A ilha deserta dos discos

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Por Luiz Felipe de Carvalho

– Só cinco?

– Sim, senhor, apenas cinco.

– Mas normalmente são dez, né?

– Antigamente eram dez, mas as pessoas demoravam muito a escolher, então o número foi diminuído, senhor.

– Mas me explica de novo, por favor, quer dizer que o negócio da ilha deserta é verdade?

– Sim, senhor, algumas pessoas são selecionadas para passar um tempo em uma ilha deserta, e tem que escolher cinco discos para levar. O barco vai sair em pouco tempo, peço por gentileza que faça suas escolhas, senhor.

– Peraí, foi tudo muito de supetão, ainda tô tentando compreender.

– Não é complicado, senhor. O senhor precisa escolher cinco discos para levar, apenas isso.

– Pode ser coletânea?

– Já expliquei ao senhor que não pode, senhor. É a regra número quatro em sua lista de regras.

– Tá. Vamos lá. Bom, tem que ter Beatles, né?

– Não sei, senhor, as escolhas são suas, senhor.

– Tava perguntando pra mim mesmo. Normalmente eu escolheria Rubber Soul, que é meu preferido. Mas como a regra número seis diz que não se sabe quanto tempo vou ficar na ilha deserta, vou escolher o “White Album”, que é duplo, e não tem nenhuma regra que impeça álbuns duplos. Rá! Pensa que sou bobo?

– Não penso nada, senhor. Então está escolhido, primeiro disco é o “White Album” dos The Beatles.

– Dos Beatles. Sim, dos Beatles.

– Sim, foi o que eu disse, senhor, dos The Beatles. Gostaria de deixar claro que o senhor não precisa se justificar, conforme está explícito na regra número três.

– Sim, eu sei que não preciso me justificar pra você, mas preciso me justificar pro universo. Bom, deixa eu ver o próximo. É difícil isso.

– É difícil, senhor. Chega a ser impossível.

– Você tá me zoando usando a fala do Fábio Porchat naquele vídeo do Spoletto?

– Não sei do que está falando, senhor.

– Hmmm, sei. Vem cá, eu poderei levar mais alguém pra ilha?

– Senhor, a ilha é deserta, senhor. É só o senhor, conforme está…

– Já sei, já sei, na regra número um. Então vou levar “Viagens & Versos”, do Zé Geraldo, para lembrar de minha namorada.

– Ok, anotado, senhor, “Viagens & Versos” do Zé Geraldo. O senhor já fez duas escolhas. Qual a terceira, senhor?

– Calma! Tô pensando. Preciso de discos dos quais eu goste de todas as músicas. Porque, segundo a regra número sete, não posso pular as faixas quando estiver ouvindo.

– Muito bem, senhor!

– Não sei se eu gostei de seu tom. Vou escolher “12 Segundos de Oscuridad”, do Jorge Drexler. É bom pra ter mais uma língua, além do inglês e do português.

– Certo, senhor, anotado, “12 Segundos de Oscuridad”, de Jorge Drexler. Qual a quarta escolha? O barco está para sair, senhor.

– Calma, não me acelera. Preciso pensar muito bem. Tá faltando assim um disquinho mais “pracimex”, sabe?

– Não estou familiarizado com o conceito, senhor.

– Uma coisa assim mais festiva. Acho que vou de “Calango”, do Skank, que de quebra ainda me traz boas lembranças da adolescência, das férias na praia, do meu irmão, da minha família.

– Ok, senhor, anotado, “Calango”, da banda Skank. Sua última escolha agora, senhor.

– Eu sei. É muita responsabilidade. Preciso que você tenha paciência.

– Eu tenho paciência, senhor, mas o barco não depende de mim.

– Eu sei, a porra do barco vai sair. Caramba, não tem nenhuma mulher ainda entre as escolhas! Puta merda. Eu ainda posso mudar alguma das escolhas anteriores?

– Infelizmente não, senhor. Cada escolha é definitiva, e não pode ser alterada, conforme a regra número oito.

– Vocês são muito chatos. Vou ter que deixar Bruce de fora, vou ter que deixar Caetano de fora, vou ter que deixar Belle & Sebastian de fora, vou ter que deixar Raul de fora. Compreende a dureza das escolhas?

– Senhor, você poderia ter escolhido qualquer um desses artistas, senhor. As escolhas são suas.

– Eu sei que são minhas. Mas cinco?! Cinco discos?!? É muito pouco.

– Senhor, o barco está para partir. Se não escolher rapimente, o quinto disco será escolhido aleatoriamente, em nosso catálogo de quatrocentos e vinte e cinco milhões novecentos e sessenta e um mil seiscentos e trinta e sete discos, conforme expresso na regra número nove.

– Não! Vai que me vem um Luan Santana da vida.

– Eu gosto do Luan Santana

– Oi?

– Não falei nada, senhor.

– Eu acho que eu ouvi alguma coisa. Enfim. Tá. Vou escolher “Blue”, da Joni Mitchell. Assim tenho um pouco de sofrência, e tenho ao menos uma voz feminina.

– Então está escolhido o quinto disco, senhor. “Blue”, da cantora Joni Mitchell. Seus discos estão escolhidos, o senhor pode se dirigir ao barco, que o deixará na ilha deserta.

– Ainda dá tempo de te fazer uma pergunta?

– Pois não, senhor.

– Como vai ser com as pessoas mais novas, que não ouvem discos?

– Senhor, as pessoas só são chamadas para a ilha deserta após fazerem quarenta anos. Ainda estamos pensando como faremos com a nova geração que não sabe o que são discos. O mais provável é que possam escolher apenas cinco músicas. Ou talvez façamos um aumento para dez músicas. Ainda estamos estudando, senhor.

– Chuuuupa, molecada!

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Um comentário em “A ilha deserta dos discos”

  • Inês Faria de Carvalho disse:

    Meu filho não não conhece os meus poucos discos, embalados durante anos à espera de limpeza e restauração das capas. Mas conhece alguma coisa do passado, e sente musica com a alma.

    Eu não saberia o que escolher pra me mudar para uma ilha deserta. Beatles é uma ótima escolha. Eu alternaria uns rocks bem agitados com musicas boas pra dançar, outras pra meditar….afinal, o estado de espírito nesse lugar sofreria grande oscilação.
    .
    Poderia ter a opção de rádio, algumas estações tem repertorio legal!!!
    Teria internet na ilha???? rsssss

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