Reflexões uruguaias

Acabo de passar quinze dias no Uruguai. Fiz uma viagem de carro, junto com minha namorada, que passou pelo clássico triunvirato Punta del Este-Montevideo-Colonia del Sacramento, mas que também se aventurou pelo interior, chegando até a cidade de Tacuarembó, “capital de la patria gaucha”, conforme está na placa que adorna a entrada da cidade – que também guarda outro segredo que contarei mais à frente. Mas antes de chegar ao segredo, dividirei algumas coisas que notei sobre a relação do uruguaio com a música.

Estávamos em um ônibus comum, de linha, em Montevidéu. Sem turistas, só uruguaios indo trabalhar, e nós dois indo conhecer a “ciudad vieja”, o centro histórico da cidade. Entra um homem na faixa dos quarenta anos, de tênis, bermuda jeans, camiseta vermelha, boné, uma pancinha proeminente e um amplificador. Coloca o amplificador no chão do busão, fala algumas coisas em espanhol (fácil de entender que nem russo), bota um acompanhamento mecânico no ampli e começa a cantar ao vivo uma canção chamada “Si te dijeron”, do compostior Victor Manuelle, que ficou famosa na voz do porto-riquenho Gilberto Santa Rosa (procura no Youtube que tem). Bela canção, um bolero bem “cornudo”, e uma puta voz bonita do rapaz. Ele cantava no fundo do veículo e virado pra frente, ou seja, com quase todo mundo (nós éramos uma exceção sentados no último banco) de costas pra ele. A sensação que dava é que geral estava cagando pra música, que cada um estava em seu próprio mundo, pensando no trabalho, mexendo no celular. Mas aí veio o espanto: assim que ele terminou de cantar, o ônibus veio abaixo (ok, talvez eu exagere) em aplausos. Sinal do respeito que o povo tem pela música, e pelos artistas. Além de aplausos o cantor recebeu dinheiro, inclusive alguns pesos nossos, e desceu do ônibus, aparentemente sem pagar, como uma cortesia do motorista. Coisa bonita.

Eu disse acima a frase “mas aí veio o espanto”, antes de falar dos aplausos, mas é um pouco mentira de escritor, porque nem foi tanta surpresa. Isso porque antes desse episódio, quando estávamos na cidade litorânea de La Paloma, fomos a um restaurante com música ao vivo. Ali a primeira surpresa foi o músico tocar uma música brasileira atrás da outra (me lembro de algumas coisas de bossa nova e muito Caetano Veloso, inclusive com a frase “um filhote de leão, “rajo” da manhã”). Mas a surpresa maior foi que todo mundo batia palmas pro músico ao final de cada canção. Em um lugar em que a pessoa está para comer, em que a música é só um bônus, isso é bastante raro de se ver – gente largando os talheres no meio da garfada pra bater palma. E não se tratava de um novo gênio da música uruguaia, era um rapaz comum, com uma voz comum e um violão comum. Bonito de ver.

Escrevi há pouco sobre “a primeira surpresa”, me referindo ao fato de o músico tocar brasileirices, mas escritor mente muito – e maus escritores contam que mentiram. Fato é que, antes disso, também na cidade de La Paloma, já tínhamos visto um DVD da Marisa Monte rolando dentro de uma loja de artesanato. O tal músico foi nosso segundo encontro com música brasileira na viagem. Mas não o último. Em Tacuarembó passamos umas duas horas em um café (tomando cerveja da Cabesas Bier) ao som de rap brasileiro, ouvindo um monte de coisas que eu nem sabia o que eram, além de bastante Gabriel O Pensador. Em Paso de los Toros, por onde passamos rapidamente, vimos uma molecada ouvindo “Vai malandra” da Anitta. E em Montevidéu suportamos um jantar inteiro ouvindo o primeiro cd (também inteiro) dos Tribalistas (que eu gosto, usei o verbo “suportamos” porque é cool falar mal dos Tribalistas).

Sobre o tal segredo da cidade de Tacuarembó, que talvez alguns já saibam: Carlos Gardel, o ícone do tango tão identificado com a Argentina, e que muitos acham que nasceu na França, na verdade é natural de Tacuarembó. Sim, isso ainda é motivo de controvérsia, mas a visita ao Museu Carlos Gardel é bastante eloquente ao afirmar que “El Mago” nasceu, sim, na cidade. Há até estudos comparando o rosto dele com os de seus supostos irmãos uruguaios. É famosa a frase do próprio Gardel, “nasci em Buenos Aires aos dois anos e meio de idade” – o que já elimina a Argentina como seu local de nascimento. E o museu traz documentos e frases de Gardel que parecem não deixar dúvidas sobre donde veio à luz o Rei do Tango. Tacuaremboense, por supuesto!

Polêmicas à parte, a necessidade de “brigar” pela nacionalidade de um astro tão identificado com o país vizinho, somada à quantidade de vezes que ouvimos música brasileira durante a viagem, talvez, e apenas talvez, denotem que falta à música uruguaia alguma identidade própria, alguma luz que brilhe sozinha. Um país geograficamente tão pequeno, mas de caráter tão grande, e que tem um povo que respeita tanto a música, merece isso. E que fique claro que esta é apenas a análise superficial de alguém que ficou somente quinze dias no país – e que trouxe alguns cds na bagagem para descobrir o que é que o uruguaio tem.

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O Fractal Futebolístico

Fractais são formas construídas por outras formas similares a elas, mas em menor escala. Pode parecer complicado, mas não passa de uma couve-flor: pequenos raminhos formam ramos médios, que formam caules, que formam a couve-flor. Cada um desses elementos é idêntico ou muito parecido com o vegetal inteiro, de forma que se tirarmos uma foto sem nenhuma referência talvez não consigamos dizer qual foi o zoom utilizado.

O conceito de fractal nasceu na geometria, mas há muito extrapolou essa fronteira e passou a ser amplamente utilizado. Em campos que estudam os padrões formados pela natureza descoubriu-se uma infinidadede fractais: folhas, conchas, flocos de neve, dunas, montanhas, bacias hidrográficas, listras em tigres, nosso sistema circulatório, nosso pulmão e nossos batimentos cardíacos são apenas alguns dos milhares de exemplos. Na computação o conceito também é amplamente utilizado, por ser capaz de gerar figuras altamente complexas com pouquíssima informação (a forma e o modo de repetição apenas), o que alegra quem acredita que o universo (que também é visto como um fractal) é uma grande simulação computacional, um grande The Sims.

No entanto, para mim, as mais interessantes são as interpretações humanas e sociais do fractal. Não apenas nossas redes (rodoviária, aérea, a internet, etc), algumas de nossas criações artísticas, as variações no mercado financeiro ou nossa psíque podem ser vistas como fractais: a sociedade pode ser interpretada como um. Nesse fractal social as características e dinâmicas entre os indivíduos repetiriam-se entre os pequenos grupos (família, amigos, trabalho), que repetiriam-se em grupos maiores até formar a sociedade como um todo. Claro que quando chegamos nesse nível não há comprovação científica, trata-se de uma visão de mundo, de um conceito. Mas um conceito que me agrada por seu otimismo: ao mudarmos o jeito como somos e nos relacionamos com os outros podemos mudar a sociedade.

Pois bem, depois de 3 longos parágrafos chego ao ponto que interessa: o futebol também tem sua lógica fractal. Mais ou menos na linha de Cleber Machado, o futebol, o resultado e a história de um time numa escala grande estão presentes e se expressam nas formas de menor escala. Por exemplo, Rogerio Ceni chega aos 41 anos sem a explosão muscular e a saúde de outras épocas, mas em sua última temporada superou as desconfianças geradas em 2013 e agora tenta dar um último suspiro e jogar mais 20 dias como o jovem que não é para encerrar sua carreira com uma taça. Curiosamente o time do São Paulo encontra-se em situação similar à do seu capitão: correu muito para chegar mais longe do que se esperava mas agora encontra-se exausto e tendo que tirar energias da onde não há e tentar um último gás para fechar o ano com um título. Já no Corinthians se pensarmos nos inúmeros empates titeanos do ano passado veremos que eles formaram um grande 0x0 como temporada.

Outro exemplo é o Galo, que chegou numa situação surreal em sua Libertadores 2013, na qual esteve igualmente próximo de ser um timaço que supera todas as dificuldades ou uma grande enganação, sagrando-se no último minuto. Tal descrição serve tanto para os confrontos com Tijuana, Newell’s e Olimpia como para o campeonato em si: ou seja, a repetição de um padrão formou algo similar numa escala maior.

Da mesma maneira, muitas vezes o desempenho em um lance simboliza o resultado de um jogo, tabus (que nada mais são do que resultados repetidos ao longo do tempo) formam a história de um time e assim em diante. Da próxima vez em que assistir uma partida do seu time saiba: você pode estar vendo toda a temporada em 90 minutos.

 

Referências:

http://en.wikipedia.org/wiki/Fractal

http://en.wikipedia.org/wiki/Fractal_cosmology

http://socionomics.net/archive/col_inf.aspx

http://onefootwalking.wordpress.com/2011/01/29/fractals-and-human-behavior/

http://www.fractalwisdom.com/science-of-chaos/benoit-b-mandelbrot/

http://www.zerohedge.com/news/guest-post-social-fractals-and-corruption-america

http://www.triplepundit.com/2011/01/like-life-sustainable-development-fractal/

 

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