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Galvão Bueno, o maior de todos!

*Por Luiz Thunderbird

Galvão Bueno é pra seus fãs e detratores o maior de todos. Sacaram? Amado por uns, odiado por outros, o maior narrador da maior emissora de TV do Brasil ameaça reivindicar aposentadoria há algum tempo. Já adiou algumas vezes; nada a ver com as novas regras impostas ao trabalhador brasileiro.

O primeiro grande narrador esportivo de que me lembro foi Luciano do Valle. Ele era global e mandava muito bem. A última lembrança dele pra mim, na Globo, foi na Copa do Mundo de 1982. O Brasil enfrentava a Itália naquele jogo maravilhoso, quando Paolo Rossi aniquilou uma das maiores seleções que já vi no torneio futebolístico mundial. Depois que a Itália fez 3×2, Luciano gritava que ainda havia tempo, que o Brasil empataria e se classificaria. Os minutos finais foram arrasadores e a insistência de narrador foi o alvo ideal pra minha raiva. Raiva, todos sabem, é a reação à realidade que não aceitamos de jeito nenhum. Que raiva! Acho que acabei direcionando minha raiva pro Luciano, coitado.

Não sei se foi isso, mas depois de um tempo, ele se transferiu pra Rede Bandeirantes. Realizou um trabalho importante ali, fazendo do domingo esportivo um sucesso. Incentivou o vôlei nacional, trouxe a Fórmula Indy. Obrigado Luciano.

Mas foi nessa época que Galvão Bueno ganhou força na Globo. A Fórmula 1 tinha Nelson Piquet, depois teve Ayrton Senna. E Galvão dominava o assunto ao lado de Reginaldo Leme. No futebol, Galvão teve seu ápice na Copa do Mundo de 1994. E aí, cabe uma explicação.

Eu passei o ano de 93 criticando Parreira e Zagalo. Sempre que surgia uma oportunidade, tirava uma onda deles no CEP-MTV. Tanto que, quando encontrei os dois no Camarote da Globo, durante o Carnaval, eu trabalhando na transmissão, houve um momento de confronto entre nós. Achei que Zagalo ia pular no meu pescoço. Agradeço ao Parreira por ter colocado juízo na cabeça do velho Lobo.

Foi nesta competição que Galvão cravou o inesquecível “Vai que é sua, Taffarel!”. Confesso que na final, contra a mesma Itália, não assisti o jogo. Estava no Rio, com amizades perigosas me divertindo com outros assuntos. Não liguei muito pra aquela conquista nacional.

Na mesma época, Galvão chamava meu programa “TV Zona”, que começava logo após as corridas da F1, na mesma Rede Globo. Ele dizia: “Daqui a pouco tem TV Zona com o Thunderbird, ele é muito loooouco!” e coisas do tipo, sempre muito simpático. Obrigado Galvão!

Galvão falava de Ayrton Senna com o mesmo amor e idolatria com que se refere hoje ao Neymar. Era muito amor! Ayrton se foi, naquela curva italiana ( a Itália, de novo!) e veio Rubens Barrichello. Rubinho teria que ser a bola da vez. E Galvão levantava a bola dele com toda a empolgação e pachequismo possíveis.

Nelson Piquet chegou a dar entrevista pra ESPN, aconselhando Galvão a se ater a narração, sem comentários técnicos. Piquet sempre foi mordaz, obviamente! Além de campeão, ele tinha um humor bem especial…

Com o tempo, esse exagero do Galvão começou a me incomodar. Por vezes, soava como “forçando a barra” mesmo. Bem, veio a Copa de 2002 e eu adorei ver a Seleção vencer a Alemanha (a primeira vez que o Brasil enfrentou a Alemanha em Copas). As corridas de F1 empolgavam menos, mas eu curtia mesmo assim. Veio Felipe Massa e Galvão adotou o rapaz como novo Ayrton. Eles se tornaram amigos, se encontravam em Mônaco. Dizem que o apresentador até comprou um lugar na cidade. “Ele dirige Ferraris, fuma charutos cubanos, tem casa em Mônaco.”. Isso, imagino, não ajudava na sua popularidade.

O tempo passou novamente, o tempo sempre passa, e aconteceu mais uma Copa do Mundo. Africa do Sul foi determinante para um dos maiores mêmes da internet.

“Cala boca, Galvão!” tomou conta da Rede Mundial de Computadores. Os primeiros sinais de aposentadoria vieram nessa época. Diziam que ele estava cansado das viagens, querendo curtir um pouco a vida. Isso pode até ter passado pela cabeça dele, mas pensem bem, o cara viaja o mundo pelo circuito de F1, narra as maiores partidas de futebol do planeta, acompanha de perto esses circuitos. E surgiu… Neymar! Sua nova paixão foi menosprezada por Dunga, que não levou o prodígio pra Copa do Mundo. Galvão ficou bravo. Eu também! Aliás, Dunga sempre me deixou bravo. Desde 1994 e aquela comemoração raivosa dele, erguendo a taça. A raiva de novo!

Deixemos o Dunga no passado, afinal temos Tite.

Daí, veio a baixa na Fórmula 1, a Copa do 7×1, as Olimpíadas onde Galvão anunciou Karol Conka, que ele chamou de Carol Cônca. Minha amiguinha brilhando na abertura e ele erra o nome dela. Raiva!

Desde então, eu perdi a paciência com ele. E percebi que a nação brasileira começou a demonizá-lo.

Confesso que, às vezes, faço questão de assistir os jogos da Seleção com narração dele. Acho engraçado os papos dele com o Casão, as provocações com o Arnaldo. Na F1 ele deixa claro que conhece o métier, que janta com os chefões, frequenta festas com os pilotos, é amigo daquele cara influente no box da equipe tal…

E tem os herdeiros do Galvão. Na F1 tem o Cleber Machado, acho legal, tem aquela cena antológica dele narrando o final da prova com o Rubinho deixando o Schumacker ganhar.

Tem o Luis Roberto que também é substituto do Galvão na F1 e em jogos de futebol. Teve aquele momento na última copa que marcou seu estilo…

Sérgio Mauricio, do SporTV aposta pizzas por qualquer coisa e sempre grita: “No capricho, no capricho, no capricho!”. Enquanto isso, eu recorro ao Rivotril sub-lingual pra não socar o televisor.

O Milton Leite, do SporTV, fica só no futebol e tem seus bordões: “Que beleeeeeza!” e “Agora eu se consagro!”

Dizem por aí que alguns jogadores se sentem ofendidos. Será?

Tem o Luiz Carlos Jr, conhecido como o narrador capslock, pois parece narrar sempre em alto volume. Ele é muito empolgado e sempre termina todas as frases com um sorriso. E volta a falar muito alto! Dizem que ele tem 3 pulmões.

Ele só é superado pelos gêmeos carecas do Esporte Interativo, não é mesmo? Me disseram que os “irmãos” vêm do rádio, portanto imprimem uma dramaticidade necessária ao ouvinte do blaupunkt transistorizado. Ok, mas eu tô vendo que aquela jogada não passa de uma cobrança de lateral. Não adianta valorizar daquele jeito. Estilos, compreendo.

Na categoria dos narradores empolgados também tem o Everaldo Marques, que foi injustamente criticado por chamar Lady Gaga de ridícula.

https://www.youtube.com/watch?v=aM6ix40omyk

Acontece que esse é um bordão do Evê. É um elogio, ele até se explicou no dia.

Nivaldo Prieto da Fox Sports é um perigo. O narrador garanhão trabalha a luz de velas, com um cálice de vinho tinto e vozeirão. Bobear, manda flores pra sua namorada depois do jogo. Evito muito! Aliás, cabe comentar a novidade da Fox Sports que permite desligar a narração. O telespectador fica apenas com o audio ambiente do estádio. Parece que você está vendo o jogo de uma janela. Eu curti isso. Parabéns, Fox Sports!

Temos um narrador muito especial ao nosso alcance. Trata-se de Rômulo Mendonça, mais conhecido pelos jogos da NFL. A boa surpresa veio nas Olimpíadas do Rio. Um mês antes dos jogos, ele foi informado que narraria os jogos do vôlei. Era uma novidade pra ele, que passou esse período estudando escalações dos times que participariam dos jogos. No Thunder Radio Show, questionei se ele havia decorado o elenco feminino da China. Ele não só confirmou, como repetiu ao vivo o time titular e as reservas! Ele teve a sorte e o talento ao seu lado. Virei grande fã dos bordões dele!

Algumas duplas de narradores e comentaristas são especiais e bem sucedidas. Rogério Vaugham e Gerd Wenzel no campeonato alemão é um exemplo. Química perfeita!

Ary Aguiar é outro fenômeno. NFL, NHL, Baseball, basquete, futebol, mas principalmente o Rugby, ao lado do mestre Antônio Martoni. Aprendi a admirar esse esporte graças aos dois!

As voltas ciclísticas narradas pelo Ary e comentadas pelo Celso Anderson, me fazem assistir todas as etapas. Ou gravá-las pra assistir depois. Eu aguardo o início das temporadas da Vuelta de España, Giro d’Italia e Tour de France, ano a ano!

No futebol, acho que Paulo Andrade é dos meus prediletos. Preciso, informativo, bem humorado, sem exageros, muita finesse! Faz duplas no campeonato inglês com Mauro Cezar. Sou torcedor do Liverpool (por causa de uma música do Pink Floyd “Fearless”, do disco Meedle, onde se ouve no final “You’ll never walk alone”). As vezes, vejo os jogos da seleção brasileira com o Paulo, sempre bacana. Essa é a música do Pink Floyd que me fez curtir o Liverpool:

Mas, por vezes, eu sinto falta do Galvão! Dos RRRRRRs dele, das adulações ao Neymar, da bronca que ele tem dos argentinos, dos palpites absurdos, dos erros constantes, aquela pausa que ele parece fazer pra ouvir o ponto eletrônico. Claro que, as vezes, isso tudo enche o saco! Mas eu não resisto a sofrer com ele, um narrador/torcedor desvairado.

Na última transmissão da Fórmula 1 ele cometeu outro erro. Anunciou o “Grande Prêmio do Barão” ao invés de Bahrein.

Ele mesmo emendou: “… hahahaha, essa foi boa! Todo mundo vai escrever!”

Claro, Galvão! Você sabe que muita gente espera pelo seu erro pra poder correr pro twitter e emplacar outro même de internet.

Eu não vejo nenhum dos citados acima substituindo Galvão Bueno. Nenhum deles seria capaz de superar suas qualidades e defeitos. São características dele. Ele é o maior! No que ele é ‘o maior’, é com cada um, claro!

Não se aposenta não, Galvão! Com as novas regras, você vai precisar de mais uns 20 anos pra conseguir os benefícios.

Fica com a gente. Mas se acalma! Tô te achando muito nervoso. Calma, Galvão, você é o maior…

 

*Luiz Thunderbird é músico, apresentador de TV e comanda o Thunder Radio Show, na Central3.

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O Som das Torcidas #105 Ferro Carril Oeste

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El Expreso!

Voltamos à Buenos Aires, mais precisamente no centro geodésico da capital argentina, onde está localizado o bairro de Caballito, que abriga há mais de um século o Club Ferro Carril Oeste.

Saiba como o FCO passou de uma potência poliesportiva na década de 1980 – sendo campeão nas canchas e quadras – e destacado como instituição modelo pela UNESCO ao duplo rebaixamento na virada do milênio, procedido pela falência.

Nesta época, a hinchada seguiu alentando no Estádio Arquitecto Ricardo Etcheverri, popularmente conhecido como Templo de Madera, símbolo da resistência dos tablones à modernização do futebol.

Conheça também os ídolos e rivalidades dos verdolagas, principalmente o Clásico del Oeste diante do Vélez Sársfield que não é disputado desde o Clausura 2000.

Conheça outras arquibancadas através do SDT

Acesse a página especial do podcast e visite também o site com a primeira temporada do Som das Torcidas em vídeo, numa turnê pelos estádios da capital paulista!

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Thunder #143 Isca de Polícia e Chico Barney

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Ao vivo!

Paulo Lepetit, Suzana Salles, Vange Millet e Chico Barney visitaram Thunderbird e Leandro Iamin. Na pauta, história da música e também da TV, muito Itamar Assumpção, BBB e choques de realidades, com pitadas de Brasília, Netflix e pé na estrada. Tudo com música ao vivo!

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Confissões sobre o rei

*Por Luiz Felipe Carvalho

Tenho uma confissão terrível a fazer: eu ouço Roberto Carlos. Não, essa não é a confissão terrível, porque nada diz sobre meu caráter. O que vou contar a seguir, sim, é que me torna um pouco menor – embora o ato de dizê-lo aqui me redima um pouco. Quando tenho um disco do Roberto no carro, e chego em casa, e desço do meu carro para abrir o portão, e o bar ao lado de minha casa tá cheio, é batata: eu diminuo um pouco o volume, de vergonha. Pronto, tá dito.

Embora o que vai escrito acima diga mais sobre mim do que sobre o Roberto, é certo que tem raízes em um preconceito meio geral que existe sobre a música considerada brega. Roberto, aliás, é um dos que menos sofre com isso, já que tem o beneplácito da maior rede de televisão do Brasil, e o epíteto de rei, que lhe traz alguma “dignidade”. Brasil afora, odaires josés, benitos de paulas e outros tantos recebem muito mais os efeitos negativos dessa estigmatização.

Mas volto ao Roberto. A obra que ele construiu junto de Erasmo Carlos, e também todo seu repertório gravado de outros compositores, é uma mansão gigantesca, cheia de cômodos. Justamente por isso sinto uma enorme tristeza quando vejo o artista desperdiçando tudo isso e tocando sempre as mesmas músicas, ficando naquele “quarto e sala” básicos, em seus especiais de final de ano e em seus shows. Dá margem para quem não conhece dizer “porra, esse cara só tem essas músicas!”. É um flagelo. No caso, um auto-flagelo, imposto talvez pela memória falha do músico, que não se lembra de suas próprias letras. Mas também por um comodismo brutal.

Roberto é contratado da Rede Globo desde 1974. Com vitrine garantida, Roberto, com o tempo, foi naturalmente se acomodando. E se acomodar, para um artista, é se aproximar da morte. Roberto ainda gravou grandes discos nos anos de 1970, e bons discos na década seguinte. Mas deixou de se importar com o sucesso, que já era garantido pelo seu empregador, tanto pelo especial de fim de ano como pela veiculação apenas de notícias positivas sobre o astro. Roberto, no jornalismo global, nunca fez nada de errado. Vide a total falta de espaço ao contraditório na cobertura do episódio em que ele processou o escritor Paulo César de Araújo. Ou a ausência, na edição que a emissora fez do filme sobre Tim Maia e que exibiu como um especial, dos trechos que mostram Roberto como um amigo desnaturado, que não ajudou seu antigo parceiro em dificuldades.

Apesar de todo o exposto, eu, como já dito, ouço Roberto. Aliás, desde que estava na barriga de minha mãe, fã com direito a todos (todos mesmo) os vinis do artista. Nasci em setembro de 1980, o que me leva a pensar que minha mãe estava ouvindo o disco lançado no natal de 1979 durante minha gestação. Não é dos meus preferidos. Roberto tinha acabado de se divorciar, e o álbum é bastante melancólico (Freud escreveu algo sobre influências uterinas na formação da personalidade?) . Mas, veja só, contém a música preferida de minha mãe, “Desabafo”, que acho que, no fundo, é o que foi isso aqui. E que o rei não nos leia.

 

*Luiz Felipe Carvalho é jornalista, colecionador voraz de CDs e escreve mensalmente sobre música na Central 3

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Mesa Oval #57 Mauricio Ramos

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Preparação Física!

Um dos preparadores físicos da Academia de Alto Rendimento de São José sentou-se à nossa mesa! Enquanto isso, Virgilio Neto, que esteve em Singapura, entrevistou alguns dos craques da Série Mundial de Sevens. Ainda sobrou tempo para debatermos Lions, Super Rugby e muito mais!

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Judão #73 Mantendo a independência

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O ASTERISCO
Quanto mais independentemente se quer criar conteúdo, mais precisamos falar de nós mesmos — é quase um contrasenso, mas é assim que funciona, seja com filmes, séries, livros, histórias em quadrinhos, podcasts ou sites.

Por isso, nessa semana em que nos dedicamos aos independentes, comemorando 20 anos da estreia de um dos grandes exemplares dessa coisa do “faça você mesmo”, Procura-se Amy, resolvemos levar para o Estúdio Sócrates Brasileiro da Central 3 quem nos lê, ouve e nos apoia financeiramente pra esclarecer dúvidas sobre todo o processo que é manter um site como o JUDAO.com.br no ar, os problemas que enfrentamos, as vantagens que temos.

Foi uma conversa bem legal e, esperamos nós, produtiva pra quem tem interesse de entrar nessa história, com pizza e refrigerante, uma cortesia do Pedidos Já / Pizza Hut que, esperamos, possa se repetir toda semana a partir de agora. ;D

Aperte o play e vem com a gente!

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It´s Time #24 UFC On FOX 24

O UFC On FOX 24, disputado no último sábado, não foi apenas cheio de grandes lutas. O evento ainda estabeleceu o melhor lutador da atualidade no panteão dos gigantes da história do MMA no dia que ele igualou o recorde mais notável do esporte.

Além da vitória do supercampeão Demetrious Johnson, o 24º episódio do It’s Time ainda abordou a queda de Ronaldo Jacaré, a consolidação de Rose Namajunas, o amadurecimento de Renato Moicano e a estreia do candidato a astro Tom Duquesnoy.

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Os tambores da greve voltam a preocupar Hollywood

*Por Renan Martins Frade

Agora você pode, por uma pequena quantia por mês, ter diversos filmes e séries para assistir quando quiser, na hora que quiser, tudo via internet. Esse tal de futuro é legal pra caralho, né?

Mas, saiba você, o seu serviço de streaming por assinatura favorito é uma das questões no meio de um cabo de guerra que pode levar a uma nova greve dos roteiristas nos EUA, bem parecida com aquela de 2007 que, por exemplo, encurtou temporadas de séries como Lost, Breaking Bad, Heroes e Prison Break.

É que o Sindicato dos Roteiristas do Oeste dos EUA (Writer’s Guild of America, West – o WGAW) está, neste exato momento, notificando os seus associados para duas reuniões, uma no próximo dia 18 de Abril, às 19h do horário local (23h no horário daqui) no Sheraton Universal, em Universal City, e outra no Beverly Hilton, em Beverly Hills, no dia seguinte, 19, mesmo horário. Já o Sindicato do Leste (Writer’s Guild of America, East – o WGWE) anunciou que o encontro deles, único, acontece em 19 de Abril, em Nova York, às 19h locais – ou 20h de Brasília.

A partir daí, até o meio-dia no horário do Pacífico do dia 24 de Abril (16h por aqui), todos os membros vão poder votar online e decidir se autorizam ou não uma greve. Isso não significa uma parada instantânea — o sindicato ainda pode usar essa autorização de seus afiliados para barganhar um acordo final. Se a negociação não andar, aí sim, a greve acontece.

Se confirmada, esta será a sexta paralisação dos roteiristas na história – todas ocorrendo em governos de um presidente do Partido Republicano, com as anteriores em 1960, 1981, 1985, 1988 e, claro, a de 2007-2008.

Entre as exigências do WGA, que é a união entre os sindicatos dos dois lados dos EUA, para o Alliance of Motion Picture and Television Producers (AMPTP), que representa a galera da grana, está uma renda maior das produções que vão para o SVOD, ou seja, o streaming por assinatura – justamente o caso de Netflix, Amazon Instant Video e Hulu. Não, não é que essas empresas estejam pagando menos para alguém. — na realidade, elas é que se tornaram grandes fontes de receita para estúdios, distribuidoras e produtoras, principalmente após a queda do DVD e do Blu-Ray. Com uma maior importância do video on demand nesse mercado, o sindicato quer uma maior fatia no bolo para os seus associados. Simples assim.

De acordo com o sindicato, essa mudança no equilíbrio de forças fez com que as empresas de entretenimento lucrassem US$ 51 bilhões no último ano, um recorde, enquanto a renda dos roteiristas caiu 23%. É, de certa forma, parecido com o que rolou na greve de dez anos atrás: os roteiristas queriam receber uma fatia dos lucros com DVD e o que se chamava na época de “novas mídias”, uma vitória que se dissipou com a mudança no mercado de entretenimento que vimos nos últimos anos.

Sim, a internet estava dentro de “novas mídias”, mas agora as temporadas estão sendo muito menores – entre 10 e 13 episódios, contra 20 e tantas que eram, antes, a norma. Como os roteiristas ganham por episódio, as coisas ficaram mais difíceis.

Há outras exigências, como políticas racionais para dispensas por conta de doenças na família, aumento de renda para roteiristas de comédias e por aí vai. Mas a pedra no sapato mesmo, de acordo com o deadline.com, é o plano de saúde – que estaria quebrado.

Atualmente, o déficit desse plano é de US$ 50 milhões. Os empregadores já toparam ajudar a pagar 80% dessa dívida até 2020, mas querem que o sindicato bote a mão no bolso também. Só que o WGA simplesmente não tem esse dinheiro: seria algo por volta de 10 milhões de Trumps, da grana deles, a mais nessa conta. Não é pouco.

Uma solução seria pegar para o próprio sindicato uma fatia dos aumentos que a indústria oferece aos roteiristas, ajudando a quitar esse déficit, mas o WGA não está interessado nessa alternativa.

Em carta distribuída aos associados no final de março – e divulgada pelo Hollywood Reporter – o Writer’s Guild bateu o pé, afirmando que estúdios, distribuidoras e produtoras negaram os aumentos, as férias e ofereceram um pouco mais de ganhos no SVOD. “Eles demandam a adoção de uma medida draconiana na qual futuras deficiências do plano seria compensada por reduções automáticas dos benefícios – e nunca pelo aumento das contribuições patronais”, afirmaram.

Isso tudo deve atrapalhar bastante um acordo – que, aliás, aconteceu, recentemente, com o sindicato dos diretores, que conseguiu aumentar seus ganhos no streaming. O WGA chegou a interromper as negociações na semana passada, retomando o papo nesta segunda (3).

Lá nos EUA, essas coisas de sindicatos e greves, pelo menos na indústria do entretenimento, são sérias. Praticamente todos os roteiristas são filiados ao WGA, que é responsável não só pela relação entre empregados e empregadores, mas também por arbitrar questões como os créditos aos roteiristas, verificar copyright, registrar roteiros e dar benefícios aos associados, como o plano de saúde – que é muito importante num país sem saúde pública e com um atual presidente que quer acabar com a alternativa criada pelo anterior.

Você pode até não ser sindicalizado, mas tá aí um pessoal que não vale a pena irritar.

Ou seja, se os membros do sindicato votam pela greve, todos os membros são obrigados a parar. Séries e filmes com script – basicamente tudo que não é reality show – ficam sem textos e pouca gente tem coragem de furar a greve. Além disso, algumas gravações acontecem com a presença de um ou mais roteiristas, responsáveis por ajustar textos e fazer correções de rota no local, caso algo dê errado (o que acontece muito com sitcoms, por exemplo, quando uma piada não funciona e a plateia no estúdio não ri).

Na última greve, entre 2007 e 2008, teve gente querendo continuar. Scripts foram adiantados no período pré-greve e há sempre a possibilidade de reutilizar textos antigos, entre outras alternativas. Por isso os profissionais filiados ao WGA fizeram piquetes na frente de diversos estúdios. O time de The Office, por exemplo, tentou continuar as gravações nos primeiros dias da greve, mas o astro Steve Carell se recusou a furar o bloqueio na frente do estúdio. Por isso, a série acabou tendo uma temporada com menos episódios naquela oportunidade: 19, contra 25 da temporada anterior.

Já a Disney, na época, contratou fura-greves com pseudônimos para continuar com a produção de scripts de Power Rangers: Fúria da Selva – algo bem alinhado com a postura de seu fundador, diga-se.

Se a nova greve for confirmada nas próximas semanas, esse cenário geral deve se repetir.

A mudança, desta vez, é que a greve tem tudo para ocorrer justamente no período de hiato de boa parte das produções na TV aberta – em 2007, a greve começou em novembro. É um momento no qual não rolam tantas gravações, mas é justamente o momento de definir planos e escrever os roteiros das próximas temporadas. Se a parada for rápida (em 1987, a greve dos diretores durou apenas 3 horas e 5 minutos), talvez alguma pressa depois compense o tempo perdido. Agora, se demorar, a temporada 2017-2018 da TV dos EUA tem tudo para começar bem atrasada.

É bom lembrar que as séries de TV paga e do streaming possuem muito mais importância no mundo de hoje – inclusive se transformando em uma das justificativas da nova greve. Como essas produções não seguem o ritmo normal da TV aberta, o impacto vai variar. Quem deve sofrer, mesmo, é o Netflix, que tem investido muito em séries originais com lançamentos quase que semanais, um planejamento que deve ir pelo ralo – ou que talvez resulte num aumento do investimento em séries internacionais, como já fazem aqui no Brasil e no México.

Outro detalhe é que mais produções atualmente são rodadas fora dos Estados Unidos, por conta de menores custos, inclusive com mão de obra mais barata, já que ficam livres dos acordos dos sindicatos americanos. Aí os resultados da greve vão variar de acordo com o emprego de profissionais dos EUA ou locais.

No cinema, os resultados de uma eventual greve devem demorar um pouco mais para aparecer, já que os roteiros de filmes que ainda estão em pré-produção devem atrasar – afinal, essa mão de obra é basicamente de americanos sindicalizados. Não se espante, por exemplo, se estúdios começarem a desenterrar roteiros anteriormente recusados, no caso de uma longa greve.

Alguns também podem procurar outras soluções, como David Letterman, que era dono da empresa independente que produzia o Late Show With David Letterman e não era representado pela AMPTP, fez em 2007, entrando em um acordo diretamente com a WGA, retornando com o programa logo no início de 2008. Jay Leno e Conan O’Brien voltaram com seus programas no mesmo dia, mas sem roteiristas – e viraram alvos do sindicato.

Algumas outras situações bizarras podem acontecer, principalmente no caso de produtores-roteiristas ou showrunners, que acumulam as duas funções e podem ser integrantes de mais de um sindicato. Como membros do WGA eles não podem furar a greve, mas como integrantes do PGA (Producers’ Guild of America) eles têm que continuar trabalhando e, se as gravações acontecem fora dos EUA, podem se ver obrigados a contratar roteiristas locais.

Independente do momento e das definições, a certeza é que muito dinheiro vai ser perdido se realmente rolar a greve. Da última vez a indústria do entretenimento perdeu ou deixou de ganhar US$ 500 milhões, enquanto Los Angeles viu US$ 1,5 bilhão evaporarem da economia local. É muita coisa. Mas os roteiristas, claro, estão pensando nos ganhos que terão no longo prazo – e na saúde deles e de suas próprias famílias.

O que é bem justo.

Ah, sim: o Screen Actors Guild, o sindicato dos atores, acompanha toda essa movimentação bem de perto. Eles devem ser os próximos a exigir algo dos produtores de cinema e TV – isso com uma “força de trabalho” dez vezes maior que a dos produtores…

Estamos de olho.

 

*Renan Martins Frade é colaborador do Judão

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Zé no Rádio #05 Mário Marra

O Zé no Rádio chegou ao número #05 recebendo Mário Marra, jornalista da rádio Globo/CBN e ESPN. José Trajano, Leandro Iamin e Paulo Junior falaram sobre a encaminhada final do Campeonato Paulista, o desfecho com título do Vasco no Rio, os grandes mineiros, os palpites para Champions League e Copa do Brasil e muito mais: futebol, política, música, efemérides… é aqui, no Zé no Rádio! Ouça, baixe e compartilhe:

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Rodrigo Caio, a Malícia e a Moral

Por Leandro Iamin

Malícia e Moral.

Uma vez um velho desses que figuram a várzea me chicoteou com essa: sabe por que calção de time de futebol não tem bolso? É porque quando você farda, moleque, não interessa sua carteira, sua identidade, dinheiro, você não leva nada pra dentro de campo.

E é isso aí, mesmo, velho, a gente veste um número e uma cor, e mesmo que esvaziem o sentido dos números, cada vez menos camisas 11 e cada vez mais camisas 84 em campo, e por mais que mutilem o sentido das cores, o alvinegro que veste azul e o alviverde que vai de roxo, em campo eu não posso mostrar meu RG para entrar na área nem fazer um gol no débito do meu vermelhinho do Santander. O ideário de que em campo são 11 contra 11, e tudo fica do lado de fora, e você é só um décimo, menos que isso, de um corpo coletivo, deveria estar na lousa de qualquer vestiário de time juvenil.

Que isso de colocar a vida em jogo é balela, quando a gente joga o jogo de bola a gente não joga o jogo da vida, a narrativa é simbólica, a disciplina é simbólica, são regras que emulam em certa medida a vida, você vive debaixo das regras do jogo, formando a barreira ou pegando fila no cartório, mas ainda é o jogo um período de 90 minutos onde você não deve, na verdade não pode, levar para a cerca de cal coisas que estão do lado de fora. O jogo é o jogo.

Arsene Wenger, ainda técnico do Arsenal, diz, no excelente filme Les Bleus, que é um erro acreditar que você paga mais um jogador para que ele te obedeça mais. Na verdade, diz ele, quanto mais você paga, mais você precisa tratá-lo como um milionário. Quanto mais investe, menos valem as regras coletivas, de rotina, treino, convivência, hotel, vestiário, mesa de jantar, horários, alimentação, redes sociais. Em suma, o jogador de ponta do esporte mais popular do mundo nunca ganhou tanto dinheiro em relação ao trabalhador médio, e isso o afasta não só da realidade física deste trabalhador médio, que, por ventura, é o torcedor que banca sentimentalmente tudo isso, mas, sobretudo, afasta sua conduta da trama simbólica que o futebol entrega ou deveria entregar às suas testemunhas.

E essa quem me disse foi quem trabalhou para um zagueiro que, anos atrás, jogou no São Paulo: quando começou a carreira, instruíram o moleque a, nos jogos com tevê, sair de maca uma ou duas vezes. Sabe por quê? Ora, claro, para que ele recebesse close da câmera, aparecesse seu nome no gerador de caracteres da telinha, o telespectador teria contato individual com seu rosto e nome, identificando-o melhor na jogada seguinte. Quem fala uma coisa dessa para um atleta de 18, 19 anos, merece o quê?

No fim das contas, jogador de futebol precisa saber dosar malícia e moral. O código do futebol, para quem joga, pode não parecer, mas é claro. O tal do Fair Play foi uma tentativa da FIFA de controlar uma comunicação que é dos jogadores. Claro que a FIFA esvaziou esta comunicação, atrapalhou o que era resolvido pelos próprios atletas, criou um campo de bondade oficial que expulsou de campo a espontaneidade. Estamos criando os primeiros frutos deste controle charlatão, mas plantando hectares de discórdia a troco de nada.

Malícia e Moral. Rodrigo Caio já cavou falta, já xavecou e pressionou árbitro para obter alguma vantagem, já esperou a maca entrar em campo sem ser necessária tal intervenção. Que não o chamem de hipócrita na próxima vez que usar de algum destes expedientes normais em um jogo de futebol. A régua é deles, o código de conduta se estabelece dentro de campo, não no Twitter. Se achou que o péssimo árbitro Luis Flavio de Oliveira errou feio demais ao dar cartão para Jô, teve a moral de informar, achou que era um erro grosseiro demais para ocultar a realidade, e isso não é nada de tão incrível assim. Provavelmente não faria o mesmo caso Jô chegasse de forma espalhafatosa na jogada, dando pelas imagens em HD a possibilidade de dúvida sobre o tal pisão no goleiro. E estaria tudo bem também.

Não descobrimos ontem que todos os jogadores de futebol são imorais. Não duvide que Rodrigo Caio pode ser bem malicioso quando lhe convier.

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Onde a terra acaba (2002)

*Por Murilo Costa

Como parte da programação do Festival É Tudo Verdade, o Itaú Cultural terá cinco documentários disponíveis gratuitamente por streaming em seu site. Os filmes tratam de artistas brasileiros de diversas áreas, e ficarão em cartaz no site até o final do Festival, no dia 30 de abril. Hoje, 17, a partir das 21h, será a vez de “Onde a terra acaba”, do diretor Sérgio Machado, que aborda a trajetória de Mario Peixoto. O cineasta, responsável pelo clássico “Limite” – presença garantida em praticamente qualquer lista de melhores filmes realizados no Brasil – conheceu a glória já em seu primeiro trabalho, mas nunca mais conseguiu terminar um projeto.

O cinema nacional praticamente inexistia quando Mario Peixoto é enviado para uma temporada de estudos na Europa, em 1928. Isolado em um país distante e castigado pelo frio e chuva incessantes, o jovem se apega à sétima arte como uma forma de fuga. E é em solo inglês que ele assiste pela primeira vez “Metrópolis”, de Fritz Lang. A experiência, em uma sessão lotada o marca da mesma forma que o filme, como registra em seu diário.

Quando retorna ao Brasil e aos amigos, eles se apressam em mostrar a última novidade do país: Humberto Mauro, o maior e mais ambicioso cineasta brasileiro do período, acabara de lançar “Brasa Dormida”. O longa é a mais bem feita tentativa até o momento de se aproximar do domínio técnico e narrativo do cinema europeu.

O rigor excessivo da linguagem e dos enquadramentos estava distante da euforia e criatividade de Fritz Lang. Entretanto, apontava que era possível fazer cinema no Brasil. Com a centelha na cabeça, numa conversa informal com os amigos, sem reais pretensões, Mario Peixoto comenta que gostaria de fazer um filme – e até tem um roteiro rascunhado em seus dias depressivos na Inglaterra. É o que basta para que logo estejam todos empolgados e unidos em torno da ideia.

Os amigos logo se escalam como atores, buscam locações e apontam um possível diretor que, após ler o argumento, diz o óbvio: o próprio Mario Peixoto seria a pessoa mais indicada para conduzir a filmagem de um roteiro tão peculiar.

Empenhado, o grupo consegue até mesmo um encontro com Humberto Mauro, que os encoraja e indica seu parceiro Edgar Brazil para o projeto. O fotógrafo é um dos principais responsáveis pelo sucesso do filme, fazendo todos esforços possíveis pra criar os planos pedidos pelo diretor. Com equipamento profissional escasso no país na época, ele apela para a criatividade e inventa aparatos para substituir os travellings, a grua e até para imitar uma steadycam – que só iria surgir para o mundo muito tempo depois. As imagens de making of, uma raridade resgatada pelo documentário, mostram o seu trabalho incansável em estruturas improvisadas.

A estética de Limite é tão única e adiantada para a época quanto a sua linguagem e tema. Embora muito do crédito certamente seja de Edgar Brazil como operador, é possível supor que quase tudo realmente saiu da mente de Mario Peixoto. Nos filmes seguintes do fotógrafo não há nada tão ousado ou impactante. Sem encontrar compreensão em seu meio, o filme acabou não sendo exibido comercialmente.

Embora toda a historia por trás da execução de Limite seja ótima, o grande trunfo do documentário vem a seguir, quando aborda o filme que lhe empresta o nome: Onde a Terra Acaba.

O longa seria uma nova colaboração de Mario Peixoto e Edgar Brazil, agora com mais recursos. Por trás da empreitada estava Carmen Santos, uma das primeiras e provavelmente a maior estrela do cinema brasileiro da época. Encantada com o que vira em Limite, ela encomendara para o jovem cineasta um filme em que pudesse ter uma personagem forte e interessante. Toda a imprensa da época se interessa no projeto, que já é amplamente divulgado antes mesmo das filmagens começarem.

Do primeiro filme, uma empreitada pessoal e feita a seu jeito, com total liberdade, Mario logo passou a um projeto gigante, precisando lidar com assédio, pressão e o ego de uma grande estrela. Mesmo tendo sido a principal incentivadora do projeto desde o início, Carmen Santos também foi a maior inimiga durante sua realização. Seus problemas pessoais faziam com que precisasse frequentemente abandonar as gravações para viajar ao Rio de Janeiro. E, mesmo quando estava no set, acabava se envolvendo em discussões com Mario – que também chegou a largar tudo por duas vezes, para depois retornar, engolindo o orgulho. Mas a continuidade das brigas tornou a situação insustentável, resultando no abandono do filme.

Com seus vinte e poucos anos, Mario Peixoto tivera seu grande feito ignorado pelo grande público, enquanto seu fracasso fora amplamente noticiado desde o início até o melancólico final. Desenganado com o cinema, exilou-se em uma casa na Ilha do Morcego e lá permaneceu por muito tempo, rodeado apenas por suas plantas e caseiros.

Nos anos seguintes apareceu muito pouco, fugindo da imprensa quando procurado. Mas, já mais próximo do final da vida, percebe-se uma urgência, uma necessidade de se expressar, de tentar de novo. Um amigo tenta emplacar um filme seu pela Embrafilme – mas diz que o próprio Mario acabava sabotando o projeto. Medo do fracasso? É fascinante pensar no que se passava em sua cabeça. Tudo que podia ter sido e não foi. Todas as ideias guardadas, o sentimento de rejeição, a ideia de fracasso.

Em um rápido e incrível trecho, vemos Mario na tela. Ele cede, revela seus pensamentos: descreve uma delirante cena cheia de detalhes, complexa. Sua realização exigiria ousadias técnicas inimagináveis para o cinema brasileiro da época. Será que ele inventaria formas de tornar isso filmável? Ele novamente desafiaria as definições de possível, venceria as limitações e faria uma nova obra-prima? Nunca tivemos a chance de saber.

Se Mario Peixotou não nos deixou em vida mais uma obra-prima, seu material bruto rendeu uma pequena pérola. “Onde a Terra Acaba” é fotografado e montado com uma sensibilidade rara. Não fugindo ao estilo de “Limite”, pega emprestado o lirismo e dramaticidade de suas trilhas e paisagens, e toma a liberdade de adicionar som. Trechos dos diários de Mario Peixoto e observações gerais permeiam o filme, numa ótima narração em off gravada por Matheus Nachtergaele. O material de arquivo é riquíssimo, e os pouco mais de 70 minutos passam rapidamente, mesmo trazendo tantas historias, emoções, aflições e questionamentos.

A CRIATURA QUE SE VOLTA CONTRA SEU CRIADOR

O tema do cineasta engolido por seu próprio filme já rendeu alguns grandes documentários e ficções. É um drama que habita o imaginário de todos profissionais da classe; talvez porque quase todos eles já estiveram bem próximos de situações-limite como essa. Um set de filmagem pode parecer um mundo de magia e fantasia para quem assiste aos making-ofs de divulgação, mas na vida real é mais próximo da definição criada por Samuel Fuller: um campo de batalha.

Há muitos perigos e bombas escondidas nesse campo minado. A batalha pode ser contra egos gigantes – desde o elenco a membros da equipe, ou até do próprio diretor – como vemos em filmes como “A Noite Americana”, de François Truffaut. Em “Oito e meio”, a pressão vem por conta da própria reputação do diretor, que o precede e gera altas expectativas. O bloqueio criativo é outro velho vilão – esse também conhecido pelos escritores – como mostrado em “Adaptação”. A figura mais impessoal e antagônica do Produtor também é um clássico, como em “Assim estava escrito”, de Vincent Minelli.

Se a ficção oferece tantos bons exemplos e grandes filmes sobre o assunto, é o documentário quem nos traz as historias reais – e, por isso mesmo – incrivelmente superiores, ricas e complexas.

Em “O apocalipse de um cineasta” vemos Francis Ford Coppola desafiar a natureza ao tentar recriar o Vietnã nas Filipinas. A luta que se segue é épica, quase levando-o a insanidade. Quando as forças invisíveis dão uma trégua, é Coppola quem se torna o maior inimigo de seu próprio filme, perdendo-se em exageros, invenções, improvisos e horas, horas e mais horas de material gravado. Entretanto, ao final, o diretor vence, mesmo que com baixas: embora picotado pelos produtores, Apocalypse Now é um sucesso.

Já no angustiante “O inferno de Henri-Georges Clouzot”, o título do filme que o cineasta rodava não poderia ser mais condizente com as gravações. Obsessivo e metódico, o francês roda infinitos testes e possibilidades para cada cena. “O inferno é a repetição”, dizem. E Clouzot se enfia em seu próprio inferno pessoal, repetindo cenas e takes sem sair do lugar, gastando todos os recursos a sua disposição, parecendo enlouquecer tanto quanto o seu protagonista. Acossado pelo fracasso iminente e sem saída diante de sua ambiciosidade sem limites, Clozout teve consequências sérias: o desgaste físico e mental o levou a ter um ataque cardíaco. O filme foi cancelado.

*Murilo Costa é cinéfilo, cineasta e integrante da bancada do Central Cine Brasil.

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