Na fé fé fé da equilibrista

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Por Luiz Felipe de Carvalho

Em coisa de pouco menos de um mês, perdemos Moraes Moreira e Aldir Blanc. Ambos foram temas de edições do podcast Travessia, aqui na Central3. E eu fiquei me perguntando se deveria escrever sobre eles. Achei que seria algo hipócrita, porque não tenho um vínculo emocional com nenhum dos dois, e gosto de escrever sobre artistas com quem tenho vínculos emocionais. Mas ao mesmo tempo reconhecia neles dois gigantes da música popular brasileira. Quando me refiro a vínculo emocional, estou falando sobre ter uma história com eles, daquelas que envolvem lembranças bonitas/tristes/engraçadas/etc. Não tenho com eles. Ou será que tenho?

Jornalistas tem uma mania um pouco incômoda de transformar uma morte em algo que se refere a eles, e não ao morto. Explico: morre um fulano, e o jornalista diz “ah, aquele chopp que eu tomei com ele no Jobi, lá no baixo Leblon”. Bem, talvez eu esteja sendo muito duro com meus colegas jornalistas. Acho que é uma tendência natural da espécie humana, e não da espécie “jornalista”. E de certa forma as anedotas ajudam, também, a engrandecer (ou diminuir, a depender da história), a figura do falecido.

Pois bem, venho através desta dizer que também vou cair na armadilha jornalística de fazer um texto sobre mim. E, para piorar, não tomei chopp com, nem nunca vi de perto, nenhum dos dois.

Geraldinho é um dos maiores artistas que já vi ao vivo. Ninguém conhece o Geraldinho fora da minha cidade, eu acho. Tocava absolutamente todas as músicas do Chico Buarque ao violão, com perfeição. Era figura carimbadíssima em tudo que é barzinho por aqui. Não éramos amigos, mas frequentávamos algumas festas juntos, porque tínhamos amigos em comum. Certa roda de violão ele tocou “Entre a serpente e a estrela”, aquela do “há um brilho de faca, onde o amor vier”, que foi gravada pelo Zé Ramalho e fez sucesso pacas, especialmente por ter sido trilha de novela. Eu sempre me interessei por fichas técnicas, e sabia que a letra dessa música era de Aldir Blanc. Ao final da música, comentei sobre isso, e Geraldinho reagiu com certo desdém, uma atitude meio “ah tá, até parece”. Na cabeça dele, aquela era uma música popular, de novela, e ele tocou para satisfazer a rodinha de violão. Mas era algo muito pequeno para o Aldir Blanc. Eu era novo, e não reagi, deixei as pessoas acharem que eu é que estava equivocado. Mas a letra é de Aldir, uma versão de um country americano. E mostra sua grandeza, que é ser popular mesmo exalando erudição.

Quando pequenos, eu e meu irmão tínhamos uma vitrolinha só para nós, em nosso quarto. Tínhamos quase inteiras as coleções do Balão Mágico e do Trem da Alegria (me desculpe se você tem menos de trinta e não faz ideia do que seja isso).E também tínhamos os discos “A Arca de Noé” e “Pirlimpimpim”. O primeiro era um disco infantil com as músicas feitas a partir de poemas de Vinícius de Moraes. O segundo era um disco feito em homenagem aos 100 anos de Monteiro Lobato. Moraes Moreira estava nos dois discos, mas eu seria muito safado se dissesse que sabia direitinho, então, quem ele era. Depois, bem depois, já com uns 18 anos, na faculdade, um grande amigo disse que tinha ido a um show do Moraes que era só voz e violão, “mas é impressionante o que esse cara faz só com um violão!”. Um pouco depois, ao ouvir o disco “Acabou chorare”, dos Novos Baianos, eu tive finalmente a certeza de sua grandeza. Não é querer fazer escala de importância dentro da banda – e do disco – mas Moraes compôs, tocou, cantou e arranjou boa parte das faixas de um dos maiores discos da história da música brasileira. Sim, ele fez muito mais em sua carreira, mas só isso já seria o bastante para colocá-lo lá no alto.

Vês, não são lá grandes histórias, mas são pedacinhos de minha vida que tiveram a presença dos dois. Há outros, claro, até porque “Pombo Correio”, “O Bêbado e a Equilibrista”, “Preta, Pretinha”, “Resposta ao tempo” e outras coisas que os dois fizeram estão sempre pululando por aí. Mas são as historietas que minha memória emocional trouxe à tona neste momento.

Eu não sei onde eles estão agora. É bonito e romântico esse negócio de pensar que estão no céu tomando uma juntos, mas não acho que seja assim. Mas sei que ambos estão aqui em minhas estantes, e nas estantes de tantos. Ou, no caso da maioria das pessoas hoje em dia, nos códigos binários dos serviços de streaming de músicas. Tanto faz. Fato é que, independente de qual religião esteja certa, os grandes vivem para sempre. E o que dizer dos gigantes? Estes vivem até nos corações daqueles que por eles não tem amor – mas tem enorme respeito.

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