15 Cenas do Descobrimento Nacional

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Por Victor Faria

Cena 1

HISTÓRIA DAS IDEIAS

Primeiro surgiu o homem de cabeça baixa. Deus veio num raio. Então apareceram aqueles que dominavam os homens. E se fez o fogo, o improviso, a roupa e o dever. Em seguida se criou a filosofia de jogo, capaz de explicar como não fazer o que não devia ser feito. Então surgiu as estatísticas e números racionais e as Confederações, organizando eventos sem sentido. A fome desde sempre, o circo das coisas, das pessoas. Foram inventadas maneiras de entreter e desestimular. E alguém apagou a luz. E cada um se vira como pode, arrancando suspiros dos prazeres que alcança.

Cena 2

TURISMO ECOLÓGICO

Os visionários chegaram e retiraram dos selvagens o que lhes dava vergonha. Depois os fizeram decorar o 4-2-3-1/4-1-4-1. Então lhes ensinaram bons modos, manter a posição e a posse de bola. E lhes arranjaram empregos no Leste europeu e mercados periféricos onde se chega com ouro em punhos. Haveria uma lógica humanitária exemplar no negócio não fosse saudade de casa e supostos escândalos extracampos. Nada faz com que mudem. De qualquer maneira, todos levam o seu. Só mesmo aqueles que acreditam no esporte como ferramenta social são os que parecem ter perdido outra chance.

Cena 3

REFLEXO

Dunga está estranhando seu reflexo. Não de maneira específica, mas em qualquer implementação de jogo que a devolva. Se pega e se perde em alterações, convicções, dilemas particulares… Há mesmo algumas modificações entre a expressão que faz e aquela que nos parece. Grita, pula, esbofeteia o ar… e chega atrasado aos seus próprios gestos. É mais ridículo que preocupante. Não está interessado em mudar de ideia. Os dias que seguem talvez resolvam essa diferença.

Cena 4

PLANALTO CENTRAL

O nome completo de Gilmar é Gilmar Luís Rinaldi, mas isso todos já sabem. Já no Panamá e Pequim todos os conhecem como The Seller por fazer negócio com qualquer jogador ou agremiação que se possa interessar. Pega-se aqui e larga-se no exterior. Possui atletas aplicados e boleiros. Como exemplo claro José Mário e Mário José. José tem todos os estudos, Mário nenhum e, justamente por isso, é o preferido pra coisa que aqueles homens brancos mais gostam de fazer.

Cena 5

CHACINA

Quando os quatro se lesionaram, o quinto já estava cortado, mas não estava machucado e seguiu jogando. E como tudo que vive cansa, dormiu. De forma que por isso demorou a abrir a porta quando bateram de madrugada. Saiu sem alarde alegando problemas particulares, porque todo mundo que corre é alvo de corte, ainda que seja melhor do que sair vaiado. Tudo explicado pra imprensa de forma que ninguém vazou nada. Pairou a dúvida no ar, naquela posição de quem quisesse morder esse vento que nos entra pela boca bem agora.

Cena 6

OS SILVÍCOLAS

Um dirigente burro de dar dó! Toda manhã (terça a quinta) ele aparece aqui na federação e gasta todo o dinheiro que a federação arrecadou durante a noite. Bebe da fonte até perder o juízo, passa a tarde fora e volta pra cobrar os honorários dos negócios e transações. Não há meio de fazê-lo entender que, ao fazer tais negócios, usou cada maldito tostão do que era seu (ou da federação, sei lá…). Que funciona desse modo: coisas passam de uma mão à outra por mecanismos num momentos… isto é: aqueles papéis assinados e bolinhas de metal agora pertencem a sujeitos que comandam tudo da prisão. É tão certo em sua burrice que até confunde a gente!

Cena 7

UMA PRAGA

Não se iluda. É a comissão mais estranha que você já viu. E não há nada que se faça pra mudar a situação. Sobram dedos na mão se for contar quem não a pratique. A cláusula obscura que existe é porcaria que arrumaram. Amanhã deve pintar um negócio que compense o de hoje. Não tem erro. São negócios arriscados. Um vício. Quando se olham as entrelinhas, escorrega, se ferra inteiro, alguém descobre. Cai mesmo, entende? Meu amigo, é difícil inocência provar. É uma praga.

Cena 8

O TIRADENTES

Nos anos 70, garimpeiros rodavam o interior do Brasil em busca de jogadores. Aliciavam atletas a sangue-frio, é claro. De modo que quando empresários chegaram com uma bolsa cheia de promessas, teve sucesso imediato. Na época o mercado era outro, as exigências menores. Quando as minas de ouro secaram, continuaram oferecendo seus atletas para mercados alternativos. Agora seus maiores fregueses estão na Ásia. A maioria nem tem tanta vocação pro jogo. De vez em quando vem pra São Paulo e voltam com dois ou três contratos de gaveta. Pra ele, o caso é que os clubes não estão suportando o gosto de duas próprias promessas.

Cena 9

CANÇÃO DO EXÍLIO

Minha terra tem campos de futebol que servem apenas para suportar os desejos da corrupção. Tem diversas maneiras de atrapalhar o jogo. Tem também muros de bloco e pintura nova pra atender clientes de alto padrão. Por isso o preço alto feito pra espantar malaco. Minha terra tem HK, AK47, AR15, M21, .45 e .38 (na minha terra, .32 é uma piada). As sirenes e os homens que aqui apitam, apitam de repente e sem hora marcada. Os espectadores já não são os da fábrica, que fecharam. Curiosos mesmo são os que vem de camburão, que vêm fazer aleijados, trazem a campo tranquilidade e aflição.

Cena 10

PROMESSA

Todo santo sábado Mariano leva um pedaço de cera na Igreja de São Judas Tadeu. Leva uma perna, reza; leva uma coxa, reza; leva um peito… e assim por diante. Nos próximos dois meses deve completar o corpo, pondo a cabeça por cima e chuteiras nos pés. Nesse dia pensa ascender uma vela da mais grossa pra pedir iluminação ao camisa 10, que ao futebol moderno, de fato, não resistiu. Acha que quando pedir pela última vez, o craque vai sair andando, batendo os saltos pela cerâmica. Mariano também acha que pode aproveitá-lo por um bom tempo até que derreta no sol.

Cena 11

O DIA DAS BRUXAS

Eu só vim pra te dizer que todas as coisas que poderiam dar errado aconteceram. Todas aquelas meias palavras que você usou, tentando “me avisar”, ora… elas formaram uma nuvem de dúvidas e desgraças na minha carreira. Claro que eu perdi um a um os preceitos de meus princípios. Aliás você já sabia desde que aceitei o cargo. Perdi a vergonha ao retornar. Nem sei se você me enganou… Você é das boas! Sempre uma peça! Você e essas cartas encardidas. Vocês valem os malditos 100 paus que agora me fazem falta. Você é uma bruxa miserável de boa. Só vim pra te dizer isso.

Cena 12

BUSINESS HEADLINES

As bolsas estão caindo, os aviões estão caindo, os lavadores de papel estão caindo. Um novo fenômeno faz 5 gols na final sub-15 de um torneio amistoso em Seul e os jornais já o noticiam em gigantes europeus. A salvação do futebol está em Osasco. Analistas e especuladores enchem os bolsos. Karim Benzema não irá a Eurocopa. Na próxima semana a Fifa implementará novas medidas capazes ainda mais de arrastar o jogo. Ao que tudo indica não haverá mudanças quanto à realização dos Jogos. Jérôme Valcke mal fez seus milhões e já está sendo colhido pela fúria dos elementos da justiça. É por isso que a mulher massacra seu cartão de crédito contra o pó da mesa enquanto corta custos.

Cena 13

1964

É mesmo possível que tenha sido um ano maravilhoso, não sei… A música que tocava no rádio, os filmes ganhando prêmios, a facilidade com que se partilhava uma emoção e aqueles divórcios devastando gerações… Os marcadores de Garrincha com a espinha quebrada. A simplicidade da tática, da prática, dos desejos das pessoas. É verdade que os miliares já vinham com aquelas ideias, que acabam por ser as mesmas, mas ainda não haviam feito o pior. Se você diz, é mesmo possível… Sei que a história tende a se repetir. Eu era muito pequeno e só consigo perceber hoje que as coisas, quando caem, causam um estrago terrível na sociedade.

Cena 14

OS BRASILEIROS

Dois em cada três brasileiros já fumaram maconha no estádio. Três em cada cinco brasileiros acreditam que Deus tem influência no resultado. Cinco em cada oito brasileiros fizeram promessa para que seu time fosse campeão. Oito em cada treze brasileiros não fazem sexo na hora em que seu time joga. Treze em cada dezessete brasileiros já pensaram jogar melhor que o lateral titular da equipe. Dezessete em cada vinte brasileiros não sabem que Éric Cantona é um ator. Vinte em cada vinte e dois brasileiros não tem terra. Vinte e dois em vinte e três brasileiros tem certeza que seu azar é específico.

Cena 15

O FIM

A TV apresenta a “maior cobertura da face da Terra” em torno de todas as delegações e atletas nacionais e internacionais. Com exclusivas 24 horas por dia. Peixes boiam às toneladas. Complexos afundam na lama. Pássaros retirados de seu habitat. A vegetação ajoelha com as estruturas. Aviões desistem. Revólveres disparam acidentalmente. Refugiados suicidam-se num Atlântico onde barcos naufragam. Há os que procuram um Moisés que lhes empurre. Alguém lembra o fim dos tempos. Especialistas estão desorientados que não exista mão humana nessa desgraça.

Fim.

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