Uma tarde Lado B

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*Por Daniel Soares

Em tempos de Flamengo (meu time) itinerante, jogando em todo o país, menos no Rio de Janeiro, eu estava com saudade de estádio. Até compareci à estreia na Libertadores, no Maracanã, no início de março. Muito embora golear em estádio lotado seja ótimo, eu estava também com saudade de um certo tipo de jogo. Aquele meio vazio, no qual podemos rodar pelo estádio, trocar de lado no segundo tempo e ouvir causos arquibancada afora. Daí, como os jogos do Mais Querido na cidade se tornaram eventos concorridos, de tão raros (e caros), resolvi que aquilo que eu procurava só poderia ser encontrado no Lado B do futebol.

Tabela do Carioca escrutinada, decidi-me por Bangu x Boavista, num sábado à tarde em Moça Bonita. Os atrativos eram vários. Do lado do Bangu, Loco Abreu em seu retorno ao Rio de Janeiro. Do outro lado, o “Cariocão All Stars” como bem define o pessoal do Baião de Dois, colegas na Central 3. O goleiro Felipe e o zagueiro Gustavo, ambos ex-Flamengo; o meia Fellype Gabriel, ex-Flamengo e Botafogo; e o técnico Joel Santana, que dispensa apresentações.

O estádio do Bangu fica ao fundo de uma bem cuidada praça, em frente à estação de trem de Guilherme da Silveira. É somente a poucos metros do estádio que dá pra perceber que tem jogo. Uns dois ambulantes vendem cerveja e refrigerantes. Tem uma barraca de pastel e uns dois varais com camisas piratas do Bangu. Ao se aproximar da bilheteria sou abordado por um ambulante, oferecendo ingresso a R$15 (a inteira na bilheteria sai a R$20). São meias-entradas que ele vende um pouco mais caro. Não tenho dinheiro trocado e a diferença em relação ao preço oficial se transforma em uma capa de chuva vagabunda (o céu tem nuvens ameaçadoras e Moça Bonita conta com cobertura apenas nas sociais).

A entrada no estádio não tem catracas. Um funcionário do clube recolhe os canhotos dos ingressos de papel no portão. A partir daí, você está livre para ir a qualquer setor do estádio. Não havia nada que impedisse, inclusive, o acesso à área dos jogadores. Subo a arquibancada principal, junto à social, e tenho uma visão nostálgica. As antigas cadeirinhas amarelas, que habitaram dois setores das arquibancadas do antigo Maracanã (de 2000 a 2010) estão lá. Cadeiras retiradas do estádio pré-Copa foram distribuídas para os estádios pequenos do Rio.

O jogo não está lotado, mas também não é vazio. A parte central está quase lotada. Até um deputado federal com base na região (conhecido por andar sempre com um pitoresco chapéu de cowboy) apareceu para prestigiar. Um popular o reconhece e faz um pequeno protesto: “o povo só toma!!”. O deputado sorri amarelo e seus seguranças observam intimidadores. O popular não se intimida, mas em poucos segundos segue para seu lugar na arquibancada.

O jogo, que é televisionado pela TV a cabo, atrasa alguns minutos. Não havia policiamento em campo. A viatura da PM chega e está tudo resolvido. A bola rola. Dois minutos de jogo e o zagueiro do Boavista põe a mão na bola. Loco Abreu surge, garboso, para a cobrança. No meio do gol. O goleiro não escolheu canto e faz a defesa. Apupos na torcida. Loco Abreu não faz no campeonato o que dele se esperava. “Esse aí veio só pra ter matéria com o Bangu”, resmunga um. “Só quer saber de ganhar dinheiro”, responde o mesmo que abordara o deputado.

O jogo segue entre resmungos e gritos de apoio. O torcedor resmungão é interpelado por uma senhora pelo excesso de palavrões. Ele dá um passa-fora nela, que diz que por causa disso vai passar a torcer pelo Boavista. O torcedor boquirroto ainda encontra tempo para fazer bullying com o filho adolescente vascaíno: “tem estádio, mas não tem time!”. Deve ser muito duro sofrer bullying em casa de um torcedor do Bangu.

No segundo tempo eu me mudo para a arquibancada oposta. É onde se concentra a torcida organizada Bangoró (e sua seção infantil, a Banguaraná). Há ainda alguns torcedores soltos, mais quietos e sóbrios que os do outro lado. Um deles, encostado no último degrau, assiste ao jogo com os olhos da resignação de quem já viu passar por aquele gramado times do mesmo nível dos grandes nos anos 60 aos 80.

Na enésima vez que o lateral direito tentou uma jogada e se enrolou com bola, ele não aguantou e gritou: “centra de primeira! Você sabe que não tem capacidade de conduzir!”. No fim do jogo o Boavista quase marca e a torcida alvirrubra que queria a vitória passa a desejar o fim do jogo para garantir um pontinho. O árbitro apita pela última vez sem que as redes tenham balançado. Não vi gol, mas vi o que eu queria.

 

*Daniel Soares é integrante do podcast Lado B do Rio, na Central3.

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