Medos

 

 

É algo que não tem explicação. Vem de dentro, dá uma comichão em alguma parte do corpo e de repente você não consegue pensar em outra coisa que não seja esse sentimento. Por mais que tente distrair, ele sempre fica na memória e demora a passar. Eita infeliz. Isso poderia ser sobre os que os poetas declamam em versos e estribilhos por aí. Mas não sobre amor esse texto, é sobre medo.

Percebem como os sintomas são parecidos? É tudo algo interpretativo. O que causa admiração e paixões em uns, desperta repulsa e desespero em outros. E quem consegue explicar essas coisas? Traumas, frustações – pode até ser, mas aquele infeliz terror que mora dentro da gente e que, de repente, aparece nos provocando as angústias mais profundas…esses fogem da mais vã razão.

Belchior, aquele destemido rapaz latino-americano que mandou tudo às favas, sem dever nada a ninguém, ao mesmo tempo que tinha um magnífico nome em letras garrafais no SPC, falou em “Pequena Mapa do Tempo” que o que não lhe faltavam eram temores. Medo fora e dentro do coração. Medo de Sul ao Norte do país. Aquele medo de abrir a porta que dá direto pro Sertão da solidão. Do que passou e do que estar por vir. E não se esqueçam daquele medo de avião que o fez pela primeira vez tocar a mão da musa amada.

Diferente do filósofo cearense, tenho bem menos aflições na minha vida. Mas não menos significantes. As mais bestas e aterrorizantes são de raios e trovões. Há quem veja beleza nesse grande fenômeno da natureza. Eu tenho um pavor que faz um barbado de mais de 30 anos parecer um menino novo atrás de uma chupeta. Ao primeiro relampeado, toda a pose de uma pessoa centrada que tem pleno controle sobre as suas situações vai embora junto com a água que desce ladeira abaixo.

Aqueles que já compartilharam tempestades comigo sabem o quão ridículas são as minhas demonstrações de desespero. Chico Peixoto, monstro das imagens, é testemunha da minha recusa de sair debaixo das cobertas quando estávamos instalados numa hospedaria no meio do nada paranaense, perto algumas léguas do quase Paraguai. Um raio caiu ao lado de onde estávamos e meu grito certamente foi ouvido pelos guaranis que estavam na outra margem do Iguaçu.

Essa não foi a experiência mais traumática. Tem mais. Passei literalmente por um tratamento de choque quando me embrenhei sozinho pelas ralas matas do Cerrado brasileiro. O vigia do Parque Nacional da Chapada do Veadeiros deu alerta logo na minha chegada. Meio-dia cairia uma chuva e as três da tarde o céu desabaria em água e descargas elétricas. Foi assustador. Por trás dos montes estava o barulho do fim do mundo e por cima da minha cabeça caiam raios, daqueles que só tinha visto em desenhos animados e filmes e terror.

Quem tem fobia procura estar informado sobre tudo aquilo que é possível para evitar o desespero. Enquanto as rajadas luminosas que precediam os estrondos me faziam companhia pelas estreitas trilhas, eu me lembrava das recomendações de um manual lido ainda criança sobre como se prevenir dos raios. As duas principais eram não ficar debaixo de árvores isoladas e nem em terrenos descampados. Fora relâmpagos e trovões, isso era tudo que eu tinha ao meu alcance.

Gotas de água e lágrimas se misturavam no meu rosto enquanto corria até a saída do parque. Lá, em posição fetal e aos prantos, fiquei aos cuidados daquele que me deu o aviso inicial.

Meia década já se passou desde o episódio pastelão. Hoje o meu medo se assemelha com o da Regina Duarte em outros tempos, guardadas as devidas proporções. Receio que a essa rinha de galo de dimensão continental, que teima em não compreender que já passamos por períodos escravocratas e ditatoriais, seja regida por um ser relinchante que anota assuntos na mão para saber o que deve falar. Fear of the dark, meus caros Harris & Dickinson.

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