Sobre Agassi, Neymar e o mercado

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Se existe uma boa biografia de esportista lançada nos últimos dez anos, esta é a do tenista Andre Agassi. Trata-se de um depoimento absolutamente fascinante e também angustiante de um homem capaz de jogar o melhor tênis do mundo e conquistar a modelo mais badalada dos Estados Unidos, mas incapaz de encontrar paz interior na maior parte do tempo, em um mundo de extrema exigência física, mental, de crescente demanda publicitária, comportamental, de tanto dinheiro e mídia em tudo que se faz e fala.

Agassi quebrou as regras, rompeu com um estilo milenar do tênis mundial e inventou, por exemplo, a bermuda jeans como acessório esportivo. Seu cabelo era inconfundível, um corte pitoresco, uma coisa Xororó, uma coisa Cindy Lauper, um loiro platinado com faixa florescente, óculos pitoresco, brinco chamativo, bem, Agassi sempre gostou do estrago, sempre quis chocar e fez isso com a mesma categoria que empregava ao tênis, esporte que na biografia, repetidamente, ele diz odiar.

Uma das passagens de Agassi conta a propaganda que ele fez para a empresa Sony, cujo slogan era “Imagem é tudo”. Ele era a grande novidade do esporte norte-americano e, aquele, o seu primeiro grande anúncio televisivo. Só depois do comercial disparado pelas tevês do país inteiro que Agassi se deu conta: a reação popular poderia ser horrível. E foi. Na primeira derrota, vieram as provocações, o jogador que ousava e investia na imagem excêntrica, na bermuda jeans, ratificava o slogan da empresa que lhe pagou? Aquilo era tudo um estilo artificial para buscar contratos ou ele era de fato um jovem com potencial para ser ídolo? Imagem era tudo, e ele era só imagem?

Para piorar, Agassi sabia de algo que manteve em segredo sempre: seu cabelo, sua marca registrada, era aplique. Ele já era calvo aos 18 anos. Aquele slogan maltratava por dentro e por fora. Ele se sentia um mentiroso, um devedor, comprou uma briga e teve que pagar. Seria mais simples e menos saboroso ser como seus rivais conterrâneos Michael Chang e Pete Sampras, de perfil baixo e comportamento discreto. Para provar que ele era mais que apenas uma imagem, ele engoliu seco, ralou. E conseguiu ter uma brilhante carreira, digna dos maiores nomes do esporte, certamente um dos grandes tenistas da história.

Uma semana após a final da Copa do Mundo 2014, uma propaganda de shampoo ou coisa do tipo mostra Neymar com aquele seu cabelo moicano estilizado e a marca da empresa de shampoo ou coisa do tipo raspada na lateral do couro cabeludo. Um vínculo perigoso entre uma marca registrada de seu visual, que deve ser encarado como uma opção pessoal, e uma marca multinacional que pagou por esse vínculo. Um dia, tanta exposição e tanta mistura entre mensagem pessoal e mensagem comercial podem pegar mal. Estivesse Neymar em campo no 7×1 e, certamente, a propaganda soaria diferente. Não sou ninguém para reprovar que alguém ganhe dinheiro assim. Mas espero que Neymar saiba que todo exagero contém seus riscos, e nem todos eles alteram o fato de que o atacante nunca vai precisar se preocupar com falta de dinheiro e oportunidades.

Seja como for, Neymar deveria ler o livro do Agassi. Eles têm muitas coisas em comum, e Neymar, que teve uma temporada apenas razoável na Europa, pode vir a se tornar o que Agassi se tornou para o tênis, para o marketing ao redor do tênis, para o culto ao personagem dentro do mundo do tênis, e o fez da forma mais difícil, sendo colorido e rebelde e carismático no meio de educados bons moços. Neymar pode enfrentar em breve um momento de reflexão, um ponto de saturação, e nessa hora terá de assumir um papel e afastar outro.

 

Leandro Iamin é jornalista e editor do blog da Central 3, além de apresentar os programas O Som das Torcidas e De Chuá. 

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