o sinal da outra. Uma loucura.

Naquele mesmo dia, em Nova Iorque, o time dos Rangers, campeão nacional de hóquei depois de 54 anos de jejum, entupia as ruas da cidade com seu passeio pelas ruas, em carro especial, exibindo a taça para o povo eufórico. O que vem de Nova Iorque acaba rebatendo no noticiário nacional, e a conquista dos Rangers pedia espaço nos respiros daquela transmissão insana da possível fuga de O.J. Simpson. Ah! Você não conhece Arnold Palmer, golfista, mas naquela manhã, no início do US Open, ele anunciou aposentadoria com muita emoção. Tratava-se de um Pelé do golf, figura lendária, e mais uma bomba para noticiar. Acaba por aí? Não: Às 18h começaria New York Knicks x Houston Rockets, o quinto jogo da final da NBA, cujo time de Nova Iorque há muitos anos perseguia, e jogava ainda sob a emoção do que viu na cidade pela manhã, na festa dos Rangers.

No ginásio de basquete, no campo de golf, nas ruas que festejavam a final do hóquei, todos falavam de O.J. Simpson. E, às 14h, Bolívia e Alemanha entravam em campo para a abertura da Copa do Mundo de futebol. Mais tarde, lá pelas sete, Espanha e Coreia do Sul fechariam o grupo. Como designar tantos profissionais para tanto assunto? 17 de junho de 1994 foi um dia inesquecível nos Estados Unidos. A Alemanha ganhou da Bolívia, 1×0, os espanhoes empataram com os coreanos, 2×2, os Rockets foram campeões da NBA e até hoje os Knicks perseguem a taça. O.J. Simpson conseguiu liberdade recentemente, após o julgamento mais midiático da história da nossa estranha civilização.

51 – AS DUAS INGLATERRAS POSSÍVEIS NO MEIO DO CAOS E A PERSEGUIÇÃO QUE CONTINUA

Em 29 de maio de 1985, a tragédia de Heysel matou 39 pessoas e tirou a importância de Juventus x Liverpool, final do campeonato europeu. No ano seguinte, a seleção inglesa sofreria sua mais icônica derrota, aquela para a Argentina do genial (gol do século) e malandro (a mão de deus) Maradona. E dalí em diante viveria situação inusitada: a punição encontrada pela Uefa tiraria da praça os clubes ingleses por cinco anos, relegados apenas às competições nacionais – a torcida do Liverpool foi considerada culpada pelo massacre. O país discutia internamente o que fazer neste período para não sofrer uma queda bruta econômica, técnica, midiática. Uma das saídas era no campo político, e nisso os ingleses são bons, inventores do esporte que são.

Faltou combinar com os hooligans, fenômeno fora de controle naqueles anos, resultado de uma complexa textura social britânica. Quando a punição já estava quase abandonada, já que a opinião pública estava olhando para outras coisas, os torcedores ingleses que foram à Alemanha para a Eurocopa de 1988 barbarizaram. Quase 400 deles foram presos, e o rastro da visita destes torcedores por onde o English Team passou era visível e pegajoso. No ano seguinte, para piorar, aconteceu o desastre de Hillsborough, naquele país, quando um erro policial resultou em 96 mortes, todos torcedores, que, numa trama absurda, se tornaram, por muitos anos, culpados pela própria morte segundo a justiça daquele país. É neste cenário que a Inglaterra chega à Copa do Mundo de 1990.

Quem acredita em sorteio, acredita. Eu, não: a Inglaterra foi colocada para atuar na Sardenha, no estádio do Cagliari, extremo sul da Itália, onde, digamos assim, a organização de poder paralelo não era das mais suaves. Trocando em miúdos, enfiaram os hooligans ingleses numa região difícil de chegar promovendo quebra-quebra – os ingleses apanhariam feio por ali. Andaram miúdo, falaram baixo e viram em campo duas personificações possíveis do que era o momento do futebol inglês: Gary Lineker, que nunca tomou um cartão na vida, representava uma Inglaterra de estereótipo, cavalheiro como um lorde, de origem humilde e queixo erguido; e Paul Gascoigne, um desajustado que representava a rebeldia social daqueles tempos, beberrão, falastrão, valente.

Não é de se estranhar, portanto, que, na semifinal, quando Gascoigne se descontrolou em campo e teve um acesso de choro por tomar cartão amarelo, Lineker tenha assumido o papel de tranquilizador, olhando para o banco de reservas e dando instruções, um gesto de “ele está tremendo”. Eram duas Inglaterras possíveis se encontrando em um fragmento de uma partida que, no fim, não venceram – e como imaginar esta Inglaterra campeã do mundo, com um cenário tão dilacerado por dentro? Não que tenha sido muito diferente depois disso, quando, a partir dos anos 90, uma linha de crédito do governo obrigou os clubes a construírem estádios modernos e contraírem as dívidas necessárias para que lavadores de dinheiro de todas as partes do mundo se apropriassem dos clubes do país. A Inglaterra continua perseguindo uma campanha realmente encantadora. A Inglaterra de 1990 não teve tempo para pensar em seu lugar na história.

50 – O BRASIL DE JULINHO E O BRASIL DE FIRMINO: NEM TANTO À EUROPA, NEM TANTO AO RIO

Julinho Botelho foi um dos grandes nomes do pós-Maracaazzo. Chegou à seleção em 1952, enquanto juntávamos os cacos daquela derrota tão dura, e nela ficou por um bom tempo, soterrado no imaginário popular, no entanto, pelo surgimento de Pelé, Pelé com Garrincha, campeões de 58 – e quem não conhece aquela história, com cheiro de pequena lenda, de que Julinho, ao entrar no lugar de Garrincha em jogo no Maracanã, foi vaiado por toda a arquibancada, que, após testemunhar um show de bola do ponta paulista, trocou os apupos por aplausos entusiasmados?

Contribui imensamente para esta sensação a atitude surpreendente de Julinho em 1958: escreveu uma carta à CBD, abrindo mão de jogar a Copa do Mundo, por entender que, morando fora do país (era atacante da Fiorentina), não era justo que ocupasse uma vaga na seleção do Brasil. “Meu contrato com a Fiorentina termina na dependência do último encontro do certame italiano. Dessa forma, não poderei participar dos treinos. Deve, portanto, a entidade meditar sobre a situação, porque é imensa a responsabilidade das duas partes”, escreveu. O mais curioso é que ele voltou ao Brasil, para defender o Palmeiras, tão logo a Copa do Mundo acabou. Bastava afrouxar um pouco os laços morais, ou vir para o Brasil dois meses antes, ara Julinho ser um campeão do mundo.

Em 2002, a seleção que deu ao Brasil seu quinto e último troféu tinha 12 atletas atuando em solo brasileiro. Todos eles, exceto Rogerio Ceni e Marcos, estiveram no futebol europeu em algum momento da carreira, ainda que pouco e timidamente, como Edílson no Benfica. Estamos à espera de uma convocação que terá, se muito, dois, talvez três, atletas “nacionais”. Arthur, do Grêmio, pode até ser chamado, mas já está vendido (assim como Paulinho, do Vasco, nome para as futuras Copas, se mandando aos 17). Gabriel Jesus não completou nem 90 jogos pelo seu clube formador. Roberto Firmino partiu pro velho continente sem o menor alarde, antes do país saber quem era. Willian pouco deu a chance do corinthiano o curtir, e outros exemplos estão aí, à mão.

Entre Julinho Botelho e Roberto Firmino existem décadas de explicações culturais, sociais, geopolíticas, tecnológicas, enfim: o Brasil, que entrou nessa brincadeira chamada Copa do Mundo de um jeito torto, na verdade usando uma seleção carioca e não brasileira, corre aflito em busca de uma identidade perdida e um motivo para se sentir parte próxima do time em campo. Muita coisa dá para inferir, sem ser possível chegar a uma tese definitiva.

Mas que o Brasil nunca ganhou com maioria de “europeus”, nunca ganhou.

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Nessa segunda parte do ESPECIAL COPA DO MUNDO, separamos mais cinco histórias das mais curiosas que ajudam a entender os motivos desse ser o maior evento esportivo do planeta.

Nas suas edições mais recentes, a Copa do Mundo tem movimentado cerca de 3 bilhões de pessoas em todo o mundo. E o que move tanta gente? É óbvio que tem muita coisa por trás, mas a gente arrisca dizer que a paixão pelo futebol e a alegria de ser torcedor está entre elas.

Com a assinatura de Leandro Iamin, a Central3 convida você para conferir mais uma parte desse especial INCRÍVEL. Vem com a gente!

95 – DAS DERROTAS BRASILEIRAS, A MAIS FEIA

Existe coisa pior do que o Maracanazzo? O 7×1, claro, muitos vão dizer. Entre a derrota que mais causou tristeza e silêncio e a derrota que mais causou indignação e constrangimento, o Brasil se esconde a piaba de 1954, vergonha classificada numa outra categoria: a da covardia.

O “luto” com 1950 foi tão grande que o Brasil não jogou pelo resto daquele ano, e por todo o ano de 1951. Só pisou em um gramado de novo em 52, mas as memórias ainda eram fortes demais. Foi preciso tingir o uniforme de amarelo para enganar um pouco a alma e convencê-la do recomeço, a partir da Suiça, em 1954. Mas que recomeço feio foi esse do Brasil vestindo amarelo: em Berna, contra a Hungria de Puskas (que jogou sem Puskas), uma das mais formidáveis seleções deste esporte, o Brasil perdeu o jogo mas provavelmente ganhou na porrada após o apito final.

Foi 4×2 para eles, 2×0 em dez minutos, e até cabia mais. Os brasileiros, em negação, voltaram para o país reclamando muito da arbitragem, como se fosse ela a culpada pela derrota. O destempero generalizado daquela seleção com pressa de vitória consagrou, por mais quatro anos, a desgraçada frase de Nelson Rodrigues que nos atribuía um complexo de vira-latas. A Batalha de Berna foi uma pancadaria sem sentido que não acrescentou nada de útil à história brasileira em Copas, e é a prima pouco lembrada da família Maracanazzo, cuja mãe é o 7×1 e a vó é a Dona Lúcia.

Naquele 27 de junho de 1954, ainda não tínhamos certeza de que seríamos vencedores neste esporte. Edson Arantes do Nascimento tinha 13 anos. Tudo seria diferente quando o tempo transformasse Gasolina em Pelé.

94 – A CHARGE PREMONITÓRIA E O PRECONCEITO BRASILEIRO

A Colômbia de 1990 conseguiu, pela primeira, vez passar de fase em uma Copa, e foi em grande estilo: gol nos momentos finais contra a Alemanha, jogada linda, passe de Valderrama, gol de Rincón, comemoração emocionada. Nas oitavas, coube aos colombianos um encontro com Camarões, um duelo de dois estilos irreverentes que prometia mesmo divertir o público – e cumpriu. Um dos gols da vitória dos africanos saiu após o goleiro Higuita tentar sair driblando fora da área e perder a pelota para o mítico Roger Milla, que fez o gol e dançou com a bandeirinha.

Aquela seleção colombiana tinha, na linha oculta por onde também se escrevem as Copas, a missão de estancar um pouco do sangue que escorria nas ruas de seu país. Muito antes de virar série do Netflix, os cartéis de tráfico de drogas faziam do poder paralelo a força mais poderosa da nação, capaz de estrangular leis, governos e sociedade. Era uma Colômbia em situação surreal de colapso que chegava, como sempre, no Brasil em forma de deboche, piada, processada e decodificada por gente sem muito compromisso com o respeito aos irmãos de continente (um abraço, Romero!).

Um deles era o chargista da Folha de S. Paulo, cujo nome não consegui, e também não importa agora. Em sua função de colocar humor na história a ser contada, associou a Colômbia às mortes banais a mando dos donos dos cartéis, e, considerando a falha irresponsável de Higuita no jogo do dia anterior, sugeriu, em seu desenho, que o goleiro seria metralhado ao chegar na Colômbia. Falta de sensibilidade digna de prêmio.

Dela decorrem duas ironias. A primeira delas é que Higuita, o suposto metralhado, era amigo pessoal do mais icônico dos megatraficantes da Colômbia, Pablo Escobar, a quem visitou na cadeia algumas vezes e, por isso, caiu em desgraça no país e perdeu vaga para a Copa do Mundo seguinte, onde a outra ironia, você sabe, está: lá, na Copa dos Estados Unidos, Andrés Escobar, zagueiro dos bons, fez um gol contra decisivo para o destino da seleção colombiana. Considerado culpado pela eliminação, Escobar foi de fato assassinado dias depois do desembarque no país, ainda em situação não muito clara.

A charge queria fazer piada de um sério contexto real. Acabou se tornando um material tristemente premonitório.

93 – A COPA DA COLÔMBIA, QUE FOI DO MÉXICO, QUE OS ESTADOS UNIDOS QUISERAM E O BRASIL NÃO ENTENDEU

Em outubro de 1982, pouco depois da Copa da Espanha, a Colômbia, que acabara de eleger novo presidente, abriu mão de sediar a edição seguinte. Para o novo presidente colombiano, “o Mundial deveria servir à Colômbia e não a Colômbia servir ao Mundial”. Seu discurso de desistência conteve ataques claros ao que chamou de “extravagâncias” da FIFA. Já havia, ali, um desejo de transformar a Copa em um espetáculo superlativo, lucrativo, especulativo, à beira do cafona e cercado de rococós corporativos. A FIFA que arrumasse, com pressa, outro país para usar de quintal e almoxarifado.

Quando, anos antes, a Colômbia foi eleita sede, houve, no mesmo congresso, a eleição para novo presidente da FIFA. João Havelange, que era oposição, venceu a dita cuja, e, com o tempo, mudou as regras do jogo e as exigências ao país-sede, tornando a demanda do governo colombiano muito maior do que aquela prometida e acordada na hora da candidatura. A nova gestão da Fifa exigiu demais da Colômbia, e, por isso, o novo governo da Colômbia não quis mais saber da Copa.

Que foi parar no México, após uma disputa com o seu vizinho mais cri-cri, aquele que fura a bola que cai do seu lado do muro. Os Estados Unidos enviaram à FIFA, como você vê na imagem, um documento de 4 páginas garantindo que era um país pronto para uma Copa do Mundo – não tinha nem campeonato de futebol profissional no país, mas e daí?, os Estados Unidos prometiam estádios grandes, obras grandes, estradas grandes, parceiros grandes. Deu México, mas estava plantada ali a semente do bom relacionamento entre FIFA e USSF, que culminaria, já em 1987, na formalização da candidatura deste país à Copa do Mundo de 1994, como de fato aconteceu, abrindo definitivamente as portas do jogo para um novo modelo de negócio.

O Brasil foi em 2014 tudo que a Colômbia esteve a um passo de ser nos anos 80. Por aqui definham em praça pública (ou privada) alguns mamutes de concreto, sem que quase nenhuma obra de infraestrutura realmente relevante tenha sido entregue ao brasileiro – Ronaldo, embaixador da Copa, aliás, declarou que “não se faz Copa do Mundo com hospitais”. Verdade. Copa do Mundo se faz com o que a FIFA conseguir enfiar no país que a quiser. A Copa não serve o país, mas o país serve, e muito, à Copa. E a entrada dos Estados Unidos neste jogo, país tão capacitado para fazer o tal capitalismo girar, foi a melhor notícia que João Havelange (E Sepp Blatter, o então secretário que foi destinatário da carta abaixo) poderia receber para seus, digamos assim, negócios.

 

92 – OS CARTÕES COLORIDOS, A TV COLORIDA E AS REGRAS

O jogo entre México x União Soviética, abertura da Copa do Mundo de 1970, não deu ao povo o que o povo quer: gols. Foi um 0x0 sem vilões, placar imposto pelo paralisante sol do meio-dia na Cidade do México. Porém, a partida inaugural da Copa de 70 ficou para a história como a do primeiro cartão amarelo da história. Sistema criado para que houvesse uma advertência antes da já existente exclusão, a adoção do cartão tinha inspiração na linguagem quase universal dos sinais de trânsito e saiu pela primeira vez do bolso do juiz alemão Kurt Tschenscher após a falta que o soviético Lovchev fez no mexicano (não se perca pelo nome) Valdivia.

Cartões coloridos tinham apelo lúdico e dialogavam com o que acontecia fora de campo. Por exemplo, era a primeira Copa do Mundo com transmissão em cores para alguns lugares – o Brasil assistia ao vivo, mas em preto e branco. Pela mesma razão, a FIFA tomou o cuidado de providenciar, junto da Adidas, uma bola cujo material fosse predominantemente branco, não marrom. A bola da Copa de 70, a Telstar, com alguns gomos pretos, já nasceu clássica e na telinha, e o pai de família no sofá se sentia cliente preferencial do jogo, adequado à cor da sua TV.

Mas a telinha é fogo, e começou a mudar o eixo da contenda. Copa do Mundo tem fuso-horário, a televisão tem demandas de audiência, então alguns jogos tiveram que ser disputados em horários horríveis, em nome do “ao vivo”.

A abertura, por exemplo, como dissemos, foi jogada meio-dia para que as pessoas assistissem, na Europa, lá pelas 18h. E se jogar meio-dia cansava muito, nem tudo era lamento, já que a FIFA inaugurava outra regra: a das substituições, já testada desde 1967, mas nunca em jogos de seleções. Serebrianikov, da União Soviética, foi o primeiro substituído em uma Copa do Mundo. Ironias com o horário à parte, era o futebol compreendendo a evolução física do jogo e a necessidade de trocas pelo bem do técnico e do estético. Times caindo aos pedaços e atletas lesionados fazendo figuração em campo pegavam mal na tevê.

O Mundial de 70 foi sem dúvida um marco tanto no que tange as regras do jogo quanto no que representa para a visibilidade dele. Quatro anos antes, na Copa do Mundo da Inglaterra, o argentino Rattín foi expulso por um árbitro alemão, e, na ausência de um idioma em comum, não conseguia (ou não queria) entender a mensagem. O cartão vermelho veio para acabar com problemas de idiomas, enquanto o desenvolvimento do jogo, sobretudo em termos físicos, andou curiosamente ao lado do aumento da qualidade das transmissões de TV, que, por sua vez, entregou ao público final imagens cada vez mais nítidas. Sutilmente, trata-se de um ciclo. A disciplina do jogo está diretamente ligada ao ângulo em que vemos os lances e em como queremos que a disciplina colorida dos cartões seja aplicada depois deles.

Muito mais fortes, muito mais filmados e vigiados, jogando o mesmo campeonato de quase cem anos de um jeito que, olhando assim do sofá, soa tão mais impactante do que realmente é – em slow motion, então, nossa!
Os cartões e as substituições mudaram as regras do futebol. A televisão colorida também. O Cara-ou-corôa, sabe-se lá como, ainda persiste.

91 – O MAL DE MONTEZUMA E A CARTA DA DISCÓRDIA

Você precisa respeitar a Maldição de Montezuma se visitar a Cidade do México. Se não a realidade, pelo menos a lenda. É ambíguo, mesmo. De um lado, de fato, existiram casos de intoxicação alimentar nos dois Mundiais no país, provavelmente pela ingestão de água maltratada. Por outro lado, há uma crença de que após a Cidade do México ser destruída no século 16 (me poupem de números romanos), Moctezuma, o próprio, morto na ocasião, rogou uma praga contra todos os estrangeiros que visitassem a região – que foi invadida pelos espanhóis em uma trama de traição estrangeira e ingenuidade do imperador azteca.

A Copa de 70 estava para começar quando um escândalo ofendeu a população da capital mexicana. Uma subsidiária da Nestlé, distribuidora de alimentos, informou via carta à delegação inglesa que “suas mercadorias já estão em solo mexicano”. O telegrama foi interceptado por um jornalista local. Nele estavam discriminados os itens, como 400 quilos de salsichas, 50 quilos de salmão, água, muita água, geleia, muita geleia, queijo pra cacete, enfim, tudo que garantisse aos jogadores ingleses distância da gastronomia local. A pauta estava feita.

Na mídia, entre outras manchetes, a crônica mexicana gerou frases como “Sua Majestade nos chamou de porcos”. O hotel onde os ingleses estavam, em Guadalajara, virou uma bagunça, com mexicanos se revezando em turnos para incomodar o descanso dos agora maiores rivais. O mascote da Copa, Juanito, que era um tipinho fofinho com sombreiro na cabeça, foi lançado como uma homenagem e uma continuação estética do mascote da Copa de 66, leãozinho inglês criado pelos ingleses. Com o episódio da carta, estava selado o destino de Juanito, mascote rejeitado no país desde então.

Enquanto o México se engajava na torcida contra os ingleses, o Brasil fazia caminho contrário: a delegação verde-amarela fez questão de dizer que não tinha restrições alimentares ou com a água mexicana, e que, se era bom para a população de lá, seria bom para os brasileiros também. Estava firmada uma relação amistosa que Tostão, Jairzinho, Rivellino, Pelé e Gérson deixaram ainda mais forte quando venceram a Inglaterra, 1×0, gol de Jair. Foi o melhor jogo do México na Copa.

Se vocês acreditam na Maldição de Montezuma ou não, aí vai de cada um. Fato é que Gordon Banks, goleiro inglês, não jogou a partida seguinte, contra a Tchecoslováquia, justamente por intoxicação, e seu reserva atuou com cara de merda, pois sentia os mesmos efeitos mas não desistiria do jogo. Será que foi algum problema com a geleia?

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A Central3 entrou de cabeça na Copa do Mundo 2018. Explicar os motivos de ser o maior evento esportivo do planeta não é tarefa simples. Por isso, a gente se esforçou para ir atrás daquelas histórias curiosas que você não lê em qualquer lugar.

Este especial mostra o porquê da Copa do Mundo ser um evento mágico, que entra no imaginário até de quem não gosta de futebol.

A Central3 convida você para entrar no universo das histórias escondidas mais curiosas da Copa do Mundo. Vem com a gente nessa!

100 – AS CAMISAS BOLIVIANAS

Camisa branca, calção azul, meião preto. Assim o Brasil jogou a primeira Copa do Mundo de futebol, no Uruguai, em 1930, em grupo dividido com Iugoslávia, a vencedora do triangular, e a Bolívia, cujo uniforme era quase idêntico ao nosso. Havia um detalhe curioso nas camisas deles.

“Viva Uruguay” tem onze letras, e a ideia dos bolivianos era que cada jogador usasse, na camisa branca de linha e na preta de goleiro, uma letra da frase, formando, na hora do retrato, uma homenagem ao país anfitrião, cuja adesão da torcida valeria ouro. Mas um dos jogadores meio que sumiu, e assim a primeira foto entrou para a posteridade com os dizeres “Viva Urugay”, sem uma letra “u”. Em campo, a Iugoslávia, que já vencera o Brasil, enfiou quatro a zero.

De modo que a primeira vitória do Brasil em Copas do Mundo (outro 4×0), três dias depois, não valia nada. A Iugoslávia já era a campeã do grupo quando brasileiros e bolivianos chegaram ao Centenário, em Montevidéu. Mas havia outro problema: as duas equipes só tinham camisas brancas, sem fardamento reserva. Foi quando, por sorteio, o pitoresco uniforme boliviano com as letras formando “Viva Uruguay” foi precocemente aposentado e jogado no almoxarifado da história.

Foi a própria seleção uruguaia que devolveu a gentileza da homenagem e emprestou seu uniforme celeste para a Bolívia. Era a primeira vez que o azul uruguaio encontrava o branco brasileiro, vinte anos antes do Maracanazzo. A Bolívia, cujo técnico Ulisses Saucedo, pasmem, também atuou naquela Copa como árbitro, chegou com boas intenções mas não fez mais do que um retrato curioso. O Brasil ainda estava longe de ser o que se tornaria em Copas e o Uruguai, até hoje, nunca perdeu uma competição de futebol organizada em seu país.

 

99 – O FUTEBOL TAMBÉM É DOS BRONCOS: A IRLANDA DE 1990

Nem sempre o que fica de uma Copa do Mundo é a arte. Aliás, o futebol é, quase sempre e em todo lugar, praticado sem maior refinamento estético, e defender só os artistas da bola é reduzir o jogo a muito pouco. Em Copas, O carisma de países nanicos ou estreantes esforçados costuma temperar o coração daqueles que separam um tempo maior do mês para vê-los. No caso da Copa de 1990, tida por muitos como tecnicamente fraca e dona da menor média de gols da história, pudemos assistir a estreia da seleção da Irlanda e, olha, poucas vezes o futebol viu um encontro tão convicto entre a grossura e a alegria.

A Copa do Mundo também é dos broncos. Alojados no extremo sul da Itália, os atletas da Irlanda chegaram às quartas-de-final sem conhecerem a vitória – nem a derrota, sejamos justos. Na estreia, empate contra a velha vizinha Inglaterra, com um gol “criado” a partir de um bico do goleiro. Depois um 0x0 hediondo com o Egito e, por fim, o 1×1 necessário contra a campeã europeia, a Holanda de Gullit. O gol irlandês é um absurdo. Outro bico do goleiro Bonner, a zaga de laranja espana, o goleiro holandês espirra a bola das mãos, e está lá: gol, classificada a Irlanda, ganhando ainda o desempate, via sorteio, que jogava a Holanda para a cova dos alemães, de onde não sairia viva.

Nas oitavas, a Romênia, em Gênova, lá no norte. Mais um 0x0 sem vergonha, e vaga conquistada nos pênaltis, graças ao goleiro dos bicos. Eles estavam entre os oito, e se sentiam, com justiça, no topo do mundo. Antes do duelo contra a anfitriã Itália, em Roma na fase seguinte, uma visita solene ao Papa, cuja cerimônia dedicada aos atletas servia de condecoração e posicionava de vez aquela saga irlandesa: eles tinham direito ao orgulho que não é reservado só aos campeões. O jogo contra a Itália foi 1×0, enfim uma derrota, mas já não importava: a torcida irlandesa, mesmo na casa dos vencedores, foi a mais ouvida após o apito final e não foi embora do estádio enquanto os atletas, de banho tomado, não voltaram do vestiário ao gramado para uma despedida emocionada.

Em Dublin aconteceu a maior recepção que um time ruim já recebeu, que traz a lembrança para você e eu: nós torceremos, em algum momento da Copa da Rússia, pelo sucesso de um time tosco em detrimento de uma seleção que pode nos entregar jogos de qualidade muito maior. Não é contraditório nem nada. As boas histórias são contadas pelos bons corações, e a Copa do Mundo com 32 times precisa de seleções como a Irlanda de 90 para existir, tão quanto precisa das favoritas. Treinada por Jack Charlton, um mito inglês, aquela Irlanda era a união de atletas que você não precisa conhecer, cujos jogos você não precisa assistir, mas que a história merece ser considerada.

 

98 – O DIA EM QUE UMA IMPRESSORA GANHOU A FINAL DA COPA

Às 19h48 do dia 12 de julho de 1998, a impressora do Stade de France cravou Edmundo na equipe titular do Brasil que, às 21h, enfrentaria a França pela final da Copa do Mundo. O esforço de todo o dia para manter sigilo a respeito de Ronaldo se transformava em demanda irrefreável de toda a imprensa mundial: o que aconteceu com o Fenômeno? Dentre os grandes acontecimentos do futebol contemporâneo, este é aquele em que a imprensa mais comeu poeira. Aturdidos, todos buscavam pistas, fontes, e a análise do jogo em si já não importava quase nada. Para piorar a confusão coletiva, o camisa 9, 21 anos, 41 jogos pela seleção, estava relacionado entre os reservas, indicando condição de jogo.

Foram exatos 30 minutos até a impressora cuspir novos papéis, agora escalando Ronaldo, devolvendo Edmundo para o banco de reservas e abrindo um precedente na história da Copa do Mundo, sempre rígida a respeito das tais escalações oficiais. Galvão Bueno mostrava na televisão os dois papéis e criticava a confusão, que, para alguns, só se tratava mesmo de um erro humano, de teclado, coisa simples. Não era.

Após a retificação da impressora do Stade de France, um Ronaldo longe de seu melhor estado abriu a porta do labirinto de informações desmentidas e desencontradas. Após a derrota brasileira, Zagallo abandonou a coletiva de imprensa irritado com uma pergunta justa: “por que entrou, Zagallo?”. “Entrou porque entrou!”, devolveu antes de uma áspera discussão. Há quem ainda não esteja satisfeito com a versão mais confiável dos acontecimentos – Ronaldo sofrera convulsão, e fora do hospital direto para o vestiário, querendo jogar. Jogador mais valioso do mundo e dono de um contrato de valores incríveis assinado com a Nike, Ronaldo foi, a partir dali, alvo também de uma rica lista de teorias da conspiração.

Foram quatro anos de cão para Ronaldo, que começava, em Paris, a construir a fantástica e pouco crível narrativa que o levara, após lesões e vários quilos, ao nome no papel e aos dois gols na final da Copa do Mundo seguinte, disputada no Japão. Com a chuteira (da Nike) pendurada no pescoço tal qual uma melancia, nosso camisa 9 recebeu a medalha de prata. A impressora, ninguém sabe, ninguém viu, não virou peça de museu.

 

97 – QUANDO ITALIANOS REJEITARAM A SELEÇÃO E QUISERAM MARADONA

Quando Diego Maradona aceitou ser, em 1984, o camisa 10 do Napoli, talvez não soubesse que viraria a personificação mais profunda do estilo de vida dos napolitanos e a redenção de um povo relegado ao posto de coadjuvante social do país. Mas virou, e encarnou boa parte do ranço que existe entre sulistas e nortistas daquele país, cujo Napoli, força do sul, é um símbolo importante. Quando, na Copa de 1990, ficou definido o confronto entre Itália e Argentina na semifinal, em Nápolis, Diego usou a imprensa a seu favor e lembrou a rivalidade entre povos para atrair torcedores napolitanos: “Pedem aos napolitanos que sejam italianos por uma noite, mas nos outros 364 dias os tratam como estrangeiros no próprio país”.

Não existe a contagem exata, mas é certo, pelos relatos, que o estádio San Paolo, a casa de Maradona, recebeu muitos napolitanos engajados contra a seleção italiana e à favor de seu maior ídolo. Uma situação inusitada e carregada de uma mensagem social que nenhuma propaganda do Mundial de 90 contou aos estrangeiros desavisados. Maradona, para eles, era o orgulho e o pertencimento, e a seleção do próprio país representava, como consequência, aquilo que oprime e rejeita. Em campo, Argentina classificada após o empate nos 120 minutos e a vitória nos penais. A cidade teve uma noite estranha. A Itália estava eliminada da Copa em casa, mas ao redor do estádio o sentimento foi, no mínimo, ambíguo.

Maradona já sofria com a imprensa do resto do país. Depois de 1990, sua vida na Itália se tornou insustentável, mas antes disso era preciso visitar Roma, capital italiana, para a final contra a Alemanha. Roma não era sua casa. Longe dos napolitanos, era o momento de encarar o revide. O hino argentino foi severamente vaiado por italianos ressentidos com Diego Maradona, que, artista que é e sabedor que as câmeras estavam olhando para ele, falou algumas vezes “hijos de puta”. O desfecho? Sorriram os romanos (e os alemães, campeões do mundo), chorou Maradona, ficou o mito.
ps.: 24 anos depois, no Brasil, a seleção local jogou em Fortaleza sem maiores problemas.

 

96 – A COPA, FERNANDO VANUCCI E A NOSSA CRUELDADE

Fernando Vanucci foi um grande no ofício. Ele mal sabia, quando foi afastado da TV Globo por aparecer no ar comendo bolachas, que a geração seguinte conversaria com cavalinhos de pelúcia e seria promovida ao Big Brother Brasil por fazer papel de bobo. No que toca a Copa do mundo, Fernando Vanucci está para sempre no folclore nacional por causa de sua entrada no ar após a final da Copa de 2006. “Ahhh Itália”, “a África do Sul élogo ali” e “mudar ou mudar de vez” se tornaram frases de uso corriqueiro, jargões espontâneos pra cá e pra lá. Um clássico.

O desafio para Vanucci depois da Copa da Alemanha foi, portanto, voltar a ser levado a sério. Logo ele, tão irreverente desde sempre na condução das atrações que punham em seu colo, do carnaval ao futebol, foi uma vítima do nosso humor viralizado. Era irreverente, de alguma forma, até na tristeza. Pois vejam só, no vídeo abaixo, como ele encerra a transmissão da final da Copa de 1986, no México. Camisa amarelona aberta no peito, uma bandeirola, uma corneta, um jeito diferente de ler o texto, um capitão do tri ao lado e a bola na mão. Dias antes, quando o Brasil perdeu para a França, encerrou a transmissão lendo uma poesia de Affonso Romano de Sant´anna, e começou a chorar. Não virou um clássico.

É pena que em 1986 o Youtube não estivesse à disposição das gafes e de qualquer atitude incomum daqueles que estão expostos diante de câmeras, ao vivo, enfrentando seus demônios particulares com sorrisos estalados. Se houvesse, talvez a soma de Fernando Vanucci com Copa do Mundo fosse poesia e lágrimas, não devaneios e corte. Pelas risadas de 2006, que eu e você demos, muito obrigado, Vanucci. Pelo “perdão” negado dali em diante, que o tirou da cobertura direta dos mundiais seguintes, talvez eu e você devamos pedir desculpas.

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