Conexão Sudaca #193 Semanas Copeiras XVIII

Com o final da 1ª Fase e Grupos das Copas Sul-Americana e Libertadores, respectivamente, nossos muchachos fazem um balanço dos classificados!

Também relembramos a última decisão entre Peñarol e Flamengo, pelas semifinais da Copa Mercosul 1999, quando os rubro-negros eliminaram os carboneros e tiveram que fugir das agressões no Centenário.

Por fim, o último lançamento da rapper argentina Miss Bolivia, em parceria com j mena!

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Os segredos do corinthiano do placar

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Por Walter Falceta*

A “culpa” é do imigrante japonês Tomio, que veio tentar a sorte nas terras do norte do Paraná. Trabalhava lá suas 14 horas por dia. Quando sobrava algum tempo para o descanso, corria ao radinho ouvir notícias sobre o futebol.

Depois das campanhas fantásticas da década de 1950, apaixonou-se pelo Corinthians. Ao filho Émerson Heidi Yto, nascido em Marialva, deu dois presentes. O primeiro: condições para que estudasse e se graduasse em Engenharia Eletrônica, na Universidade Mackenzie. O segundo: o amor pelo clube que unia as raças, credos e classes sociais.

Em 1979, Yto adorou quando obteve colocação na Digitalmatic, dos irmãos cearenses Cordeiro Araújo, empresa especializada na instalação e manutenção de placares eletrônicos em estádios.

Além de trabalhar em sua área, imaginou que poderia assistir a bons jogos de futebol, alguns do seu time do coração. Funcionário disciplinado, assíduo e tecnicamente capaz, ganhou a função de operador dos placares nos jogos em São Paulo.

Assim, passaria anos “marcando gols” a partir das cabines do Pacaembu e do Morumbi. No estádio tricolor, foram 28 anos de serviços, até que o equipamento foi substituído por um novo, em 2008. Foram muitas emoções, uma sucessão enorme de tristezas e alegrias.

Um dia, no entanto, Yto deixou de ser coadjuvante anônimo do espetáculo para converter-se em protagonista.

Contemos a história. Em 1984, ano da luta pelas Diretas-Já, o Flamengo tinha ainda um timaço, com craque do naipe de Fillol, Leandro, Junior, Nunes, Adílio e Bebeto.

Nas quartas de final, foi bater-se contra o então bicampeão paulista, o Corinthians democrático de Sócrates, Casagrande, Wladimir e Zenon.

O primeiro jogo ocorreu no Rio, em 29 de Abril, e os cariocas botaram 98.656 pessoas no Maracanã. Com gols de Élder e Bebeto, os rubronegros saíram em êxtase do estádio, celebrando antecipadamente a classificação. A conduta celebrativa foi seguida pelos jornais da Cidade Maravilhosa.

A imprensa esperava uma torcida corinthiana conformada com a desclassificação. No entanto, 115.002 pessoas se reuniram no Morumbi para assistir à revanche.

Jogo de altíssimo nível, desde o primeiro minuto. Bebeto perde um gol claro no início do espetáculo. Disputa dura, sempre na bola. Até que, aos 32 minutos, Zenon lança para Biro-Biro. Este aproveita-se de falha de Figueiredo e manda para as redes.

O técnico corinthiano Jorge Vieira não queria ver comemorações. “Ainda precisamos tirar a diferença no placar agregado”, berrava. Cinco minutos depois, o raçudo Wladimir rouba uma bola no meio de campo. Ela vai a Biro-Biro, Sócrates e Eduardo, antes de retornar ao próprio Wladimir, que decreta o segundo gol mosqueteiro.

O segundo tempo começa quente. Aos 7 minutos, o voluntarioso Edson municia Sócrates, que passa a Zenon. Este, em jogada de gênio, toca por cima da defesa flamenguista e encontra o mesmo Edson, que arremata para o gol. Três a zero.

Aos 14 minutos, outra jogada para tapar a boca dos críticos. Quem disse que Sócrates não corria? Ele avança como um bólido pela direita da defesa para receber o lançamento de Edson. Domina a bola com maestria e serve na medida para Ataliba mandar o petardo e estufar a rede do adversário.

Sete minutos depois, no entanto, o aguerrido Flamengo marcou seu gol, em uma bola dividida de Paulinho que encobriu o goleiro Carlos. Jorge Vieira parecia prestes a sofrer um ataque cardíaco.

Nunes, incansável, tentava marcar o seu. Em uma bola no ataque corinthiano, o goleiro Fillol – jogando contundido, com uma proteção no joelho esquerdo – antecipa-se a Casagrande, atravessa a linha divisória do gramado e serve a João Paulo, que cruza sobre a área. Juninho, pelo Corinthians, salta de cabeça e mata a jogada.

O jogo é tenso até o último minuto. Poucos corinthianos se atrevem a cantar o “está chegando a hora”. Quando a vitória é irreversível, no entanto, o homem do placar, o paranaense Yto resolve responder à arrogância dos cronistas e torcedores cariocas, que durante a semana deram a vaga como garantida.

No placar, com fino humor, exibe os horários dos voos da ponte-aérea para o Rio de Janeiro. A princípio, poucos compreendem o chiste. Pouco depois, Yto programa em seu primitivo computador Digital PDP111 a mensagem final, que brilha em luzinhas amareladas: “Boa Viagem”.

A diretoria do Flamengo ficou bronqueada e o árbitro da partida, Arnaldo César Coelho escandalizou-se. Citou os fatos em seu relatório da partida e exigiu que atitudes como aquela fossem coibidas no futuro. “Os responsáveis receberam advertência e o fato não mais se repetiu”, bazofiou-se, tempos depois, o árbitro.

Evidentemente, a bronca correu os corredores da cartolagem e foi desaguar pesada sobre o tímido corinthiano do placar. Yto, no entanto, não se deu por vencido. Naquele período de insurgências, crepúsculo da Ditadura, usou o placar para divulgar uma nova mensagem. No jogo contra o Fluminense, na semana seguinte, a massa de 90 mil pessoas viu uma tesourinha brilhar no placar do Morumbi. Era o delicado protesto contra a censura.

Hoje, aos 58 anos, casado, pai de uma filha de 20 anos, Yto ainda lida com os antigos placares eletrônicos, alguns deles desmembrados e enviados para estádios menores, como o Eduardo Guinle, em Nova Friburgo, e o Edson Passos (Giulite Coutinho), no Rio de Janeiro. Nunca pisou na nova arena corinthiana, em Itaquera.

“Os placares da velha geração são testemunhas de um tempo que se foi no Brasil, de futebol bonito, técnico e de muita torcida nos estádios”, relembra Yto, nostálgico. “Esses registros não se apagam e lá estão as conquistas do nosso querido Corinthians”.

Walter Falceta é jornalista, formado pela PUC-SP. Trabalhou muitos anos em Veja, Estadão, O Globo, entre outros veículos. Hoje, é consultor em comunicação corporativa e produção editorial. É filho e neto de corinthianos e pesquisador da história do Corinthians.

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O Galo de Schrödinger II: fechando a caixa

Republico aqui um texto que escrevi antes do último jogo do Atlético na Libertadores do ano passado. É no mínimo curioso que pouco mais de um ano depois o Galo se encontre numa situação tão parecida.

 

O Galo de Schrödinger e o Futebol Quântico

Popularizou-se na internet a história do gato de Schrödinger, aquela metáfora que explora algumas das consequências metafísicas das descobertas recentes e não completamente compreendidas da mecânica quântica. Funciona mais ou menos assim:

– Existe um gato numa caixa com uma bomba que tem 50% de chance de ter explodido (e matado o gato). Até abrirmos a caixa, não sabemos se a bomba explodiu ou não.

– No entanto, para a mecânica quântica, a bomba está constantemente explodindo e não explodindo ao mesmo tempo, até que alguém abra a caixa, quando uma das opções é definida. Ou seja, antes de abrirem a caixa o gato está simultaneamente vivo e morto.

– Assim, é a sua ação de abrir a caixa que define se a bomba tinha explodido (ANTES de você abrir a caixa) ou não.

 

É confuso e eu não sei se entendi (ou entendi e não entendi ao mesmo tempo?) o conceito do gato de Schrödinger, mas dada a situação do Atlético Mineiro, ouso mostrar como o jogo de hoje é análogo a este experimento. Espero, também, que assim possamos entender melhor esse ícone da cultura nerd-científica. Apresento-lhes, então, o Galo de Schrödinger.

– O Galo está dentro de uma caixinha de surpresas (desculpe, mas textos de futebol tem que ter pelo menos um clichê) dentro da qual há uma bomba que pode estourar, e dar o título ao Atlético, ou não. Nós não saberemos se isso aconteceu até o término do jogo.

– Para o futebol quântico, no entanto, o Atlético será eternamente campeão e derrotado ao mesmo tempo, até que o confronto chegue ao fim e alguém observe o que aconteceu “de fato”.

– A grande vantagem do Futebol Quântico em relação à sua prima mecânica quântica é que podemos assumir a postura do Gato (Galo, no caso). Ao estarmos dentro da caixa veremos o Atlético simultaneamente campeão e derrotado por 90 minutos, ora mais campeão, ora mais derrotado, mas ambos os estados juntos, ao vivo.

– No momento do apito final a caixa se abrirá e encontraremos um Galo campeão, como resultado inexorável daquele experimento, como se podia ver naquele pênalti do Tijuana, na virada histórica contra o Newell’s, na alegria do time na 1ª fase, na inteligência do Cuca que ora ou outra se sobreporia ao “azar”, na habilidade de Ronaldinho que sempre esteve lá, na malandragem do Kalil e na técnica menosprezada de Tardelli e Jô; OU encontraremos um Galo derrotado, como era óbvio que aconteceria dados todos os vacilos do time no mata-mata, resultado natural de uma equipe que toma tantos gols, consequência inescapável para quem joga um futebol arcaico e marca individualmente, castigo para quem acredita num fdp de um Ronaldinho, choque de realidade para os iludidos com o pé frio do Cuca e confirmação do que sempre se soube do Galo.

– Ao abrir a caixa você só vai encontrar UM desses Atléticos e por mais que saiba que o outro poderia estar lá, não vai mais conseguir vê-lo. Por isso, aproveite os 90 minutos dentro da caixa, oportunidade única e invariavelmente efêmera que o Futebol Quântico nos proporciona.

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