As mentiras que conto

 

Um dia fui um professor universitário do curso de biologia marinha. Teve outra vez que afirmei ser um funcionário de baixo calão, que só carimba papeladas, da Abin. Já disse que era porteiro e só estava indo para o aeroporto entregar uma mala que uma dondoca do condomínio tinha esquecido e o síndico do prédio me obrigou a fazer aquela missão.

Sou um mentiroso nato, daqueles que não tem medo de ver o nariz crescer, assim como todos que tentam fugir de alguma situação incômoda. As maiores vítimas das minhas falsas afirmações são taxistas e motoristas de Uber e outros aplicativos do gênero. Tudo isso para não render conversa. Normalmente eu até gosto de trocar ideia com alguém que passa boa parte do dia em frente a um volante e trocando marchas, mas há momentos que só quero chegar ao meu destino em silêncio. De boa, nada pessoal.

São nesses momentos que recorro à falta da verdade para ver se consigo alguns minutos de silêncio parado no combalido trânsito paulistano. Mas assim como tentar responder com as monossilábicas “tá”, “ok”e “não”, a tática de inventar um personagem desinteressante nem sempre funciona. Quando disse, certa vez, que era um mero estudante do curso de matemática, o condutor do carro afirmou que foi professor da matéria durante muito tempo e hoje estava aposentado. Eu, que nunca entendi aquela história de números dentro de colchetes, falhei miseravelmente na minha tentativa de não-assunto.

Antes que parece algo classista, costumo também mentir para outros seres que não têm a profissão de levar pessoas de um ponto a outro dentro de um automóvel. Coitado dos meus vizinhos. Conversas sobre o clima ou cachorro fedorento do andar de baixo são os meus favoritos dentro daquele meio de transporte chamado elevador.

Mas há sempre um condômino mais ousado e querendo ter uma intimidade que eu não tenho nenhuma intenção de dar e pergunta o que eu faço da vida. A moradora da porta do lado jura que sou desenhista, o síndico tem certeza que professor de futebol de um projeto social para crianças carentes. Os porteiros e vigias, as melhores pessoas daquele ecossistema, sabem de toda a verdade sobre a minha vida. Deles não há como esconder nada.

Não tenho vergonha das coisas que faço, mas ao afirmar que sou jornalista sempre vem aquela pergunta sobre a Globo e a obrigatoriedade do diploma. Cansa responder as mesmas coisas. Quando falo que sou escritor, sou sempre obrigado a explicar o que é literatura independente, crise do mercado editorial, fora que sempre tem um esperto que pede um livro de brinde. Qual a necessidade de comprar um exemplar, não é mesmo?

Considero as minhas mentiras as melhores do mundo. Me divirto nas histórias que conto e me surpreendo com tamanha criatividade em tão pouco tempo para desenvolver uma história. Viva o improviso. E se você chegou até o final dessa crônica, um aviso: tudo que você leu até aqui pode ser uma grande mentira.

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