Retornos e finais. Amor e desilusão

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Nas últimas semanas, com os holofotes voltados para o retorno de Tévez à cancha sagrada da Bombonera, a história de Marcell Jansen ficou ofuscada.

O defensor, que acumula 45 aparições pela seleção alemã, decidiu se aposentar aos 29 anos apesar de ainda ter condições físicas e técnicas para jogar em alto nível, a famosa “lenha para queimar”: “Nos últimos anos, eu me apeguei emocionalmente ao Hamburgo. Continuarei vivendo na cidade e amarei esse clube para sempre. Eu não quero mentir ou enganar torcedores de outros times. Eu não posso subitamente beijar outro escudo”.

São dois casos similares que ecoam diretamente no coração dos torcedores brasileiros. Emocionados, nós gritamos: “O futebol respira” e mentalmente remontamos aos jogadores especiais que nos lembraram que o amor por um clube pode suplantar o desejo incontrolável por bens materiais.

Juninho Pernambucano voltou ao Vasco da Gama por um salário mínimo, Verón levantou o caneco mais cobiçado das Américas em um final de carreira épico pelo Estudiantes de La Plata (clube que ele preside hoje em dia), Riquelme atuou uma temporada no modesto Argentinos Juniors e Diego El Príncipe Milito presenteia a ensandecida hinchada do Racing a cada jornada.

O retorno dos ídolos no final de suas trajetórias quase sempre repercutem positivamente, embora alguns torcedores mais calejados torçam o nariz. Isso ocorre porque às vezes, os craques voltam aos seus clubes com vencimentos não tão modestos – caso de Carlitos – e porque existe a indagação de que se o atleta realmente amasse o clube incondicionalmente, ele não precisaria ter saído em primeiro lugar. Ademais, como Vitor Birner pontua, quando um jogador retorna ao seu time de coração, ele não está agindo de maneira integralmente altruísta, mas também está em busca da sua própria felicidade.

Me emociono quando jogadores retornam aos seus clubes de origem ou se aposentam prematuramente (por motivos não relacionados à limitações físicas ou técnicas). São dois momentos especiais que me fazem recordar o motivo de eu amar tanto o futebol e, sem ressalvas, quanto mais eles acontecerem, melhor!

Em uma escala de nobreza imaginária, penso que a aposentadoria precoce de Jasen é ainda mais valiosa do que o retorno dos bons filhos às suas casas. Em uma época na qual o dinheiro é insumo e justificativa para qualquer ação, é refrescante ver um atleta colocar o amor por um time e pelo jogo em primeiro lugar.

O amor pelo jogo pode levar um atleta a considerar a não continuidade futebolística, mas no extremo oposto, a desilusão também é um componente que pode catalisar um fim de carreira não previsto.

O craque japonês na década de 2000, Hidetoshi Nakata sempre curtiu jogar bola. Na infância, inspirado pelo “Capitão Tsubasa” do desenho SuperCampeões, o jovem brincava descalço com a redonda em campos japoneses. Mais adiante com passagens pelo Parma, Roma e ídolo máximo da seleção japonesa, Nakata decidiu se aposentar logo após a Copa do Mundo de 2006 também aos 29 anos. Anos se passaram até Nakata ir à imprensa para esclarecer os motivos de sua decisão. Em resumo, ele nunca foi lá muito chegado na ideia de ser um superstar. Era um cara humilde e o oba-oba em cima do futebol o incomodava. Em sua cabeça, o jogo havia se tornado um negócio e se distanciado demais do que ele gostava de fazer quando criança.

Como relataram nossos amigos do Trivela, o ex-jogador logo após parar de atuar profissionalmente viajou sozinho pelo mundo conhecendo diversos países da América do Sul, da África e da Ásia. Chegou a visitar até mesmo um campo de refugiados na fronteira do Iraque e nunca se recusou a jogar futebol com qualquer criança que lhe pedisse.

Se a história de Jansen nos mostra que futebol pode ser mais do que um jogo, por outro lado a vida de Nakata após os 30 anos faz com que encaremos ideia de que o futebol é apenas um jogo. E dentro dessa segunda leitura do esporte, muitos deveriam conhecer a obscura história de Espen Baardsen.

Em 1998, Espen foi chamado às pressas para assumir a meta do Tottenham aos 20 anos. Na tenra idade, o goleiro realizou a defesa da rodada assegurando a vitória que fez com que os Spurs permanecessem na Premier League.

Com essa estreia marcante aliada à titularidade na equipe sub-21 da Noruega, o sucesso parecia questão de tempo. Parecia. O fã de Peter Schmeichel não conseguiu se firmar como titular e iniciou uma carreira nômade sendo emprestado para o Watford e posteriormente ao Everton. No Watford, conseguiu as chances que queria, mas foi mal tecnicamente e no Everton sofreu com problemas de depressão. Bebia todos os dias, se alimentava mal e se auto sabotava. A única coisa que lhe animava era a leitura de livros sobre o mercado financeiro.

Tentando prosseguir com sua carreira, o arqueiro norueguês recebeu um convite para assinar com o Sheffield Wednesday. Entusiasmado, ele foi visitar o clube e conhecer o empresário Neil Warnock que lhe apresentou uma proposta inusitada. Ganharia duas mil libras por mês e um bônus de mil libras por jogo. Para ganhar o bônus, bastava ser escalado para o jogo, não necessariamente como titular. O salário era ultrajante para um jogador do nível de Espen, mas o bônus poderia fazê-lo considerar a proposta. No entanto, Neil Warnock prosseguiu dizendo que não costumava escalar goleiros no banco. Espen recusou o acordo, foi para a casa, chorou durante horas, ligou para o seu empresário e disse que não jogaria mais futebol profissional.

Aos 25 anos, o goleiro abandonou a carreira, viajou pelos Estados Unidos – seu país natal – durante um ano e se dedicou ainda mais aos estudos. Hoje ele é sócio de um escritório do mercado financeiro e seus colegas de trabalho ficaram surpresos recentemente quando zapeavam pelos canais na TV e viram o vídeo da incrível defesa da rodada de Espen, na temporada 1998-99.

Nakata teve uma carreira bem sucedida e percebeu que havia coisas maiores na vida. Espen não conseguiu estabelecer uma carreira e investiu em uma outra atividade. Já Javi Poves nunca conseguiu realmente se ver como um jogador de futebol.

Na concentração do Sporting Gijón, o defensor frequentemente era alvo de piadas pelo seu comportamento exótico. Enquanto os outros jogadores se divertiam com o videogame ou navegavam pela internet, Javi mergulhava em livros como O Capital de Karl Marx. Certa vez, o patrocinador do Sporting Gijón ofereceu um carro zero para cada jogador do elenco, mas Javi recusou o seu. Como ele já tinha um carro, não precisava de outro.

Não tardou para que ele percebesse que o futebol era um meio completamente orientado pelo dinheiro, que alienava as pessoas e fazia com que elas se esquecessem dos problemas sociais. Aos 24 anos, se sentindo um estranho no ninho, Javi Poves anunciou sua aposentadoria. Nos anos seguintes, o espanhol cursou a faculdade de história e rodou 35 países do Terceiro Mundo sem nunca pisar em um hotel. Contudo, em Abril de 2014, Javi retomou sua carreira para jogar pela Unión Deportiva San Sebastián de los Reyes, que disputa a Tercera División (eufemismo para a quarta categoria do futebol espanhol). Em suas palavras afirmou que a sua caminhada o deixou mais humano e agora ele pretende jogar apenas por diversão.

Na nossa cabeça de torcedor é difícil entender porque um jogador abre mão do direito de continuar jogando futebol profissionalmente. Casos como o de Jansen acabam sendo destacados por representarem o comportamento do torcedor em campo em sua essência. Já as histórias de Nakata, Baardsen e Poves nos geram um certo desconforto. Nos sentimos traídos por pensar que eles foram privilegiados podendo realizar um sonho que nós nunca alcançaremos e de certa forma, desistiram.

Em momentos diferentes de suas carreiras e por motivos distintos Hidetoshi, Espen e Javi foram capazes de perceber que havia uma vida interessantíssima lá fora e para vivê-la, eles precisariam sacrificar as suas carreiras.

Subitamente, as suas vidas ganharam um propósito, um sentido que eles apenas conseguiam imaginar debruçados na janela do ônibus de suas delegações ou confinados dentro do centro de treinamento de seus times.

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