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Trivela #81 Força da mente

A Bélgica caiu em Lille para Gales, que agora enfrenta Portugal na semifinal da Euro. No final de semana, Itália x Alemanha e França x Islândia decidem as outras duas vagas. Bruno Bonsanti, Felipe Lobo e Leandro Iamin debateram estes jogos e discutiram a queda belga.

O que acontece com esse time, afinal? Qual o tamanho do fracasso, se é que trata-se de um? O que explica o pouco futebol dos diabos vermelhos? E contra Portugal, os galeses tem reais chances de chegarem à final?

Ouça clicando abaixo e confira o podcast com muito pré e pós-jogo.

 

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Xadrez Verbal #53 Atentados em Istambul

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40kg DE KING JONG UN, CRISE NO MERCOSUL, DESDOBRAMENTOS DO BREXIT

Voltamos ao Oriente Médio para discutir o atentado ocorrido no aeroporto internacional de Istambul, tido como um dos mais importantes do mundo. Quais os possíveis responsáveis pela morte de mais de quarenta pessoas? Por quais motivos? Mais ainda, veremos as relações da Turquia com seus vizinhos após uma semana chave no seu tabuleiro geopolítico.

Ainda sobre o Brexit, confira a repercussão da decisão britânica, inclusive com Escócia e Espanha entrando na discussão, cada uma com sua agenda. Passamos pelo MERCOSUL e as novidades sobre nossa região, revisitando a polêmica sobre passaportes para figuras religiosas. Nos Giros de Notícias vamos dos EUA ao Extremo Oriente, falando da África, de Porto Rico e do peso de Kim Jong Un.

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Os times de usina

Por Leonardo Soares dos Santos*

Qualquer cidade que tivesse mais de 400 mil habitantes e sediasse importantes empreendimentos econômicos, como exploração de petróleo, atividades agrícolas e ampla gama de estabelecimentos voltados ao comércio e setor de serviços, além de uma importância estratégica em âmbito regional, saberia explorar todo esse potencial de modo a incrementar o cenário esportivo do lugar, em especial aquele relacionado ao futebol.

E ainda mais uma cidade possuidora de tanta tradição em termos de futebol, com um passado tão rico, onde desfilaram vários times marcantes, verdadeiras instituições locais.

E mesmo assim, com um passado tão vibrante, o futebol declina cada vez mais nas terras dos Campos dos Goytacazes.

Trata-se de uma tragédia, de algo verdadeiramente indecente, constatarmos o que conseguiram fazer com o esporte – absolutamente sucateado, combalido, no chão.

Praças esportivas, os estádios, cada dia mais decrépitos, corroídos pelo tempo. Clubes sepultados como o Vesúvio, Rio Branco e Municipal.

Os “grandes de outrora”, como Americano e Goytacaz, mal conseguem participar de partidas fora de Campos. E ano após ano declinam dos convites para participar da Copa Rio, no segundo semestre.

O heroico Campos subiu duas divisões recentemente, com uma estrutura montada exclusivamente em razão do esforço abnegado e desinteressado de uns poucos apaixonados pelo clube, e figurará na elite do campeonato “organizado” por Rubens Lopes.

Nas últimas décadas, só o Americano botou a “cara para fora”. E mesmo assim muito por conta de Eduardo Viana, o famigerado “Caixa d’Água”, que reinou durante décadas na FERJ. Com esse notório torcedor do clube, o Mosqueteiro, coincidentemente, pode usufruir de arbitragens distraídas em fazer justiça aos times adversários.

E estamos falando, o que é o principal, de uma cidade de uma intensa e pujante história relacionada ao futebol operário.

Foram vários os chamados “times de usina”, as equipes formadas por ou com funcionários das usinas açucareiras: São João, São José, Cambaíba, Sapucaia, Aliança (Usina do Queimado) e Cruzeiro (Usina de Poço Gordo). A maior parte surgiu entre os anos 1940 e 1950, o que coincide mais ou menos com o auge da economia açucareira moderna.

Tratava-se de times que, mesmo patrocinados por um ou outro usineiro, eram todos organizados pelos operários, não apenas aqueles que trabalhavam no interior das usinas, como os trabalhadores que atuavam diretamente nas lavouras de cana-de-açúcar.

Essas equipes desempenhavam papel importantíssimo como fator de sociabilidade entre esses trabalhadores. Os jogos eram realizados geralmente aos domingos. Mas o jogo era apenas um detalhe: havia os treinos após o expediente (normalmente a partir das seis da noite), as viagens aos campos dos times adversários, o churrasco pós-jogo.

Há toda uma gama de experiências, emoções, expectativas e narrativas sobre esse incrível aspecto da vida social de Campos que ainda precisa ser devidamente estudada. A sua população, a sua juventude, em especial, pouco sabe desse notável passado. Uma pena.

Importante que se destaque: os times de usinas não protagonizaram proezas apenas no campo do amadorismo. Alguns deles obtiveram ao longo de décadas várias conquistas no plano do futebol profissional.

O Aliança, por exemplo, obteve o tricampeonato campista de futebol, nos anos de 36-37-38. E ainda abocanharia o campeonato fluminense em 1936.

O São José, inclusive, acabou sendo o primeiro campeão da “Era profissional” de Campos dos Goytacazes, em 1952.

E décadas depois assistiríamos ao Sapucaia conquistar o campeonato estadual do Rio de Janeiro em 1974 – torneio disputado entre os clubes do estado, porém, sem a presença dos clubes do antigo estado da Guanabara (atual capital), que se fundiria definitivamente ao Rio em 1975. Já os campeonatos, seriam fundidos em 1978 – em outra façanha de um time de usina.

*professor de História na UFF (Campos dos Goytacazes); convidado do Conexão Sudaca #70, a respeito da sua pesquisa sobre times operários na Argentina e Uruguai

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Travessia #24 Bahia

Em nenhum outro lugar do Brasil a confluência entre o branco e o negro gerou tanta coisa boa para a música como na Bahia. Berço do samba e do axé, terra de Caymmi, João Gilberto, Caetano, Gil, Gal, Bethânia e Tom Zé, a Terra de Todos os Santos vai muito além disso.

O Travessia pega carona no feriado chamado de Independência da Bahia, em 2 de julho, para falar sobre a música da região. E traz um convidado especial para um engraçadíssimo bate-papo: o jornalista baiano Franciel Cruz, que sabe tudo sobre o assunto.

Nesta edição, trabalhada por Franciel:

– A Tropicália e o Hino ao Senhor do Bonfim, a melhor aula sobre o que é a chamada “independência baiana”.

– Dorival Caymmi, o cânone absoluto da baianidade, canta a simplicidade da vida do pescador de Itapuã.

– João Gilberto interpreta Caymmi, mostrando que a Bossa Nova é carioca, mas seu criador máximo é de Juazeiro.

– Elomar e a música baiana do interior: a união do sertanejo baiano ao trovadorismo português.

– Maria Bethânia canta Batatinha, o Nelson Cavaquinho soteropolitano.

– Raul Seixas e Marcelo Nova: a dupla fora da árvore genealógica da música baiana negadora dos ícones da baianidade.

– Novos Baianos cantam o santoamarense Assis Valente, um dos compositores favoritos de Carmen Miranda.

– Gerônimo, o ex-Ilê Ayê que contextualizou (e uniu) os ritmos afros de Salvador.

– O soul de Lazzo Matumbi, uma das maiores vozes da Bahia.

– E Rumpilezz, grupo atual que mistura o jazz a outros ritmos, numa releitura de Dorival Caymmi.

Baixe o Travessia: é puro axé.

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Trivela #80 Às armas

O podcast Trivela desta quinta-feira destacou, claro, a classificação de Portugal às semifinais da Eurocopa após passar pela Polônia nos pênaltis: até onde vai essa equipe que empatou os cinco jogos até aqui, mas na fase eliminatória já mandou para casa croatas e poloneses?

A mesa também falou sobre País de Gales x Bélgica, jogo desta sexta que define a outra equipe que vai para a próxima fase. Venha com Paulo Junior, Felipe Lobo e Bruno Bonsanti.

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O Velho Deus

Por Victor Faria

Garboso, esguio, com um traje leve de pano esvoaçante, a sombrinha aberta sobre o ombro e um velho panamá na mão, o senhor Buffon partia para seu singular veraneio em terras francesas.

Tinha descoberto um lugar, um lugar que não teria ocorrido a ninguém de seus próximos; e deleitava-se consigo mesmo, quando pensava nisso, esfregando as mãos nervosas.

Uns na montanha, uns à beira-mar, a maioria no campo: ele, nas catedrais de Montpellier. Por que não? Não é mais fresco que um bosque? E na santa paz que reina, também. Nos campos, os pilares da defesa; aqui, as colunas das naves; lá, à sombra das traves; aqui à sobra do Senhor.

― É, fazer o quê? É preciso paciência.

Já tivera ele, em tempo, glórias em campos internacionais. Mas nunca em veraneios de Eurocopa. A cada retorno, apesar da elegância de graciosos chorões violetas e o intenso tom de azul espalhado em todo esplendor receptivo, a dor de não carregar uma taça, de não trazer pra casa o fruto da conquista.

Restam-lhe, agora, as igrejas do sul da França para veranear e venerar.

― É, fazer o quê? É preciso paciência.

Já há muitos anos em Turim, não conseguira ainda visitar todas as igrejas. Deveria fazer esse ano, como veraneio, mas os planos seguiram maiores, de bravura indômita e luta.

Esperanças, ilusões, riquezas e tantas outras belas coisas havia conquistado o senhor Buffon ao longo da carreira: sua maior qualidade segue sendo a fé em Deus, que era, na escuridão angustiante da existência, como um pequeno lume: um lume que ele, carregando no peito, protegia como podia, com trêmulos cuidados, do gélido sopro de possíveis desenganos. Jogava como que comovido pelo turbilhão da vida, e ninguém se importava mais com o futuro do que ele.

E estava realmente certo disso, Gianluigi Buffon, que Deus o guiava graças àquele pequeno lume. Tão certo, que o pensamento do fim próximo, em vez de angustiá-lo, o confortava.

As ruas, sob o sol tórrido, estavam quase desertas. Todavia para ele havia sempre alguém, um moleque, um cocheiro de estação, que ao vê-lo passar acenava ou dirigia-lhe um gracejo.

Sorria ele também ao gracejo e apressava, quase sem querer, aqueles seus passos, para evitar a tentação de um outro gracejo àqueles ociosos.

― É, fazer o quê? É Preciso paciência.

Ao entrar na igreja designada para aquele dia de veraneio, queria antes de tudo aproveitar a chegada: repousar: E respirava fundo; enxugava o suor; depois, com cuidado, dobrava em quatro o lenço e punha-o na cabeça, assim sobrado, para resguardar-se do úmido frescor.

Alguma rara devota que se virasse um pouco para espiá-lo, ao vê-lo com aquele engraçado chapéu, soltava uma risadinha para si mesma.

Mas o senhor Buffon, naquele momento, sentia-se bem-aventurado, ao respirar aquela umidade com sabor de incenso que estagnava na solene vacuidade silenciosa do interior sagrado; nem lhe vinha a suspeita de que alguém, logo ali, na casa de Deus, pudesse achar graça em rir dele.

Tendo descansado um pouco, punha-se a examinar seus próximos planos, confrontos, como alguém que vá passar nele o dia inteiro. E estudava com amorosa atenção a qualidade adversária, cada um. Parava em frente ao altar, e cada mosaico representava um momento de sua trajetória, cada monumento fúnebre uma batalha, e com olhar estendido logo descobria as peculiaridades do tempo, a escola de seu tempo, as táticas a serem adotadas pela história da Azzurra, se genuína ou deturpada por emendas e retoques de restauros infelizes. Depois voltava a sentar; e se na igreja, como frequentemente acontecia àquela hora naquela estação, não houvesse ninguém além dele mesmo, aproveitava para anotar rapidamente em um modesto bloquinho algum apontamento, dúvida ou impressão.

Satisfeita assim a primeira curiosidade e cumprida a tarefa a que tinha se proposto, tirava do bolso algum livrinho de leitura amena, que pela dimensão podia parecer um livro de preces, e punha-se a ler. De tanto em tanto levantava a cabeça para recapitular ou imaginar diante dos olhos a cena descrita pelo poeta. E com aquela leitura de livros profanos não temia ofender a casa do Senhor. Segundo seu próprio modo de ver, Deus não podia desgostar das coisas belas criadas pelos poetas para inocente delícia dos homens.

Cansado da leitura, com os olhos fixos no vazio e roçando o indicador e o polegar das duas mãos, abandonava-se às próprias fantasias ou às lembranças dos jogos perdidos. Às vezes, quando assim fantasiava, absorto, avistava diante dele algum busto que parecia estar ali espiando todos na igreja.

― Oh! – fazia então, balançando a cabeça com um sorriso. ― Sorte tua, amigo meu. È bom ser só memória?

E levantava o olhar de novo para ler na inscrição fúnebre o nome daquele santo, depois tornava a sentar e conversar com o busto mentalmente.

Aqui estamos, meu caro! Pena que não seja permitido a mim encerrar minha jornada num lugar como esse. Mandaria cavar aqui as luvas que me acompanharam por tanto tempo. Parece-me um bom lugar pra que elas descansem. Tens cara de bom homem e é certo que cuidaria bem de meus bens. Parece-me que repousa melhor na casa de Deus. Este bom cheiro de incenso; e missas e preces todos os dias. No campo, pra ser sincero, chove.

A aposentadoria, porém, mesmo quando só em campo, é um tipo de libertação; porque no campo, mais do que para vencer, duramos para preparar-nos para lutar sem medo. Prêmios para depois de abandonar os campos não esperava; bastava-lhe levar consigo, do primeiro ao último passo, a consciência tranquila de sempre defender os seus por vontade própria. Conhecia as dúvidas tenebrosas acumuladas pela ciência do jogo como tantas nuvens negras sobre a luminosa explicação que a fé nos dá sobre o jogo, seja baseado em antigos relatos, seja por tê-las quase respirado em campo; e lamentava que o Deus de seus dias não pudesse mais ser aquele que em seis dias criara o mundo e o sétimo repousara.

Naquela manhã, ao entrar na catedral, ficara maravilhado com o aspecto do sacristão, um velho bonito extremamente barbudo e cabeludo, orgulhoso daquela barba lanosa e daquela cabeleira partida ao meio, descendo sobre os ombros em ondas desgrenhadas. O corpo atarracado, curvo, caído, parecia penar para sustentá-la, com todo aquele volume.

Ora, o senhor Buffon, enquanto refletia sobre sua carreira e eventual despedida, considerando amargamente os mesquinhos proveitos da alma nesse exaltado século, tendo dirigido o pensamento ao velho Deus da intacta fé dos padres, pouco a pouco adormeceu. E eis que aquele velho Deus, no sonho, aparece-lhe, curvo, caído, sustentando com dificuldade sobre os ombros a cabeça enormemente barbuda e cabeluda do sacristão da igreja; sentou-se ao seu lado e logo começou um desabafo, como fazem os velhinhos sentados na mureta em frente aos asilos:

― Maus tempos, meu filho! Vês como acabei? Fico aqui tomando conta dos bancos. De tanto em tanto, alguém. Mas não entra por Mim, sabes? Vem visitar os afrescos, os monumentos; até subiria nos altares para ver melhor as imagens pintadas! Maus tempos, meu filho. Ouviste? Viste os absurdos dos novos tempos? Eu, o Padre Eterno, não fiz nada: tudo fez-se por si, naturalmente, pouco a pouco. Não fui Eu que criei primeiro a luz, depois o céu, depois a terra e todo o resto, como haviam te ensinado nos teus verdes anos. Qual o quê! Não tenho mais nada a ver com isso, eu. As nebulosas, a matéria cósmica… E tudo fez-se por si. Faço-te rir: teve um, até, um certo cientista, que teve a coragem de proclamar que, tendo estudado o céu em todas as direções, não achou vestígio algum de minha existência. Dize: consegues imaginá-lo, este pobre homem que, armado de seu telescópio, empenhou-se em verdade em caçar-me por todo canto, quando não me sentia dentro de seu próprio coração? Eu riria com vontade, meu filho, se não visse os homens cometerem tamanhas bobagens. Lembro bem de quando Eu mantinha todos em um terror sacro, falando-lhes com a voz dos ventos, dos trovões e dos terremotos. Agora não me temem mais: explicaram o fenômeno do vento, da chuva e todos os outros fenômenos, e não dirigem mais a Mim para alcançar graça. É preciso que eu me resolva a deixar a cidade e me limite a ser o Padre Eterno no campo; lá ainda vivem, não digo muitas, mas um certo número de almas ingênuas de torcedores, para quem não se move uma bola se não for essa minha vontade, e ainda sou Eu que faço o bom e o mau tempo. Força, força, vamos, filho! Tu também estás meio mal, aqui, percebo. Vamos embora, vamos para o campo, em meio à gente temerosa, em meio à boa gente que trabalha.

A essas palavras, o senhor Gianluigi Buffon, no sonho, sentia-se apertar o coração. O campo! O seu anseio! – via-o como se lá estivesse; respirava seu ar balsâmico – quando, de repente, sentiu-se chacoalhar e, abrindo os olhos, atordoado, oprimido por tal estupor, viu diante de si, vivo e respirando, o Padre Eterno, ele mesmo, que ainda lhe repetia:

― Vamos, vamos lá…

― Mas é há muito que… – balbuciou o senhor Buffon, com os olhos esbugalhados, aterrorizado de seu sonho real.

O velho sacristão chacoalhou as chaves:

― Vamos! O jogo já vai começar.

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Aonde estão os imortais?

por Gabriel Brito, do Conexão Sudaca

“Não se deve jogar futebol para ganhar, mas para que lembrem de você”, disse certa vez Sócrates, em uma das inúmeras respostas dadas a quem lhe perguntava sobre os valores da democracia corintiana e a compreensão de sua própria carreira de jogador.

Pois bem. Em um mês onde tragamos futebol por todos os poros com a dobradinha Copa América e Euro, fica a sensação de que os grandes jogos e exibições rareiam cada vez mais. O texto reflete um pouco as discussões com família, amigos, jornalistas e papagaios que acompanharam o combo de jogos que ainda nem teve fim.

Após o bicampeonato chileno em New Jersey e o drama em torno da frustração de Messi, a discussão sobre o desempenho dos chamados supercraques do futebol atual ganhou corpo.

Introdução

Hoje, a Europa concentra os principais jogadores num punhado cada vez menor de clubes, o que tem tornado a própria Champions League um torneio de desfecho cada vez mais repetitivo. Aparentemente, consequência natural do mesmo processo verificado nas ligas nacionais na transição para este século.

Os clubes mais ricos são praticamente transnacionais, com alto grau de capitalização e poder de compra incomparável para os trópicos. Com muita mídia e publicidade, convenceram o mundo de que futebol de qualidade só se joga por lá e o resto é resto.

Nos primórdios da globalização do jogo, elogiava-se o fato de que na Europa ainda se mantinha o hábito de o jogador passar a maior e melhor parte da carreira no mesmo clube. Isso não existe mais. Um Suárez faz uma temporada brilhante no Liverpool e logo vem o Barcelona pescá-lo para seu superelenco. Os clubes holandeses sumiram do mapa dos títulos. Um dos motivos pelos quais o Arsenal tanto fracassou em grandes desafios se deve ao fato de ter vários jogadores pinçados por milionários de ocasião. E não faltariam outros exemplos.

Desse modo, os grandes atletas ficam rodeados de outros grandes atletas que, ainda que menos brilhantes, conformam um esquadrão que passa 80% dos jogos da temporada amassando adversários sem alternativa, a não ser se defender alucinadamente pra tentar pintar uma zebra na tabela.

“Num elenco com 20 caras ganhando 1 milhão por mês ninguém precisa mesmo chamar a responsa, ninguém precisa ser ‘O cara’. Cada um faz sua parte e vê o que dá no fim, sendo mais provável ganhar naturalmente”, me resumiu certa vez o colega de Central3 Paulo Junior.

Outro ponto necessário de lembrar é que a Liga nem é tão dos Campeões. Messi e Cristiano Ronaldo nunca passaram um ano sem jogá-la, ao passo que até o início dos 90 só o campeão nacional se classificava. E as restrições aos estrangeiros limitavam as compras de qualquer clube, por mais rico que fosse.

Nos célebres campeonatos italianos vencidos pelo Napoli, os craques da época se espalhavam. Juve, Torino, Inter, Milan, Samp se emparelhavam muito mais, na bola e nas compras. Querem coisa mais impensável do que Zico migrar pra Udinese? Nos demais centros, a mesma tendência. Assim, é até feio alguém argumentar que Messi ou qualquer outro ganharam mais ligas que Maradona.

O papel das seleções

Nas seleções, a coisa muda de figura. Cada um vai pra seu país, as forças se diluem e o equilíbrio é um pouco maior do que na maior parte dos jogos dos principais clubes.

Aí entra outra pegadinha: os mesmos donos da bola criaram o mito de que hoje em dia não é mais na seleção o lugar onde se prova quem é craque com passaporte para a eternidade. Se fizer na Champions League, já vale (na Libertadores, não, só pra não deixar faltar o carimbo colonial).

O detalhe é que hoje em dia as seleções jogam muito mais do que antes. Se após o Maracanazo o Brasil levou mais de dois anos pra voltar a campo, depois do 7 a 1 não se esperou mais de 45 dias para o compromisso seguinte. Foram seis partidas somente no segundo semestre de 2014. A estreia na Euro contra a Ucrânia foi a vigésima partida dos alemães após o tetra no Maracanã.

Outro ponto “fantástico”: ao mesmo tempo em que se tira o peso da história escrita com as seleções, vendem-se recordes nas mesmas: Neymar se enche de gols em amistosinhos chinfrins e está quase “superando” Zico, Romário, Ronaldo… Cristiano toma o recorde de Eusébio por Portugal, Guerrero suplanta Teófilo Cubillas, Klose passa Gerd Müller… Quer dizer, na hora da boa e rentável notícia, seleção vale, e muito.

Aqui, defendo que os grandes torneios, em especial a Copa do Mundo, continuam sendo a melhor “bienal do futebol”, em termos de atualizar a todo o público terráqueo em que pé está o jogo bretão, suas últimas novidades e tendências, quedas e ascensões.

Desce-se do pedestal da meia dúzia de bilionários que mandam no centro do futebol e espalham-se os melhores por diversas equipes nacionais, menos rodeados de coadjuvantes de alto garbo. Seria lugar ideal para realizarem atuações individuais que comprovem sua superioridade frente aos comuns.

No entanto, não é o que vemos ocorrer, nem na França e nem nos Estados Unidos. Cristiano aceita passar um jogo enfiado entre torres islandesas, deslocando-se pra fora da área apenas nos últimos dez minutos; Lewandowski não fez nenhum gol em quatro partidas pela Polônia; Neymar não fez nada especial em duas Copas América etc. etc.

E, por mais que queiram nos encher a barriga com Barcelona, Real Madrid e Bayern, continuamos saudosos das glórias da camisa amarela; o argentino quer um título da albiceleste; o polonês prefere que Lewa faça milagres pela sua seleção; o portuga quer o mesmo de seu CR7. A tese é: para a imortalidade do futebol, ainda são necessárias façanhas em nome de sua gente, de sua aldeia. Mas, como mencionado pelo Pedro Buccini em texto anterior, tudo parece um grande Rotary Club a proteger seus sócios.

Enquanto nada estupendo é jogado nas competições em tela, temos uma mídia que viaja para o exterior e desfruta da proximidade com os astros – com a Broadway, como diria Fernando Toro e seu Futebol Urgente – e caça variadas desculpas pra justificar a falta de brilho na hora agá. “Evolução tática” é a nova muleta pra explicar a infinidade de joguinhos que mais lembram um handebol sobre a grama na atual edição da Euro.

Conclusão

Talvez, eles não sejam tão geniais assim. Não deveria doer admitir. Mas logo me vem à mente uma propaganda da Copa de 2014, com as atrações da vez ao lado dos maiores de todos os tempos de seus países, e entendo a incapacidade de crítica.

Estamos diante de uma mídia que há muito derrubou o muro que separava o departamento jornalístico do comercial. A mudez da corneta nada mais é do que a proteção do próprio produto que se vende e precisa dar retorno. É simples: que me perdoe Messi, até porque torci muito para aquela bola aos 2 minutos do segundo tempo contra a Alemanha deslizar pelo cantinho da rede, mas não basta um calhamaço de números e recordes para explicar a imortalidade. Para o torcedor, futebol é uma experiência sentimental, sensitiva, emocional, afetiva, comunitária, uma abstração da aridez da vida real. O mundinho dos especialistas e suas toneladas de fatos e dados não nos acrescenta nada de… concreto.

É preciso fazer partidas transcendentais em ocasiões igualmente transcendentais para ganhar um cantinho no grande panteão que cada coração carrega em si.

Leitura recomendada:
O espelho de uma geração

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Trivela #79 Olimpíada e quartas da Euro

O podcast Trivela desta quarta-feira viajou bastante: começou com a convocação da seleção brasileira que jogará as Olimpíadas e foi até a Eurocopa para analisar o momento do futebol inglês e a abertura das quartas de final, já que Polônia x Portugal se enfrentam nesta quinta.

Felipe Lobo, Leandro Iamin e Paulo Junior falaram da lista do técnico Micale e da expectativa para o mata-mata na França – o podcast Trivela, aliás, segue diário até o fim da Euro.

 

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Jubileu de Pérola

Por Pedro Pereira Buccini

Eu estava na cozinha de minha casa, o refúgio de um adolescente sem quarto, apesar de precisar andar curvado, pois o teto era mais baixo do que eu. Horas antes a Itália conquistara, nos pênaltis, a Copa do Mundo de 2006. Lá refleti pela primeira vez algo que martela em minha cabeça desde então: nunca havia visto uma final de Mundial com três gols em que as duas seleções marcaram. O copo meio vazio de Berlim, que testemunhou um placar de 1 a 1, não me satisfez.

Duas finais depois, dois “oxos” no tempo normal, cada qual com seu gol chorado na prorrogação consagrando duas seleções que não tinham um craque que nos eclodisse em sorrisos ou murros com sua rebeldia, e a situação só piorou. Duas campeãs mundiais que mais incomodam pelo repertório blasè do que por um estilo sanguíneo que, obviamente, arrebata corações para o bem e para o mal – como a própria Azzurra de 2006.

Obviamente estas as finais de 2010 e 2014 não preencheram os dois critérios que matutei naquela madrugada em 2006, que sejam a) três gols em uma final; e b) com as duas seleções anotando. Se formos pensar em todas as competições importantes de seleções – esqueçam a Copa das Confederações – a última vez que se saciaram estes dois componentes foi no cardíaco título brasileiro na Copa América de 2004, no Peru. Eu sei que o Brasil devastou por 3 a 0 a Argentina em 2007, na Venezuela, e a Espanha humilhou com um 4 a 0 a Itália, em 2012, na Ucrânia. Mas só uma das seleções marcou gols nessas decisões, assim como a França em 1998.

Em termos mundialistas, a última vez que uma final atendeu estes dois critérios foi na vitória argentina, comandada por Maradona, por 3 a 2 contra a Alemanha, no México. Detalhe importante: TODAS, repito, TODAS as finais de Copa do Mundo até 1986 atendiam estes dois critérios e nenhuma depois conseguiu atendê-los. Ou seja, nas treze finais mundiais entre 1930 e 1986 houve ao menos três gols e as duas equipes marcaram; nas sete seguintes isso nunca mais aconteceu.

O que torna aquela decisão, que hoje completa 30 anos, um marco definitivo entre o futebol romântico e o “futebol moderno”. Foi a última Final com F maiúsculo, o último tango mundialista do esporte bretão. É como se o futebol se despedisse naquela tarde ensolarada da Cidade do México, em pleno Estádio Azteca, deixando gerações órfãs de sua passionalidade em seu principal palco: a derradeira partida da Copa do Mundo, aguardada pelos quatro cantos do planeta durante quatro longos anos.

E que despedida, amigos! A Argentina já tinha feito de tudo naquela edição, em especial no mágico dia de 22 de Junho contra a Inglaterra, pelas quartas-de-final, mas obviamente nada valeria sem a taça – viu, Messi? E depois de abrir 2 a 0, nossos hermanos permitiram o empate alemão em duas cobranças de escanteios. Mas faltando sete minutos, um passe genial de Maradona para arrancada ávida de Burruchaga rumo ao gol libertador e enlouquecedor definiu o bicampeonato argentino diante de 115 mil torcedores! O canto do cisne do futebol.

A partir dali tudo mudaria. A placa subiu e as três substituições aconteceram, pouco a pouco: o pragmatismo entrou no lugar da transpiração, a razão tomou a posição da emoção e o drible foi substituído pela velocidade. Nisso, as inversões se tornaram inevitáveis: os técnicos se tornaram mais importantes do que os jogadores; a técnica e arte precisaram se adaptar aos esquemas táticos que antes apenas tinham como função expandi-las; os telespectadores são a prioridade; 40 mil presentes é um ótimo público; ações de marketing moldam a cultura torcedora, antes espontânea; o clubes, antes associações, hoje são empresas; o mercado tomou totalmente o lugar da paixão e os lucros são tão ou mais comemorados do que gols e títulos; e as seleções, outrora a essência do grande futebol, são hoje o reflexo de sua mediocridade.

No Jubileu de Pérola da “última Final”, aguardamos que o futebol volte de seu período sabático ou saía da UTI em que se encontra. Sonhamos que a partir da próxima decisão mundialista não precisemos sentir saudade de tudo que ainda não vimos com a triste impressão de que este texto, com pequenas modificações burocráticas, cairá como uma luva para os sentimentos que nutriremos na noite de 15 de julho de 2018.

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O Som das Torcidas #82 Belgrano

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El Capo Cordobés!

Em 2011, o Club Atlético Belgrano surpreendia a todos ao bater o River Plate na Promoción, voltando à Primera após quatro temporadas de ausência. A data (26 de junho) do feito é celebrada desde então como o Día del Hincha de Belgrano.

Aproveitando os 5 anos da efeméride, conheça mais sobre a hinchada que se divide entre o Estádio Mario Alberto Kempes e o Gigante del Alberdi, localizado ao lado do Hospital das Clínicas, epicentro da Reforma Universitária (1918) e do Cordobazo  (1969), dois eventos políticos centrais do século passado na Argentina.

Ainda no campo historiográfico argentino, saiba quais as razões pela escolha do nome e cores do clube, fundado em 1905, ao som do cuarteto, ritmo tipicamente cordobês, cujos dois maiores expoentes La Mona Jimenez e El Potro Rodrigo declararam publicamente seu amor aos Piratas!

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Judão #35 Antonio Tabet e Gregório Duvivier

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Vitalício!

E neste momento em que as esperanças parecem se renovar quanto ao futuro da DC nos cinemas, tivemos que obedecer ao nosso contrato com a Marvel e não falamos sobre o assunto na edição de número 35 do nosso programa outrora conhecido como podcast. É. Paciência.

Maaaaaaaaaaaaas.. evocamos um outro contrato, este vitalício, e recebemos no Estúdio Sócrates Brasileiro da Central 3 a dupla Antonio Tabet e Gregório Duvivier, diretamente do Porta dos Fundos, para falar sobre o longa-metragem do grupo que chega aos cinemas brasileiros esta semana.

Mesmo de longe, o Borbs mandou uma pergunta que mais parecia um monólogo, envolvendo uma apertadinha cheia de amizade nos peitos da Fernanda Paes Leme (e com total consentimento dela, leia-se).

Do lado de cá do Equador, Renan e Cardim comandaram um papo que passou por Batman, Wolverine, um polvo, uma voz no Waze, uma reunião que é mais séria do que você imagina, gravações que são mais zoadas do que você sonha e até uma pergunta fatídica sobre humor…

Escuta aê!

Links:
Antonio Tabet em uma entrevista sobre cu
O Grande Gonzalez e uma Fox jogando pros dois lados
E por falar em friendzone…

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