ZAL #04 Bruxaria e aborto no califado brasileiro

ZAL #04 Bruxaria e Aborto no Califado Brasileiro

A quarta edição do Zona Autônoma Literária, neste 7 de novembro de 2018, traz duas mulheres num cenário em que elas integram o frontline na batalha contra a ascensão de Bolsonaro: Alana Moraes é antropóloga feminista e pesquisadora do Museu Nacional – UFRJ, tratando de formas democráticas menores e os atravessamentos entre gênero, política e subjetividades; Lia Urbini é cientista social e trabalha atualmente como revisora e preparadora de textos, já foi professora de sociologia em escolas estaduais, comunitárias e privadas, e também é assistente de direção e dramaturgia do Coletivo Inclassificáveis.

O debate aconteceu diante dos livros Calibã e a bruxa: mulher, corpo e acumulação primitiva, da marxista e feminista Silvia Frederici, lançado em 2017 pela editora Elefante em parceria com o coletivo Sycorax e a Fundação Rosa Luxemburgo; e também Pró: reivindicando o direito ao aborto, de Katha Pollitt, poeta feminista e colunista da The Nation, que a Autonomia Literária está lançando.

Tem também, como de costume, cupom de desconto para compra de livros e o quadro que trás a voz da poesia das ruas. O ZAL debate política, economia, cultura e temas urgentes do nosso tempo, sempre sob mediação dos últimos lançamentos de uma rede de selos parceiros. E mais: senso crítico sobre o mercado editorial e as novidades do mundo dos livros no Brasil e no mundo. Uma produção de Paulo Junior, Cauê Ameni, Daniel Corral e Guilherme Ziggy. A leitura dessa edição foi de Michelle Coelho.

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Coitados

 

Não queria falar de política aqui nesse espaço concedido a mim pelos sempre queridos da Central3. Nem tenho expertise para isso. Estudei um pouco do assunto nas minhas graduações, já escrevi sobre o tema em algumas matérias freelancer ou quando ainda era repórter de rádio, mas estou longe de ser um especialista. Também evitarei falar de futebol por aqui, boa parte da minha vida profissional está em cima da paixão nacional, e assim como em política, me considero apenas um pitaqueiro.

Pensei em usar esse espaço pra falar sobre amenidades e coisas não tão interessantes, sempre com uma dose de humor e sarcasmo, tipo os astros do zodíaco ou as estrelas do reggae (esperam que tenham entendido as referências). Mas o período que Pindorama passa pede para nos posicionarmos. O muro está estreito e nem o melhor equilibrista, do maior circo russo, consegue ficar em cima dele. É preciso escolher de que lado vai querer ficar.

Pego agora meu diploma de cientista político de mesa de bar e vou encher vocês com mais um textão. Pelo menos esse não está no Facebook. Este é um dos meus privilégios. Para quem ainda não sabe sou negro e nordestino, duas categorias que segundo o capitão peidão precisam acabar com o coitadismo. Também estão dentro dessa esfera, segundo o fujão dos debates, mulheres e gays. A junção da geração millenium com os neo-nazifacistas chamam a luta por direito e igualdade de mimimi e votam em peso na besta-quadrada militar.

Vejamos: a chance de um jovem negro morrer violentamente no Braza é duas vezes e meia maior do que um jovem branco. Coitados dos brancos. Em toda eleição nacional a região Nordeste sofre com ataques xenófobos e críticas caricatas. Coitados dos sulistas e sudestinos. Pindora é o país que mais mata LGBTs no mundo, um morre violentamente a cada 19 horas apenas por ser quem é. Coitado do homem branco hétero cis. Esse safari travestido de país é o 5º no mundo em número de feminicídios. Olha o homem branco hétero cis sendo coitado mais uma vez.

Onde se enxerga vitimismo e coitadismo realmente há vítimas, e os números do parágrafo acima mostram bem isso. Como um jovem branco classe média vai justificar aos pais que investiram milhares de reais na educação particular do filho, que uma menina vinda da periferia de lá de São João de Longe e entrou na universidade pública graças ao sistema de cotas tem um desempenho acadêmico melhor que o dele? O Fabinho e a Jéssica, do filme Que Horas Ela Volta se tornaram ao mesmo tempo uma realidade para quem sempre foi coadjuvante numa centralizada do Sul/Sudeste e um pesadelo para classe média quatrocentona dessas mesmas regiões. Para eles é hora de acabar com esses privilégios de igualdade, e há um candidato truculento prometendo fazer tudo isso. Como essa gente não vai amá-lo?

Mas quem promoveu tudo isso, acho que já tinha feito o necessário e se acomodou. Tinha e tem muito mais a ser feito por esse povo que é desfavorecido desde que o primeiro canalha português pisou nessas terras em 1500. É incompreensível que esquerda-classe-média-branca-vamos-abraçar-as-árvores ainda queira dar as cartas do jogo das minorias sem ouví-las. Ou se ouve e se faz de acordo com que as periferias e o rincões, que são a maioria, querem ou teremos que conviver com o retrocesso conservador por muito tempo ainda. 2022 ou será uma eternidade ou nunca chegará. Quem tiver fé que acredite na virada. Daqui, continuo sendo esse cético que acredita em milagre e com o mesmo pensamento de Mano Brown, uma das cabeças mais lúcidas da nossa sociedade, dá pra apoiar e criticar ao mesmo tempo. Há um interesse muito maior em jogo.

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Museu do Futebol joga pelo futebol feminino

Fim de primeiro tempo na várzea paulistana, zona leste da cidade, e o Autônomos FC, visitante, tem uma mulher em seu quadro. Ela aproveita o intervalo para se levantar do banco de reservas e bater bola no terrão, aquecer, se divertir, esperar a hora de ir a campo. O capitão adversário, que já perde a pelada por 4 a 1, implora: ‘coloca ela faltando só dez minutos, a gente veio pra jogar bola, não dá pra estragar colocando uma menina’. Ela joga, e o árbitro precisa assinalar um impedimento inexistente para que não saia um gol feminino.

Dia Internacional da Mulher, clássico Majestoso no Morumbi. Os corinthianos cantam ‘hoje não pode ter bater’, seguido de ‘Maria da Penha’; os são-paulinos respondem com ‘ô bicha louca dos gambás’ ou então ‘por que você gosta de beijar?, Ronaldo saiu com dois travecos, O Sheik selinho foi dar, Vampeta posou pra G, Dinei desmunhecou, na Fazenda de calcinha ele dançou, não adianta argumentar, todo mundo já falou, que o gavião virou um beija-flor’.
 
Clássico mineiro recente, reclamações diante da atuação da bandeirinha, e o então diretor do Cruzeiro, Alexandre Mattos, hoje no Palmeiras, solta: ‘se é bonitinha, que vá  sair na Playboy’.
 
Precisamos falar sobre tudo isso. Sobre entender a mulher no futebol, sobre a visibilidade do futebol feminino, sobre o machismo nos estádios que recebem jogos profissionais e nos domingos de amadorismo por todo o país.
 
Elas JÁ falam sobre isso. Quando a Central 3 chega para uma reunião no Museu do Futebol, em São Paulo, são cinco mulheres pensando todo um ano de eventos voltado para essa questão no principal pólo de discussão da cidade. O Pacaembu vai falar muito, muito mais delas, finalmente, a partir deste sábado.
 
O ano da Visibilidade para o Futebol Feminino começa com um ciclo de debates, mensal, a partir deste dia 14 de março, quando Arthur Elias (técnico do Centro Olímpico) Mayara Bordin (volante do Centro Olímpico), Thaís Picarte (goleira do São José) e Emily Lima (a primeira mulher a comandar uma seleção) conversam sobre o calendário e as fórmulas de disputa dos torneios para mulheres no país.
 
Nós, da Central 3, mais do que apoiamos essa ideia: produziremos vídeos de cada um desses encontros a serem publicados tanto em nossos canais como no das nossas amigas do Museu do Futebol. A partir da semana que vem, essa é a missão por aqui.
 
Parabéns ao Museu do Futebol, e vamos nessa. Feito a Marta driblando um sem mundo de marmanjos.
 
Mais informação aqui.

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