A inexorável passagem do tempo

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Por Luiz Felipe Carvalho

Há alguns meses completei quarenta anos de idade. A entrada no time dos “enta” me fez pensar na inexorável passagem do tempo e na efemeridade de nossas vidas. Mentira, não mudou foi é porra nenhuma. Mas achei que era uma excelente desculpa para garimpar algumas canções que tratassem do tempo.

Tentei não me ater a músicas que falassem especificamente da velhice, mas sim da passagem do tempo, que pode ter efeitos até para quem tem vinte anos de idade, por se ver de repente como um adulto, ou para aquele senhor de meia idade que começa a se preocupar com o funcionamento de certos orgãos de seu corpo. São várias as abordagens possíveis, e é óbvio que não pretendo aqui esgotá-las.

Vamos a elas, pois:

Passagem do tempo #1: “1/4”, do Biquini Cavadão

Não é algo muito tranquilo dizer que gosta do Biquini Cavadão. É algo que precisa ser dito meio às escondidas, porque pode gerar olhares julgadores. Mas a banda teve seus méritos lá nos anos 1980, e acho que boa parte deles residem nas letras, que tratavam de temas espinhosos, pesados até. Por exemplo, a famosa “Tédio” termina com uma sugestão de suicídio nada sutil (“O que corrói é o tédio/ Um dia eu fico sério e me atiro desse prédio”). Nesta aqui os versos “Tem horas em que lembro com saudade todo o tempo da minha vida/ E perplexo vejo que já um quarto dela se passou/ Em felicidade desapercebida” causam certo espanto por se tratar de um jovem de vinte anos já com saudades de outro tempo de sua vida. Mas é possível encontrar algum otimismo também, bem escondidinho: ao sugerir que um quarto de sua vida já se passou, a previsão otimista é que a pessoa que escreveu a letra (provavelmente o vocalista Bruno Gouveia) vá viver até os oitenta anos.

Passagem do tempo #2: “Trinta anos”, dos Paralamas do Sucesso

Eu já escrevi aqui na Central3, mas sempre é bom repetir: acho o Herbet Vianna um puta letrista, e relativamente subestimado. Essa faixa fecha o disco “Os Grãos”, lançado pelos Paralamas em 1991, quando Herbert fez trinta anos. Com versos econômicos, que cabem direitinho na métrica da canção, Herbert trata dessa idade que é tão simbólica por representar a saída da casa dos vinte anos – para nunca mais voltar. Enquanto eu falo que os quarenta não me mudaram nada, Herbet faz poesia com seus “trintão”, em versos como “Ainda ontem, ainda há uma chance/ A vida vive em mim/ Bem maior, tão desigual, bastante/ E torna a dizer sim”.

Passagem do tempo #3: “Mulher de 40”, de Roberto Carlos

Robertão estava em um relacionamento com Maria Rita, quinze anos mais nova – e que infelizmente morreria de câncer alguns anos depois. A letra trata com bastante ternura da relação dos dois, com Roberto salientando as qualidades da mulher madura. Não sei, tenho para mim que não teria problema algum em dizer uma vez que ela “É jovem bastante/ Mas não como antes/ Mas é tão bonita”, mas não precisava depois ainda repisar dizendo “Essa mulher bonita/ Que já não é menina/ Mas a todos fascina”. Tá bom, Roberto, já sei que não sou mais menina! Afora isso, que, convenhamos, é uma chatice minha, a música é uma bela homenagem à amada.

Passagem do tempo #4: “Run that body down”, de Paul Simon

Paul Simon lançou esta música em seu primeiro álgum solo após a separação do parceiro Garfunkel. A letra fala de uma ida ao médico, e da constatação de que ele precisa dar um tempo na “vida loka”, ou seu corpo não vai aguentar. Detalhe: ele tinha apenas trinta anos. Mas é normal, com o passar do tempo, estes choques de realidade, quando vamos percebendo que não dá mais para fazermos o que fazíamos antes. Quem nunca, né? A música é bastante calma, talvez já indicando o caminho que ele, Paul, precisava seguir. Importante notar que a tal “vida loka” à qual me referi, no caso de Paul, se refere à vida na estrada, sem horário pra dormir, etc, e não necessariamente à esbórnia propriamente dita. Tanto que ele cita a esposa na música, e é até divertido o fato de ele repetir para ela o que a médica disse para ele.

Obs: para ler a tradução meio mandrake que eu fiz da letra, assista ao vídeo direto pelo YouTube (basta clicar onde está escrito “YouTube”, no canto inferior direito do vídeo aqui embaixo) e procure nos comentários por Luiz Felipe Pereira de Carvalho.

Passagem do tempo #5: “Capim novo”, de Luiz Gonzaga

Luiz Gonzaga era um véinho safado, já dizia meu pai. Ele tinha uma malícia sutil, e colocava sexo no meio de suas músicas de um jeito que permitia que elas circulassem por vários ambientes, até mesmo entre crianças, sem que estas percebessem o real significado oculto. Esta aqui é um ótimo exemplo. Composta em parceria com José Clementino, e lançada quando Gonzagão já tinha pouco mais de sessenta anos, a letra fala que não adianta catuaba ou outros remédios (viagra ainda não estava disponível): o verdadeiro remédio pra um cavalo velho é capim novo. O duplo sentido fica óbvio para qualquer razoável entendedor, sem que nenhuma palavra chula precise ser dita. Não estou sendo o paladino da moral, nada contra as chulices. Mas é mais divertido quando a coisa é feita de maneira inteligente. Outra coisa que acho divertida é quando ele repete a letra, depois da primeira vez que o refrão surge, e passa a falar as palavras de um jeito mais “nordestinado”. Prestenção, vale a pena.

Passagem do tempo #6: “Ténpu ki bai”, de Mayra Andrade

Mayra Andrade é de Cabo Verde, e esta música é cantada em crioulo cabo-verdiano, que não é a língua oficial do país, mas é a mais falada nas ruas. A base é o português, por isso é muito curioso ouvir e notar como algumas palavras se assemelham na sonoridade. Para mim sempre parece como uma criança aprendendo a falar português. Por exemplo, o título desta música é algo como “Tempo que se vai”. A letra fala sobre memória, sobre saudade da infância, sobre perdas, enfim, sobre o “Ténpu ki bai”. Meu crioulo cabo-verdiano não tá muito afiado, mas o encarte (espécie de papiro que vinha junto com um antigo artefato chamado CD) é bem amigável, e traz a tradução em francês e inglês, e foi baseado nesta última que fiz a tradução para o português que está nos comentários do vídeo abaixo.

Passagem do tempo #7: “O vento frio da infância”, de Oswaldo Montenegro

Tem uma mistura de doçura e melancolia no Oswaldo que acho que é o que mais me faz gostar dele. E também é provavelmente o motivo de sua carreira não ser de mais sucesso. Tem sempre uma lágrima no meio da alegria. Brasileiro até que gosta disso, mas até a página dois. No começo do texto eu fiz troça com a coisa da inexorável passagem do tempo, e talz. Oswaldo tem envergadura poética suficiente para falar do assunto sem parecer piegas, com versos como “E o que ficou tão combinado/ Não dá mais pra cumprir/ Pra alguns ainda é cedo”. Costumo colocar a versão de estúdio das músicas, mas este Projeto Canção Nua, em que Oswaldo passa por parte de seu repertório acompanhado apenas do violão, é coisa bonita demais.

Passagem do tempo #8: “Hearts of stone”, de Bruce Springsteen

Como fazer uma música sobre um cara casado (aparentemente) que liga para uma mulher com quem teve um grande amor, para pedir a ela mais uma chance, sem parecer simplesmente uma filhadaputagem? Bom, você tem que ser o Bruce Springsteen. A letra dá a entender que ambos eram teimosos, algo não deu certo no caminho, e agora eles tem uma última chance. Mas quem diz que aquele amor que ele está tentando recuperar é o grande amor da vida dos dois não é nem a letra, mas o saxofone, que já abre a faixa dizendo tudo que tem pra ser dito. Tenho uma história particular com esta música: em 2013 fui ao show de Bruce no Espaço das Américas, com minha namorada. É costume, nos shows de Bruce, que a plateia leve pedidos de músicas em cartolinas ou camisetas. Eu levei o nome desta música escrito em uma camiseta branca. Depois de muito levantar a camiseta e não obter sucesso, minha namorada pegou-a e lançou ao palco. Quem pegou não foi Bruce, nem um músico, mas um funcionário da turnê, talvez preocupado de Bruce tropeçar nela, sei lá. Sei que perdi a camiseta e não ganhei a música. É isso, desculpe o anti-clímax. Mas a música estará aí para sempre, para todos os corações, de pedra ou não.

Obs: para ler a tradução meio mandrake que eu fiz da letra, assista ao vídeo direto pelo YouTube (basta clicar onde está escrito “YouTube”, no canto inferior direito do vídeo aqui embaixo) e procure nos comentários por Luiz Felipe Pereira de Carvalho.

Passagem do tempo #9: “Todo cae”, de Jorge Drexler

O fim. Tudo caminha para o fim. O fatalismo parece ser capaz de gerar apenas canções tristes. Mas, mais uma vez, o talento sublima o que, de outra forma, seria cansaço. Jorge Drexler faz uma canção pra falar da verdade bíblica de que ao pó retornaremos, mas o faz com tal graça que, quando a canção termina, sentimos, senão um otimismo, uma sensação de que, diante de tal inescapabilidade, só nos resta viver – como diria Angela Ro Ro. Ciente do peso do tema, Drexler faz uma valsinha, com arranjo singelo, leve, para compensar versos como “Todo corpo, por mais engenhoso/ Viaja ao encontro de seu repouso”.

Obs: para ler a tradução meio mandrake que eu fiz da letra, assista ao vídeo direto pelo YouTube (basta clicar onde está escrito “YouTube”, no canto inferior direito do vídeo aqui embaixo) e procure nos comentários por Luiz Felipe Pereira de Carvalho.

Passagem do tempo #10: “Matusalém”, de Luiz Tatit

Em tempos de pandemia, em que tantas coisas já nos pesam, melhor terminar em alto astral. Tatit e Arthur Nestrovski imaginam, aqui, a vida de Matusalém depois dos cem anos. Já adianto que o tatatatatatatatatatatatataravô tá on, e nos mostra que nunca é tarde, e que a passagem do tempo pode ser “Terna como a vida já vivida em novecentos anos/ Terna como a nova namorada que justificou seus planos”.

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