ESPECIAL: 100 histórias escondidas da Copa do Mundo – Parte 8

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O time mais forte da história… Essa frase por si só já desperta curiosidade, não é mesmo? Pois bem, esse é só dos tópicos abordados na Parte 8 do ESPECIAL COPA DO MUNDO. Leia e confira uma série de curiosidades que só a Central3 traz para você:

59 – 1974: UMA COPA BELA, BOA, MAS AMEDRONTADA


Sede dos Jogos Olímpicos de 1972, a cidade de Munique construiu, em um terreno que era, na Segunda Guerra, uma espécie de almoxarifado de aviões e itens bélicos, um parque olímpico espetacular, com ginásios, piscinas, quadras e o grande estádio, cujo teto, transparente e em forma de gotas, dava implacável marca arquitetônica não só aos Jogos, mas ao país que se pretendia novo e livre das quinas sóbrias e tristes que marcaram as construções do período nazista. Era tudo tão belo que Munique ganhou o direito de sediar ali a final da Copa do Mundo de dois anos depois, em 1974. Berlim teria pouca moral, até porque era uma outra Alemanha, ainda com fraturas sociais severas e um muro no meio.

Acontece que nas Olimpíadas de 1972, um ataque terrorista matou dois atletas de Israel, nove reféns ao todo, e manchou, de sangue inclusive, o que era para ser uma Olimpíada que mostraria ao planeta uma nova Alemanha. Foi chocante, mas os jogos seguiram após paralisação de um dia e meio. Tendo uma Copa para sediar em 74, os organizadores tiveram dois anos para arquitetar algo menos lírico que tetos translúcidos em forma de gotas: o plano era montar um Mundial absolutamente blindado do risco de novos ataques e novas mortes de atletas ou quaisquer inocentes. O resultado disso: o povo não viu ninguém, ninguém viu direito o país, foi a Copa onde os jogadores menos saíram de suas superprotegidas concentrações.

Mesmo os simpáticos ônibus das delegações, pintados nas cores e com os nomes dos países, feitos pensando na boa relação com o público, só se deslocavam no meio de potentes caravanas de segurança. O mundo ainda sofria para bancar a paz, e o futebol, em plena Alemanha, não conseguiu dar esta sensação temporária aos seus visitantes. Foi uma Copa do Mundo, entre os apitos inicial e final de cada jogo, notável, das melhores. Foi, também, no que tange televisionamento e estrutura de promoção, ótima para os negócios de uma FIFA que acabara de eleger João havelange presidente. É a Copa que mostra ao mundo a beleza da nova taça, posto que a Jules Rimet ficou (ficou?) em definitivo no Brasil. Mas é, também, uma Copa amedrontada – que Cruyff tentou, e conseguiu, deixar um pouco menos durona.

58 – O AR MINEIRO, O PSICÓLOGO COMPREENSIVO E O TIME MAIS FORTE DA HISTÓRIA

1950, Maracanazzo; 1954, Batalha de Berna; de 1955 em diante, mais derrotas, outras batalhas campais, inúmeros treinadores em revezamento até que, em 7 de abril de 1958, em Poços de Caldas, as coisas mudaram um pouco de figura. O Brasil das seleções bairristas dos anos 30 continuava um mistão Rio-S. Paulo, mas o ar mineiro fez bem. A seleção conheceria uma rotina sofisticada para a época: o diálogo de atletas com psicólogos, e a consulta com dentistas, além de um diferenciado trabalho de supervisão e trabalho físico. Era um notável esforço para deixar para trás os dois traumas tão recentes nos mundiais pregressos. Pois bem.

Por que Zagallo, e não Pepe? O comprometimento tático do esforçado Zagallo cativava Vicente Feola e fez a diferença nos amistosos. Cadê Julinho Botelho? Este, no auge, atuando pela Fiorentina, se recusou a jogar, por não achar justo um atleta trabalhando fora do país representar a bandeira num mundial. Jogou Joel. E o Zizinho? 35 anos, fio desencapado, melhor não. Tá, mas e o Pelé? Com menos da metade da idade de Zizinho, talvez não estivesse pronto, né. Mas era Pelé. Como era Garrincha, a quem, em um apelo ao psicólogo, Djalma Santos teria dito que “ele é burro para os seus testes, talvez erre tudo que o senhor perguntar, mas não o reprove, na verdade ele é um gênio”.
Pelé, que estava meio baleado, ganhou a titularidade ao longo da Copa. Nada mais o deteria. A camisa 10 ele ganhou em um acaso, número dado sem critério por um membro organizador da Copa, quando notou que o Brasil se esqueceu de providenciar. “Acaso”. Joel saiu e a gente alinhou, na final, com Garrincha, Pelé, Vavá e Zagallo, mas podia ser, sei lá, Julinho, Almir Pernambuquinho, Zizinho e Pepe (ou Canhoteiro!), e atrás do ataque tinha Zito e Didi, pelos lados tinha Djalma Santos (ou De Sordi) e Nilton Santos, putaqueopariu, era muita gente, era muito time.

Foram, provavelmente, os melhores dias para se assistir futebol no Brasil.

57 – TANTO JOGO, TANTA ESPERA, E É NA MARCA DA CAL QUE TUDO ACABA

A primeira disputa em pênaltis de uma Copa do Mundo foi na semifinal de 82, jogo entre Alemanha x França, indispensável em qualquer lista de maiores jogos de todos os tempos. Schumacher, goleiro alemão, foi o herói, com duas defesas, mas nem deveria estar lá: um lance de karatê no tempo normal quase partiu a cabeça de um adversário em dois, mas o juiz não se importou. Schumacher era uma lenda no Colônia, seu clube por 15 anos, de onde saiu para dar lugar a Illgner, que também ocuparia sua vaga na seleção, sem, no entanto, jamais enfrentar uma disputa de cal mundialista.

Em 86, no México, três disputas aconteceram. A mais icônica vitimou o Brasil e consagrou a França, que teve até Platini perdendo cobrança, bola batendo na trave e nas costas do goleiro Carlos antes de entrar, Zico perdendo um penal, mas no tempo normal, um inferno, mas uma redenção aos franceses ressentidos por 82. Schumacher – olha ele aí – defendeu mais duas cobranças para sua seleção, que tirou o México, enquanto o belga Pfaff defendeu chute de Eloy e eliminou a Espanha.

Cresceu o número de jogos levados aos penais: quatro em 1990. Illgner, o substituto de Schumacher, pega o seu e elimina a Inglaterra em Mundial que marcou a figura de Goycoechea, argentino nascido para as penalidades máximas que eliminou a anfitriã Itália. Nesta Copa, Maradona perdeu pênalti contra a Iugoslávia, mas Goycoechea o salvou de ser vilão. No outro jogo decidido assim aquela feia e linda Irlanda bateu a Romênia, atingindo patamar inédito na sua história. Daí em diante, 1994, primeira final decidida assim, Baggio na mira do mundo, Ravelli saltitando com a vitória da Suécia, Jorge Campos coloridão e inútil contra a Bulgária, e 98, com o argentino Roa, a redenção em vão de Baggio, o imenso Taffarel padroeiro de Marselha, a decisão de 2006 de novo nos pênaltis, tantos quase heróis na fábrica de vilões, e uma certeza: vai acontecer de novo na Rússia.

56 –

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia?
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar?
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar

56 – A HOLANDA PROMISSORA QUE FALTOU À FESTA

Era bárbara aquela Holandacampeã européia de 1988. Chegaria na Copa de 1990 como favorita da bola, pela qualidade do time, e da galera, graças ao carisma de alguns de seus jogadores – Gullit e seu cabelo de medusa à frente da companhia, claro. O imaginário ao redor deles passava também pelo Milan supercampeão que reunia, além de Gullit, o matador van Basten e o meia Rijkaard. Esse imaginário passa longe da realidade do escrete holandês.

Entre a Euro 88 e a Copa de 90, muita lambança azedou a laranja. Os problemas entre o elenco e o treinador que assumiu (um cretino que fez decalarção racista sobre Gullit anos antes) se tornaram inconciliáveis faltando três meses para o Mundial. O grupo, então, numa votação com três nomes, elegeu Cruyff como técnico. Mas a federação vetou. Se vetou, por que colocou o nome na votação? Leo Beenhakker, segundo colocado na tal eleição interna, assumiu sem moral, e o elenco não tinha a menor unidade. Estava desfeita aquela comunhão linda e campeã de dois anos antes, e, com três empates e uma derrota, a Holanda foi a decepção mais melancólica do Mundial.

Acontece que o trio milanista continuou arrebentando no Milan. Gullit voava baixo em esplendor físico, e van Basten foi eleito o melhor jogador do mundo pela Fifa em 1992. Mas a estrada para van Basten acabou em 1993, aos 28 anos, derrotado pelas lesões e insuportáveis dores. Já Gullit, confirmado na Copa, abandonou a concentração e se mandou, por problemas com o técnico. Aquela Copa seria de Bergkamp, em campo, imaginando como seria a companhia dos dois. Ficou na imaginação. Gullit fez um gol, na terceira rodada da Copa de 90, na qual van Basten passou em branco. Rijkaard, expulso no jogo da eliminação de 90 com direito a cusparadas, assim no plural, no alemão Rudi Voller, jogou, e bem, em 1994,

A Holanda, que em 1996 passou por um escândalo de racha no elenco por questões raciais, se revigorou e foi brilhante no mundial de 1998, que serviu, pelo menos, para rebater a ressaca de uma década que começou tão promissora mas não deu em nada. A Copa olha para a foto de Gullit e van Basten e não sabe porque deu tão errado.

55 – O URUGUAI SEM GRAÇA, A QUASE VIRADA E OS TEMPOS DE RECOBA QUE NÃO DEIXARAM SAUDADE

Não dá para cravar que foi tudo ruim na campanha uruguaia na Copa de 2002. O empate buscado na última rodada, contra Senegal, por exemplo, foi impressionante, embora mero reflexo do 3×0 que sofreu no primeiro tempo. O grupo em si se mostrava severo, com a França perdendo para o próprio Senegal logo na abertura do mundial e invertendo a lógica das coisas. Sob pressão, nas cordas, os uruguaios foram firmes no duelo contra os então campeões do mundo, um 0x0 digno que só deixava uma missão para a Celeste de Recoba: vencer Senegal para passar de fase.

Mas não passou. Ficou no 3×3, com dramalhão tipicamente uruguaio, gol absurdo perdido no último lance e lágrimas após o apito final. Coube a Recoba o gol do empate, aos 43, de pênalti, o que tem lá o seu simbolismo.

Recoba foi o autor do “gol do quase” que simbolizou toda a sua passagem como líder técnico da celeste naqueles anos: qualidade técnica indiscutível, insuficiência física, fraqueza mental e pouca contribuição no fim das contas. Na repescagem para a Copa seguinte, o Uruguai conseguiu ser eliminado pela Austrália, e Recoba, substituído no segundo tempo, teve atuação abaixo da crítica. A Copa do Mundo não daria nova chance para ele, como também encerrava a história mundialista de outros nomes como do zagueiro Paolo Montero e do atacante Richard Morales – aquele que perdeu o gol feito do 4×3 contra Senegal.

O Uruguai de 2010, que mostrou caráter acima do normal além de um futebol solidário e dedicado, tinha por perto as memórias recentes de quando o Uruguai foi só mais um time frio e sem alma no meio dos outros, com um quase craque que, olhando hoje, não era o que a Celeste precisava. Alvaro Recoba provavelmente era mais técnico do que Diego Forlán, Loco Abreu ou até mesmo Luisito Suárez, mas sua passagem pelo futebol, inclusive em clubes, ficou marcada pela pouca personalidade para grandes momentos. Desconta-se muito por causa de suas lesões ao longo da carreira, mas, mesmo assim, não faltaram oportunidades dele se tornar aquilo que, anos depois, os caras do Uruguai de 2010 se tornaram. A Copa às vezes não dá segunda chance.

53 – SANCHO, QUASE, SANCHO!

Brent Sancho é o Gamarra de Trinidad & Tobago. Sua participação no Mundial de 2006, na Alemanha, causou choque: foi o melhor em campo, ao lado do goleiro Hislop, na estreia diante da Suécia, que metralhou em vão a área trinitária. O estádio de Dortmund pintado de amarelo sueco, Ibrahimovic todo pimpão em campo, mas nada feito com Sancho. O cara ganhou tudo por cima, por baixo, pelos lados, e sacudiu seu cabelo rastafari rumo á seleção da primeira rodada da Copa.

Na segunda rodada, lá estava de novo Sancho, segurando desta vez a Inglaterra. Sancho atuava pelo minúsculo Gillingham, inglês, e levava vida de anônimo no futebol daquele país. Mas foi, minuto a minuto, ganhando contornos de nova lenda ao passo que segurava a seleção inglesa e levava os caribenhos ao segundo ponto na competição.

Quem assistia ao jogo tinha um belo embate para acompanhar: Sancho de um lado Peter Crouch do outro.
Não que seja um embate dos mais belos. Sancho não era uma sumidade técnica, e Crouch, com mais de dois metros de altura, foi um dos atacantes mais estranhos a chegar numa Copa. Suas pernas muito finas, seu jeito desengonçado e a aptidão para apenas um tipo de jogada – a bola aérea – condicionava o jeito de jogar do bom meio-campo inglês. e Sancho, ao lado de seus companheiros, seguraram a bronca até os 38 do segundo tempo.

Mas o gol de Crouch foi puxando o rastafári de Sancho. Uma falta que o juiz não viu, e quase não dava para ver, mesmo. Uma das disputas de cabeça mais insólitas de todas, que salvou Crouch temporariamente do banco de reservas e acabou com o doce encanto dos tobaguenses.

52 – NÃO COUBE A ABERTURA DA COPA NAQUELE DIA

O Filme da Copa de 1994, “Todos os Corações do Mundo”, teve a presença de espírito de iniciar o documentário entrevistando americanos comuns, que se enrolavam para responder o que era “Soccer”. Eles mal entendiam do que se tratava aquele esporte que teria seu maior evento dentro de tal país. Futebol, para eles, era o da bola oval, o do gol que vale seis pontos e se chama touchdown. O futebol deles, americano, cedeu alguns estádios para o evento da Fifa, mas fez jogo duro no campo da narrativa midiática: o dia de abertura da Copa do Mundo de 1994 foi um dos mais insanos da história do jornalismo televisivo dos Estados Unidos.

Tudo porque O.J. Simpson, o mais famoso jogador de futebol americano de sua geração e um revolucionário na arte de vender sua imagem, uma figura presente em propagandas, filmes, discos, saiu em fuga da polícia em Los Angeles, acusado de assassinar sua esposa e um rapaz. Simpson, negro, oferecia um paradoxo pesado para o contexto americano, pois era aceito, quase visto, como um homem branco em uma sociedade racista e uma estrela de fácil consumo para todas as faixas de idades e nichos. E sua perseguição policial foi um divisor de águas na compreensão das possibilidades tecnológicas em coberturas ao vivo. Tantos helicópteros filmaram aquela perseguição longa, em baixa velocidade (os inúmeros carros da polícia não queriam confronto, só a entrega do astro), que os sinais de satélite entraram em colapso e uma tevê acabou pegando o sinal da outra. Uma loucura.

Naquele mesmo dia, em Nova Iorque, o time dos Rangers, campeão nacional de hóquei depois de 54 anos de jejum, entupia as ruas da cidade com seu passeio pelas ruas, em carro especial, exibindo a taça para o povo eufórico. O que vem de Nova Iorque acaba rebatendo no noticiário nacional, e a conquista dos Rangers pedia espaço nos respiros daquela transmissão insana da possível fuga de O.J. Simpson. Ah! Você não conhece Arnold Palmer, golfista, mas naquela manhã, no início do US Open, ele anunciou aposentadoria com muita emoção. Tratava-se de um Pelé do golf, figura lendária, e mais uma bomba para noticiar. Acaba por aí? Não: Às 18h começaria New York Knicks x Houston Rockets, o quinto jogo da final da NBA, cujo time de Nova Iorque há muitos anos perseguia, e jogava ainda sob a emoção do que viu na cidade pela manhã, na festa dos Rangers.

No ginásio de basquete, no campo de golf, nas ruas que festejavam a final do hóquei, todos falavam de O.J. Simpson. E, às 14h, Bolívia e Alemanha entravam em campo para a abertura da Copa do Mundo de futebol. Mais tarde, lá pelas sete, Espanha e Coreia do Sul fechariam o grupo. Como designar tantos profissionais para tanto assunto? 17 de junho de 1994 foi um dia inesquecível nos Estados Unidos. A Alemanha ganhou da Bolívia, 1×0, os espanhoes empataram com os coreanos, 2×2, os Rockets foram campeões da NBA e até hoje os Knicks perseguem a taça. O.J. Simpson conseguiu liberdade recentemente, após o julgamento mais midiático da história da nossa estranha civilização.

51 – AS DUAS INGLATERRAS POSSÍVEIS NO MEIO DO CAOS E A PERSEGUIÇÃO QUE CONTINUA

Em 29 de maio de 1985, a tragédia de Heysel matou 39 pessoas e tirou a importância de Juventus x Liverpool, final do campeonato europeu. No ano seguinte, a seleção inglesa sofreria sua mais icônica derrota, aquela para a Argentina do genial (gol do século) e malandro (a mão de deus) Maradona. E dalí em diante viveria situação inusitada: a punição encontrada pela Uefa tiraria da praça os clubes ingleses por cinco anos, relegados apenas às competições nacionais – a torcida do Liverpool foi considerada culpada pelo massacre. O país discutia internamente o que fazer neste período para não sofrer uma queda bruta econômica, técnica, midiática. Uma das saídas era no campo político, e nisso os ingleses são bons, inventores do esporte que são.

Faltou combinar com os hooligans, fenômeno fora de controle naqueles anos, resultado de uma complexa textura social britânica. Quando a punição já estava quase abandonada, já que a opinião pública estava olhando para outras coisas, os torcedores ingleses que foram à Alemanha para a Eurocopa de 1988 barbarizaram. Quase 400 deles foram presos, e o rastro da visita destes torcedores por onde o English Team passou era visível e pegajoso. No ano seguinte, para piorar, aconteceu o desastre de Hillsborough, naquele país, quando um erro policial resultou em 96 mortes, todos torcedores, que, numa trama absurda, se tornaram, por muitos anos, culpados pela própria morte segundo a justiça daquele país. É neste cenário que a Inglaterra chega à Copa do Mundo de 1990.

Quem acredita em sorteio, acredita. Eu, não: a Inglaterra foi colocada para atuar na Sardenha, no estádio do Cagliari, extremo sul da Itália, onde, digamos assim, a organização de poder paralelo não era das mais suaves. Trocando em miúdos, enfiaram os hooligans ingleses numa região difícil de chegar promovendo quebra-quebra – os ingleses apanhariam feio por ali. Andaram miúdo, falaram baixo e viram em campo duas personificações possíveis do que era o momento do futebol inglês: Gary Lineker, que nunca tomou um cartão na vida, representava uma Inglaterra de estereótipo, cavalheiro como um lorde, de origem humilde e queixo erguido; e Paul Gascoigne, um desajustado que representava a rebeldia social daqueles tempos, beberrão, falastrão, valente.

Não é de se estranhar, portanto, que, na semifinal, quando Gascoigne se descontrolou em campo e teve um acesso de choro por tomar cartão amarelo, Lineker tenha assumido o papel de tranquilizador, olhando para o banco de reservas e dando instruções, um gesto de “ele está tremendo”. Eram duas Inglaterras possíveis se encontrando em um fragmento de uma partida que, no fim, não venceram – e como imaginar esta Inglaterra campeã do mundo, com um cenário tão dilacerado por dentro? Não que tenha sido muito diferente depois disso, quando, a partir dos anos 90, uma linha de crédito do governo obrigou os clubes a construírem estádios modernos e contraírem as dívidas necessárias para que lavadores de dinheiro de todas as partes do mundo se apropriassem dos clubes do país. A Inglaterra continua perseguindo uma campanha realmente encantadora. A Inglaterra de 1990 não teve tempo para pensar em seu lugar na história.

50 – O BRASIL DE JULINHO E O BRASIL DE FIRMINO: NEM TANTO À EUROPA, NEM TANTO AO RIO

Julinho Botelho foi um dos grandes nomes do pós-Maracaazzo. Chegou à seleção em 1952, enquanto juntávamos os cacos daquela derrota tão dura, e nela ficou por um bom tempo, soterrado no imaginário popular, no entanto, pelo surgimento de Pelé, Pelé com Garrincha, campeões de 58 – e quem não conhece aquela história, com cheiro de pequena lenda, de que Julinho, ao entrar no lugar de Garrincha em jogo no Maracanã, foi vaiado por toda a arquibancada, que, após testemunhar um show de bola do ponta paulista, trocou os apupos por aplausos entusiasmados?

Contribui imensamente para esta sensação a atitude surpreendente de Julinho em 1958: escreveu uma carta à CBD, abrindo mão de jogar a Copa do Mundo, por entender que, morando fora do país (era atacante da Fiorentina), não era justo que ocupasse uma vaga na seleção do Brasil. “Meu contrato com a Fiorentina termina na dependência do último encontro do certame italiano. Dessa forma, não poderei participar dos treinos. Deve, portanto, a entidade meditar sobre a situação, porque é imensa a responsabilidade das duas partes”, escreveu. O mais curioso é que ele voltou ao Brasil, para defender o Palmeiras, tão logo a Copa do Mundo acabou. Bastava afrouxar um pouco os laços morais, ou vir para o Brasil dois meses antes, ara Julinho ser um campeão do mundo.

Em 2002, a seleção que deu ao Brasil seu quinto e último troféu tinha 12 atletas atuando em solo brasileiro. Todos eles, exceto Rogerio Ceni e Marcos, estiveram no futebol europeu em algum momento da carreira, ainda que pouco e timidamente, como Edílson no Benfica. Estamos à espera de uma convocação que terá, se muito, dois, talvez três, atletas “nacionais”. Arthur, do Grêmio, pode até ser chamado, mas já está vendido (assim como Paulinho, do Vasco, nome para as futuras Copas, se mandando aos 17). Gabriel Jesus não completou nem 90 jogos pelo seu clube formador. Roberto Firmino partiu pro velho continente sem o menor alarde, antes do país saber quem era. Willian pouco deu a chance do corinthiano o curtir, e outros exemplos estão aí, à mão.

Entre Julinho Botelho e Roberto Firmino existem décadas de explicações culturais, sociais, geopolíticas, tecnológicas, enfim: o Brasil, que entrou nessa brincadeira chamada Copa do Mundo de um jeito torto, na verdade usando uma seleção carioca e não brasileira, corre aflito em busca de uma identidade perdida e um motivo para se sentir parte próxima do time em campo. Muita coisa dá para inferir, sem ser possível chegar a uma tese definitiva.

Mas que o Brasil nunca ganhou com maioria de “europeus”, nunca ganhou.

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