Carceleros

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Por Marcelo Izquierdo*

Llegó la banda de Devoto

y fueron a todos parar al hospital.

Por la avenida General Paz

los de Urquiza quisieron escapar

(cântico da hinchada do C.A. General Lamadrid dedicado aos rivais da A.S.D. Justo José Urquiza)

La Batalla de Caseros

A animosidade entre Lamadrid e Justo José de Urquiza não é de hoje. Sempre estiveram em lados opostos. Lamadrid era unitário e Urquiza, caudilho entrerriano, federal. No entanto, em 1852, ambos se uniram para lutar contra Juan Manuel de Rosas na Batalha de Caseros. De todos os modos, a relação entre os dois nunca foi das melhores. E Urquiza, em um momento de fúria, ameaçou fuzilar Lamadrid.

A Batalha de Caseros foi um marco fundacional da Argentina. Em 3 de fevereiro de 1852, o Exército da Confederação Argentina de Rosas, foi derrotado pelo Exército Grande, formado por forças brasileiras, uruguaias e das províncias de Corrientes e Entre Ríos. À frente do Exército Grande estava Urquiza, o poderoso governador entrerriano que havia se revoltado contra Rosas no ano anterior.

Batalla de Caseros

Entre os generais que o acompanhavam estava Lamadrid, seu antigo inimigo e efémero aliado. Lamadrid havia sido um grande amigo de Rosas, de quem inclusive era padrinho de seu filho mais velho, mas o havia combatido durante anos em seu caráter de líder unitário.

Lamadrid estava no campo de Caseros, nas proximidades de Buenos Aires, pronto para a batalha. Ao lado de Rosas lutavam cerca de 22 mil homens; com Urquiza outros 24 mil, entre eles 3.500 brasileiros e 1.5000 uruguaios. Neste bando, além do general tucumano, haviam outros dois referentes militares que anos mais tarde tornaram-se presidentes: Bartolomé Mitre e Domingo Faustino Sarmiento.

Urquiza distribuiu a cavalaria em seis divisões, uma das quais confiou a Lamadrid. O guerreiro já tinha sessenta anos, mas o seu ímpeto estava intacto. Em uma escaramuça prévia, as forças de Lamadrid ficaram longe do combate. Esta situação o deixou enfurecido. Segundo escreveu o general oriental César Díaz em suas memórias, Lamadrid lhe comentou no dia seguinte que “si hay alguna refriega, ya le he dicho al general en jefe que haga el favor de no darme ninguna colocación en que sea preciso esperar para pelear, porque si me obliga a permanecer a pie firme después de que se haya disparado el primer tiro o dado la primera carga, se expondrá a que yo dé en el ejército un ejemplo de insubordinación”

Porém, a batalha foi um fiasco para Lamadrid. Sua divisão foi destinada ao flanco direito. A historiadora Lily Sosa de Newton, em seu livro Lamadrid escreveu que o caudilho “se lanza a la carga con ímpetu tan infrenable que cuando (se) quiere acordar se encuentra a casi una legua y media del punto en que debiera actuar”. Lamadrid estava em posição de impedimento. “Cuando regresa la situación del ala izquierda rosista está ya definida y poco le resta a Lamadrid por hacer” na batalha. César Díaz pôs a culpa “al excesivo polvo que tenía oscurecida la atmósfera” ao trote dos cavalos e “la falta de prática del terreno”.

Urquiza estava fora de si por conta do comportamento do general tucumano. Lamadrid reconheceu seu fracasso em impedir o passo do inimigo. “Me he privado con la división de mi mando de tomar al bárbaro verdugo Juan Manuel de Rosas pues con este exclusivo objeto me había propuesto privarle su fuga por retaguardia de los Santos Lugares y presentarme de frente envolviendo toda su ala izquiera”.

O caudilho entrerriano, segundo referiu o doutor Delfín Huergo, seu ajudante em Caseros, explodiu de raiva ao ler a mensagem: “¡Me he de fusilar hasta a generales para que aprendan a obedecer!”. Lamadrid resmungava sua bronca. Foi sua última batalha e não pode entrar em combate. Sua espada estava quieta e sem manches de sangue. Mas ao entrar em Buenos Aires o calor popular foi o consolo que necessitava para o descanso definitivo do guerreiro.

Pastor Obligado, testemunha dos eventos, em seu livro Tradiciones argentinas. La gloria de Caseros. Desfile triunfal del Ejército Grande aliado en la ciudad de Buenos Aires, el 19 de febrero de 1852 escreveu que aquele dia “cerraban la marcha cinco mil hombres de caballería. A la cabeza, el viejo general Lamadrid, quien al desembocar en la Plaza de la Victoria fue desmontando en brazos de un pueblo delirante y llevado en andas hasta el pie del altar de la patria. El oficial de Belgrano se arrodilló besando las gradas de la Pirámide de Mayo, que por tan largos años no veía, revestida de banderas y flámulas, con los colores de la alianza. Al incorporarse se descubrió ante el pueblo que lo vitoreaba sin cesar; no podía hablar, pero se lo vio llorar”.

La misma pasión

Vos venís a Devoto sin las banderas.

Vamos para la villa descontrolados.

Todos los años vamos para la Cueva.

Vos venís a Devoto todo cagado.

Oh, en Caseros son vigilantes.

(outro cântico da hinchada do C.A. General Lamadrid dedicado aos rivais da A.S.D. Justo José Urquiza)

J.J. Urquiza é um clássico do Lamadrid. Ninguém recorda como começou a rivalidade, nem por quê. Mas, todos concordam com algo: foi por proximidade e problemas entre as torcidas. J.J. Urquiza tem sua sede em Caseros, aonde ambos os caudilhos lutaram juntos em 1852. No entanto, sua canchaLa Cueva fica em Loma Hermosa. Porém, no dia 27 de março de 1993 foi local em outro estádio que honra o ex-governador entrerriano: Ferrocarril Urquiza, em Villa Lynch. Pela trigésima e última rodada da Primera DJ.J. Urquiza não jogava por nada diante do Lamadrid. No entanto, Lamadrid jogava por tudo contra J.J. Urquiza.

JJ Urquiza

Poucos sabem o que é jogar a Primera D. Torcedores de Boca, River ou qualquer outro grande do futebol argentino falam da “paixão” como se fosse um patrimônio exclusivo. Compraram a paixão. Creem que ninguém mais sente o que eles não conseguem expressar com palavras. Não entendem que o sentimento de um torcedor do Boca ou River pela sua equipe é igual ao que professa um carcelero por seu clube. No futebol, não exista paixão A nem paixão B ou C. Muito menos, paixão classe D.

Em relação à paixão no futebol todos somos iguais, ainda que alguns se julguem mais iguais que os outros. É a discriminação da bola: crer que encher um estádio com 50 mil pessoas lhe dá o direito a “sentir” muito mais que aquelas centenas que a cada sábado acompanham o Lamadrid. O rebaixamento há igualado a muitos. Grandes ou pequenos. San Lorenzo, River, Racing e Independiente já sentiram esse gosto amargo. Lamadrid também. Várias vezes. Da B para a C, e da C para a D. Subindo e descendo, como um elevador. E o sentimento é o mesmo.

Contudo, na D existe algo distinto. Um jogo macabro, uma roleta russa. Ser rebaixado na D é desaparecer do mapa. Despedir-se, afundar-se. O nada. Nesse momento, os dois últimos colocados na tabela dos promedios, os piores do futebol argentino, eram condenados à desfiliação. Hoje este inferno afeta a um só, o último. Mas naquele torneio eram dois.

A pena é capital: não se joga durante um ano. Todo um ano. Doze meses. 365 dias, 8.760 horas, 525.600 minutos, 31.536.000 segundos sem ir à cancha. É distinta a paixão de um torcedor do Boca a um torcedor do Lamadrid? O que sentiria um torcedor do River se no próximo final de semana sua equipe deveria ganhar sim ou sim e esperar que outro rival, em outra cancha, não ganhe ou ao menos empate para ter o direito a uma final para evitar a desfiliação por um ano?

Lamadrid, naquele 27 de março de 1993, chegou a última rodada da Primera D na penúltima colocação da tabela de promedios, a um passo da desfiliação. Sportivo Barracas já estava condenado e Lamadrid devia ganhar ou ganhar para evitar acompanhar-lo. Entretanto, devia esperar que Atlas também não o fizesse. Se triunfasse, condenava o carcelero ao inferno do ano sabático. E o Atlas, humilde equipe de General Rodríguez, recebia em casa o modesto Centro Español, que não jogava para nada.

Como explicar a um torcedor do Boca uma agonia que jamais sentirá? Como explicar que havia que ver uma partida de futebol e com o rádio colado na orelha esperando notícias de outro jogo que não se acompanhava ao vivo e ainda carecia de todo interesse para a audiência da Radio Rivadavia? Havia que esperar o narrador da partida principal da Primera B perguntar por notícias sobre o Atlas, algo que ocorria cada… uma eternidade, quando lhe desse vontade.

Lamadrid fez o seu papel. Com um gol de Javier Carotti derrotou o J.J. Urquiza por 1 a 0. Não lhe sobrou nada. Os jogadores foram ao vestiário com a incerteza de não saber se no ano seguinte teriam ou não um clube aonde jogariam. Um deles estava no banco de reservas. Com apenas dezesseis anos, ainda não havia estreado na equipe principal. Seu nome, Flavio Fernández, futuro ídolo do clube.

Flavio Fernandez

Em um momento da tarde, os torcedores do Lamadrid souberam pela rádio que o Atlas e Centro Español empatavam em 1 a 1. Não sabiam quem havia marcado primeiro. Talvez fosse melhor. Após o apito final em Villa Lynch, nada estava decidido. Um punhado de torcedores, poucas dezenas, estavam junto ao alambrado aguardando notícias desde General Rodríguez. Se salvou o Lama? Jogaremos o desempate? Vamos para a…? Além da D, não há mais nada.

Quinze minutos depois do final do jogo, a Radio Rivadavia fez um boletim geral por todas as canchas das divisões de acesso. Todas. Primeiro, a B Nacional, logo em seguida Primera B, mais tarde Primera C. Finalmente, Primera D. Haviam poucos rádios na arquibancada. Dois ou três, no máximo. Todos se acotovelavam próximo de cada aparelho. Não se escutava nada. Era um silêncio demolidor. O recorrido por mais de quarenta estádios de quatro categorias diferentes era interminável. Havia inclusive anúncios. algum comentário, uma pergunta, uma vã filosofia que aumentava a ferida. “¡Aceite bueno y barato, Forest 444! “¡Pilas Everyday, una pila de vida!”

Cada jornalista, com vinte poucos anos e sem experiência, que entrava no ar, sabia que esse era “seu” momento. Sua namorada estaria escutando, seus pais, seus amigos, todo o bairro. E não permitiria que esses segundos lhe escapassem tão rápido. Deviam pensar em um comentário inteligente, uma figura poética, um resumo claro e certeiro. Fora dos aparelhos, a poucos metros do dial, com o olhar fixo no nada, os torcedores do Lamadrid estavam adiante de um pelotão de fuzilamento.

-Vamos a Villegas… – anunciava o narrador.

Preparar…

-En Lugano…

Apontar…

-En General Rodríguez…

Fogo!

-Final. Atlas y Centro Español empataron 1 a 1. Néstor Gómez para el local y Ricardo De Vito para la visita.

Não foi um grito de campeão. Nem um alarido. Não se grita assim quando uma equipe é campeã. Tampouco quando se salva do rebaixamento. É um aperto de punho que dói, um suplício que não termina, como o condenado à morte que lhe suspendem a execução para a próxima semana. Lamadrid havia ganhado o direito de jogar a final mais importante de sua história contra o Atlas. O direito de não desaparecer por um ano interminável e deixar de ser. Experimentar a síndrome da cancha vazia. O zagueiro do Centro Español, Ricardo De Vito, era o herói anônimo. Durante anos De Vito foi um homem familiar para mim. Sentia um agradecimento especial para esse futebolista amador que havia contribuído para salvar o Lamadrid do abismo. Pensava que lhe devia uma homenagem.

Encontrei a De Vito depois de procurá-lo pelo seu clube, pelas páginas web do ascenso e até na lista telefônica. Haviam três Ricardo De Vito na província de Buenos Aires. O último deles era o seu pai. Foi difícil explicar a um senhor de uns 80 anos que procurava seu filho para agradecer-lhe por um gol que havia marcado vinte anos atrás. Mas o homem era de outra época, uma época em que haviam códigos que se deviam respeitar e me deu o número do celular do seu filho.

“¿Qué?” De Vito não entendia nada. Me pediu para chamar-lhe mais tarde. Embora mais tarde tampouco compreendia que alguém lhe perguntava por um gol que havia convertido décadas atrás no futebol amador. Como explicar-lhe a importância que havia sido esse gol para o Lamadrid? Custou-lhe que confiasse que eu não tiraria informações para um futuro sequestro virtual. E mais, que cresse no motivo da chamada. Ao final… afroxou.

No entanto, não lembrava muito dessa partida. Quase nada. Não estava seguro. “Creo que empezó ganando Atlas y lo empaté de cabeza”. Fanático pelo Vélez, De Vito jogou pelas categorias de base do clube de Liniers, mas rompeu os ligamentos cruzados aos 16 anos. Nada foi igual. Chegou a jogar três partidas pelos aspirantes, mas não teve o contrato renovado próximo de profissionalizar-se. Assim, apareceu no Centro Español, o clube modesto do bairro aonde passou sua infância. Jogou durante cinco temporadas ali. Com essa camiseta – segundo tinha tatuado na minha memória – fez o gol contra o Atlas que permitiu ao Lamadrid disputar uma final pela permanência.

De Vito, categoria 1967, hoje é comerciante de vinhos. Tem cinco filhos e um deles joga nas categorias de base do Vélez. Mas como podia ser que ele não se recordar-se desse gol? Queria narrar-lo, descrever-lo, gritar-lo como não pude fazê-lo vinte anos atrás.

Segui em busca do milagre. Mas acabei me deparando com a realidade nua e crua. A lenda que havia alimentado durante duas décadas não existia. Era apenas isso, uma lenda. Atlas não havia jogado essa partida crucial contra o Centro Español e sim com o Muñiz. De Vito havia marcado um gol nesse dia, porém em sua visita ao San Martín de Buzarco. As estatísticas não mentiam. Foi um duro golpe. Quem era então o verdadeiro De Vito?

Seu nome: Juan Carlos Tobar, meio-campista. Chegou ao Muñiz em 1990 e estreou entre na equipe principal dois anos depois. Ali sofreu três desfiliações. Também jogou no Ferrocarril Urquiza. No total, foram 190 partidas e 8 gols convertidos. Se aposentou em 2010. Hoje joga na Liga de Escobar para o América FC. Tobar foi o nosso Ricardo De Vito. Agradeço aos dois por alimentar a lenda. Obrigado, De Vito, por estes vinte anos. Obrigado, Tobar, por aquele gol que – ninguém duvida em Villa Devoto – foi o mais importante da sua carreira.

*gentilmente cedido pela Aguilar; traduzido por Matias Pinto

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Neste sábado (10), Lamadrid e J.J. Urquiza se enfrentam em Villa Devoto, pela 34ª rodada da Primera C, ambos ameaçados pelo rebaixamento

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