Raíces de América II

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Por Marcelo Mendez

Como bem escreveu Eduardo Galeano “somos aquele povo que existe, embora o mundo não perceba isso. E como tal nossa existência está os nossos amores, nossas paixões, nossas fúrias, nossas idiossincrasias.”

É o nosso jeito sudaca de ser.

E nada, absolutamente nada no mundo retrata esse jeito nosso tão bem quanto a Libertadores da América. Para tal constatação voltemos ao ano de 1983.

Era aquela fase em que as mocinhas aqui no Brasil se encantavam com as madeixas de Antonio Fagundes no seriado Malu Mulher, em que a banda Blitz estourava nas rádios com o hit “Você Não Soube Me Amar” – algo parecido com o rock n roll – e um inglês simpático chamado Ritchie apresentava sua “Menina Veneno”.

Cá do meu lado, além do programa de filmes de pornochanchada da Record – afinal eu já tinha 13 anos – de nome Sala Especial, tinha o futebol que me tomava as horas do dia e dos pensamentos. Naquele ano, vivíamos a ressaca do Mundial de 1982 e a derrota para Itália. Nossa auto-estima ludopédica, baixa, no pé, clamava por algum alento e este estava vindo através do Grêmio que chegou ao triangular semifinal da Libertadores daquele ano, ao lado dos colombianos do América de Cali e os argentinos do Estudiantes de La Plata. Do outro lado da chave, os gigantes uruguaios, Nacional e Peñarol, e a surpresa venezuelana, Atlético San Cristóbal.

Faltando duas rodadas, o Imortal precisava de três pontos para se classificar à finalíssima (lembrando que naqueles idos a vitória valia apenas dois pontos), nas quais visitaria o León na capital da província de Buenos Aires e receberia o Diablo em Porto Alegre.

8 de Julho de 1983, A Batalha de La Plata

Uma partida de Libertadores de América começa muito antes da bola rolar. Era uma época tensa, a Argentina em crise por conta da desastrosa atuação populista de sua agonizante ditadura, que mandou centenas de jovens argentinos para lutar uma guerra já perdida pelas Malvinas, recolhia seus cacos naquele inverno. Para acirrar ainda mais as coisas entra uma reportagem do Zero Hora de 24 de Junho de 1983.

Para encher de orgulho esse velho jornalista que vos redige essa matéria, o companheiro Fernando Gomes deu um flagrante um ano antes sobre aviões ingleses pousados na base aérea de Canoas em pleno conflito nas Malvinas. Após um tempo de apuração vem a matéria e surge a hipótese do Brasil servir de entreposto Britânico durante o conflito. A coisa se acirrou.

Tanto que o porta-voz do Itamaraty, conselheiro Bernardo Pericas Neto, teve que vir a público e na ocasião declarou que: “o governo brasileiro reafirma que não servirá de base para o transporte regular — aéreo ou marítimo — entre o Reino Unido e as Malvinas. Somente em emergências ou casos excepcionais, de caráter humanitário, são concedidas autorizações para que aeronaves britânicas, que cumpram a rota em questão, toquem em território brasileiro”.

Do lado britânico, o embaixador inglês, Tony Lowgrigg, confirmou que. Ocasionalmente, aviões Hércules obtêm permissão para reabastecer no Brasil, o que é normal na prática internacional”. Ainda fez questão de frisar que jamais estes aviões pousaram no Brasil transportando armas, materiais bélicos ou tropas inglesas”.

Seja lá como for, nessa altura do campeonato o bambu quebrou no meio e a marimba comeu, como se diz no Parque Novo Oratório. A reportagem repercutiu, pesou, e no dia do jogo, uma sexta-feira gelada, tomados por esse sentimento de uma hipotética traição da parte do “nosso” governo, os hinchas do Estudiantes tornaram o clima no Estadio Jorge Luis Hirschi péssimo, um inferno e uma panela de pressão pronta para explodir.

O Grêmio jogaria pela sua história e não jamais deixaria passar a chance de ir para a final da Libertadores. Para discorrer sobre este episódio chamei um gremista apaixonadíssimo para me ajudar; Milton Jung, jornalista e apresentador da Rádio CBN, nos conta como foi:

“Nosso campo sempre foi o Pampa que se estende além das fronteiras do Rio Grande. E se o co-irmão (Internacional) havia conquistado antes o Brasil, só nos cabia superá-lo no Continente. E esta façanha se concretizava naquele ano de 1983. A Libertadores era um sonho que poucos se davam o direito de sonhar. E acreditar. Nós acreditávamos.”

Dessa forma, tivemos um jogo. Ou quase…

Para se ter ideia da pressão, o árbitro do jogo, o uruguaio Luis La Rosa, logo no sorteio antes de começar a peleja deu cartão amarelo para o atacante Marcelo Trobbiani. E o pau comeu, torcida brasileira!

Empurrado por uma hinchada furiosa, com algumas trombadas o Estudiantes até que dominou o começo do jogo. No entanto, o Tricolor que contava com um timaço, formado por feras como Osvaldo, Tarcisio, Caio, Tita, Hugo de León e Renato, passou a tocar a bola e dominava as ações da partida. Isso começou a enervar os locais e aos 23 minutos o volante China foi esmurrado por Miguel Ángel Russo. Mais adiante, o jogador agredido cometeu falta em Trobbiani. Revoltado, o atacante se levantou e China apanhou novamente, recebendo o segundo cartão amarelo.

Foi o começo do caos no cruzamento das ruas 1 e 57. Gritaria, invasão de cancha e José Daniel Ponce, empurra o apitador que também o expulsa. Jogo interrompido e o Pincha com 9 em campo aos 30 minutos do 1º Tempo. Em circunstâncias normais o Grêmio teria tudo para levar esse jogo numa boa. Mas, novamente, falamos de La Copa, meus caros…

A partir desse lance a loucura se instaura em La Plata. O Estudiantes se lança a frente, atacando freneticamente e se defendendo na base da pancada!

Em meio a toda pancadaria e munidos da total privação de sentidos e lógica o León consegue sair na frente com um gol de Sergio Gurrieri aproveitado uma falha da zaga gremista. Na raça, o Grêmio conseguiu empatar o jogo no final da primeira etapa com um gol de Osvaldo.

No bairro Menino Deus, em Porto Alegre, o então estudante de jornalismo Milton Jung, de 19 anos, acompanhava a coisa toda pelas vozes da Rádio Guaíba:

“Foi um sofrimento diante do aparelho de rádio, pois desde o início da partida se ouvia a descrição da barbárie que se transformara o Estádio Jorge Luis Hirschi, em La Plata. As informações chegavam com o chiado das transmissões internacionais da época e eram as mais dramáticas possíveis. Sofri com o primeiro gol deles e chorei de raiva quando soube das agressões.”

O ápice dessa loucura vem com o intervalo do jogo. Rapidamente o time gaucho vai ao vestiário e a porta é trancada, enquanto os seguranças do Tricolor matinha a coisa na raça e no braço. Barulhos eram ouvidos durante a preleção e dado momento, o técnico Valdir Espinosa se vê na iminência de arrumar o setor ofensivo e nota:

“Cadê o Caio?”

Pois é, os barulhos na porta eram do atacante tentando entrar no vestiário. No meio do caminho, ele foi interceptado por um grupo de argentinos e se lascou.

“Os dois times entravam pelo mesmo lugar e o Caio acabou ficando para trás. No caminho ele foi pego e apanhou demais, foi surrado e se machucou muito. Tive que tirá-lo, pois não tinha a menor condição de ele voltar para o 2º Tempo” Relembra o técnico Valdir Espinosa.

Baita clima para a etapa complementar, mas aí veio o castigo.

César, que havia entrado no lugar Caio, vira a partida para os visitantes e pouco tempo depois, Renato deita em cima da zaga pincharrata para fazer 3 a 1. Antes de ter tempo para sentirem-se derrotados, Renato resolve jogar um tantinho de gasolina em cima do barril em chamas que se transformou a cancha.

O camisa 7 tricolor se dirige à torcida da casa e com um gesto os manda calar a boca. Oras,  se informado fosse, Renato haveria de saber que tudo que um hincha argentino não faz durante um jogo é ficar quieto…

A hinchada imediatamente reage, gritando, vociferando, cantando o nome do time. Em campo, os jogadores locais partem para cima de Renato, a porrada come e na confusão, o bandeira Ramón Barreto leva uma tijolada na cabeça e cai desmaiado no chão. Uma balburdia!

Em meio à confusão, Julián Camino é expulso. Recomeçando o jogo, quatro minutos depois, Hugo Tévez acerta Renato com gosto e o corajoso árbitro também o expulsa. Nova confusão! Campo invadido, ameaças e pasmem; a partida continua e entra para a História.

Com sete jogadores em campo, o Estudiantes não se achica. Consegue reduzir a vantagem gremista novamente com Gurrieri. A partir daí o León joga a vida. Contando com a conivência do árbitro – agora, compreensivelmente, já não mais tão corajoso assim – que invalida gol legitimo de Osvaldo, os argentinos param o Grêmio na porrada e atacam como se fosse o último jogo de suas vidas. Heroicamente, faltando 4 minutos para o final do tempo regulamentar, Claudio Gugnali empata a partida, na qual a equipe local contava com apenas 7 jogadores.

O senso comum no Brasil era de que o Grêmio empatou aquele jogo para sair vivo de La Plata. No entanto, a mais leve insinuação que de uma facilitação poderia ter acontecido é tida – com razão – como uma afronta ao Imortal:

“Jamais me passou pela cabeça que o Grêmio tenha entregado a partida para sair vivo de campo. Falou-se muito disso, mas nunca enxerguei assim. Lá na frente do rádio, o placar, mesmo com a superioridade no futebol e no número de jogadores, dava a noção clara de tudo que o time estava enfrentando. Eles não tinham quatro jogadores a menos, tinham uma nação dentro de campo, protegida pela polícia e por bandidos armados. O que meu time fazia era heróico, por incrível que possa parecer. Verdade que eles também, do jeito deles, foram heróis. O feito e os defeitos de La Plata apenas reforçavam a paixão que eu tinha pelo Grêmio. Eu e a nossa nação: a gremista. Estávamos lá apenas forjando nossa personalidade: da Imortalidade. O que nos fortaleceu para conquistar o título sul-americano” Opina Milton Jung e ele tem razão.

La Plata

Após a “Batalha de La Plata” o Grêmio venceu o América de Cali, no Olímpico, e semanas depois, venceria o Peñarol no mesmo campo em uma final épica para sagrar-se campeão da Libertadores daquele ano.

 

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