Com a Morte na Alma

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Por Victor Faria

Nova York

Levantou-se com precaução, mas sem poder evitar a inundação, as gotas de suor corriam-lhe pelos flancos como piolhos, e faziam cócegas. No espaldar da cadeira, a camisa amassada, cheia de pregas: nada seca nesta merda de país. O coração batia-lhe, parecia estar de ressaca, como se tivesse se embriagado na véspera.

Enfiou as calças, foi até a janela e puxou as cortinas: na rua, a luz era branca como uma catástrofe; mais horas de luz. Olhou a rua com angústia e raiva. A mesma catástrofe: lá longe, sobre a terra engordurada e preta, sob a fumaça, sangue e gritos; aqui, entre as casinhas de tijolos vermelhos, luz, só luz e suor. Mas era a mesma catástrofe. Olhou, e viu de repente todas as cores gritarem. Mesmo se tivesse tempo para pintar essas vivas cores, mesmo se tivesse cabeça…

Tocaram. Gomez foi abrir. Era Ritchie.

– É um crime – disse Ritchie ao entrar.

Gomez estremeceu:

– Como?

– Este calor: é um crime. Ainda não está vestido? – acrescentou, em tom de censura – Ramon nos espera.

Gomez deu de ombros:

– Faz muito calor. Não consigo dormir.

– No início é assim – disse Ritchie, sem dar muita importância – Você se acostuma. A quantas anda você?

– Na lona. Não tenho mais uma só camisa e só me restam 18 dólares. E, depois, Manuel volta segunda, preciso devolver-lhe o apartamento.

Mas pensava no jornal que Ritchie lia enquanto o esperava; ouvia-o virar as páginas. Enxugou-se cuidadosamente, em vão: a água brotava da toalha. Enfiou com arrepios a camisa úmida e voltou para o quarto.

Ao se abaixar para amarrar o cordão dos sapatos, procurou ler, por baixo, os títulos da primeira página. Acabou perguntando:

– E Paris?

– Não ouviu o rádio?

– Não tenho rádio.

– Terminado, liquidado – disse Ritchie serenamente – Eles entraram na cidade.

Gomez foi até a janela, colou a fronte no vidro quente, olhou a rua, o sol inútil, o dia inútil. Só haveria dias inúteis agora. Virou-se e deixou-se cair na cama.

– Ande depressa – disse Ritchie – Ramon não gosta de esperar.

Gomez levantou-se.

– Ele está de acordo?

– Em princípio, sim. O pagamento é semanal e você ficará responsável pelas equipes de base. Mas ele quer vê-lo.

– Ele me verá – disse Gomez – Ele me verá.

Voltou-se bruscamente:

– Preciso de um adiantamento. Acha que ele vai topar?

Ritchie deu de ombros e disse depois de um instante:

– Contei que você vinha de um curso na Espanha, mas não falei de suas… façanhas. Não vá dizer a ele que sua alcunha era de general: afinal, no fundo, não se sabe o que ele pensa.

– Não tenha medo, não tenho vontade de me vangloriar; há seis meses que estou sem trabalho. Além disso, os americanos parecem não gostar de guerra. – retrucou amargamente.

– Vamos.

Ritchie dobrou devagar o jornal e levantou-se, ignorando o comentário anterior. Já na escada, perguntou:

– Sua mulher e seu filho estão em Paris?

– Espero que não – disse Gomez com vivacidade – Espero que Sarah tenha sido bastante esperta e fugido para Montpellier.

Acrescentou:

– Não tenho notícias deles desde a manhã de ontem.

– Se conseguir o emprego, você poderá trazê-los.

– É – disse Gomez – Veremos.

A rua, o brilho ofuscante das janelas, o sol sobre as compridas casernas chatas e sem telhados, de tijolos cinzentos. Diante de cada porta, degraus de pedra branca; uma bruma de calor do lado do East River; a cidade tinha um ar enfezado. Nenhuma sombra; em qualquer rua do mundo talvez ninguém se sentisse mais terrivelmente exposto. Talvez. Agulhas incandescentes furavam-lhe os olhos, ergueu a mão para proteger-se e a camisa colou na sua pele. Ele se arrepiou:

– É um crime!

– Ontem – disse Ritchie – um pobre velho caiu de insolação à minha frente. Horrível, não gosto de ver mortos.

“Vá para a Europa e estará bem servido”, pensou Gomez.

– Faça o possível para sorrir – recomendou Ritchie.

– O quê?

– Faça o possível para sorrir. Se o Ramon o vir com esta cara, você vai assustá-lo. Não lhe peço que seja obsequioso – acrescentou vivamente diante de um gesto de Gomez – Ao entrar, ponha nos lábios um sorriso inteiramente impessoal e esqueça-o ali; durante esse tempo você poderá pensar no que quiser.

– Sorrirei – assegurou Gomez.

Ritchie olhou-o com solicitude:

– É com o menino que você se preocupa?

– Não.

Ritchie fez um esforço doloroso de reflexão:

– É por causa de Paris?

– Quero que Paris se dane! – afirmou Gomez com raiva.

– É melhor que tenham atacado a cidade sem combate, não acha?

– Os franceses podiam defendê-la – respondeu Gomez com uma voz neutra.

– Ora! Uma metrópole no centro da Europa.

– Podiam defendê-la. Outros centros se defenderiam.

– Mas por que defender Paris? Seria tolice. Teriam destruído o Louvre, a Ópera, a Notre-Dame. Quanto menos devastação houver, melhor será. A guerra acabará logo.

– Ora se… – disse Gomez com ironia – Nesse ritmo, em três meses teremos a paz jihadista.

– A paz – respondeu Ritchie – não é nem católica e nem islâmica: é a paz. Você sabe muito bem que não gosto dos jihadistas. Mas são homens como os outros. Uma vez ameaçada a Europa, começarão as dificuldades para eles, terão de se moderar, abrandar.

Falava lentamente e com aplicação.

Gomez olhou-o irritado, havia uma imensa boa vontade naqueles olhos cinzentos. Ritchie era alegre, gostava da humanidade, das crianças, dos pássaros, da arte abstrata; pensava que com dois vinténs de bom senso todos os conflitos seriam resolvidos. “O que representava o ataque a Paris para ele?”

Um sujeito de óculos olhava-o. Gomez teve vergonha, como se houvesse gritado todo seu ódio.

– Vamos descer – disse Ritchie sorrindo.

Nos cartazes, nas capas de revistas, a América sorria. Gomez pensou em Ramon e pôs-se a sorrir.

– Teremos só cinco minutos de atraso.

Cinco minutos, uma hora, cinco horas de fuso horário para a França: lívida, sem esperança, o tempo escondia-se no fundo daquela tarde colonial.

Paris

As filas intermináveis de vítimas enchiam a estrada. Por um momento Sarah tentou caminhar entre elas, mas o alarido das buzinas jogou-a novamente para a valeta.

– Ande atrás de mim.

Ela torceu o pé e parou.

– Sente-se.

Sentaram-se no meio-fio. Insetos remexiam-se diante deles, enormes, lentos, misteriosos. Ele voltava-lhe as costas; apertava ainda mais as mãos; os automóveis, os transeuntes, rangiam, cantavam como grilos. Os homens haviam sido transformados em insetos. Ela estava com medo.

– Ele é mau! – disse Pablo. – Ele é mau! Mau!

– Ninguém é mau – disse Sarah arrebatadamente.

– Então, por que que ele fez isso?

– Não se diz por que que: por que ele fez isso.

– Por que ele fez isso?

– Ele deveria estar com medo.

– Estamos esperando o quê?

– Que os carros passem, para podermos andar pelas ruas. Bruscamente, ela subiu o talude e pôs-se a acenar com a mão. Os carros passavam adiante e ela sentia-se vista por olhos escondidos, estranhos olhos de moscas.

– O que está fazendo, mamãe?

– Nada – disse Sarah amargamente – Besteira.

Voltou para a valeta. Pegou a mão de Pablo e ficaram a contemplar a estrada silenciosamente. Devia partir para Gien, talvez. Depois de Gien, Nevers, Limoges, Bordeaux, Hendaye. Em Hendaye, os consulados, os papéis, as esperas nas repartições. Seria muita sorte achar um trem para Lisboa. Em Lisboa, seria um milagre encontrar um navio para Nova York. E em Nova York? Gomez não tem um centavo.

Os carros tinham desaparecido, a rua estava vazia. Do outro lado um homem passou de bicicleta; estava pálido e suava; pedalava com brutalidade. Ele olhou para Sarah com ar exaltado, sem parar:

– Paris está sob ataque! Homens-bombas, incendiários!

– Como?

Mas ele já alcançara o pelotão dos carros, ela o viu agarrar-se à traseira de um Renault. Paris em chamas. Para que viver? Para que proteger aquela pequena vida? Para que vague de país em país, amedrontado e amargo; para que remoa durante meio século a maldição que pessoa sobre escolhas alheias? Para que morra aos vinte e poucos anos numa esquina, metralhado, segurando as tripas nas mãos?

– Vamos. Venha. Está na hora.

A multidão invadiu a rua, densa, tenaz, implacável: uma inundação. Nenhum ruído, salvo o chiado choros longínquos em desespero. Sarah teve um minuto de angústia, quis fugir para longe, mas dominou-se, pegou Pablo, puxou-o com ela, deixou-se arrastar. O cheiro. O cheiro dos homens, quente e insosso, doente, acre, perfumado, cheiro antinatural de animais que pensam. Pablo começou a rir e Sarah estremeceu.

– Psiu! – fez ela envergonhada – Não se deve rir.

Ele continuava a rir, sem fazer barulho.

– Por que está rindo?

– É como nos enterros – explicou.

Sarah adivinhava rostos e olhos à direita e á esquerda, mas não tinha coragem de olhar. Caminhavam, obstinavam-se a caminhar como ela se obstinava a viver. Caminhavam sem parar. Sarah muito dura, de cabeça erguida.

– Os terroristas nos matariam se nos pegassem? – indagou Pablo subitamente.

– Psiu! Não sei.

– Mataram toda essa gente?

– Mas, cale a boca! Já lhe disse que não sei.

– Então temos de correr.

Sarah apertou-lhe a mão.

– Não corra. Fique aqui. Não nos matarão.

A esperança se apagou. Nunca chegaria a Gien. Nem ela nem ninguém. Ninguém tinha esperança, mas estamos envolvidos pela multidão, a multidão caminha e nós caminhamos; somos apenas patas desse interminável verme. Para que andar quando a esperança morreu? Para que viver?

Durante um instante foi uma morta. Mas os ruídos diminuíram, viu feridos se levantarem, gente sair de esconderijos; era preciso recomeçar a viver, recomeçar a andar.

Nova York

– Um uísque duplo – pediu em francês – Não tem o jornal de hoje?

O barman tirou da gaveta o New York Times e lhe deu. Era um rapaz louro de ar triste e pontual. Gomez fingiu dar uma espiada no jornal e ergueu de repente a cabeça. O barman olhava-o com um ar de cansaço.

– Nada boas as notícias, hem? – disse Gomez.

O barman sacudiu a cabeça.

– Tomaram Paris de ataque – afirmou Gomez.

O barman emitiu um som melancólico, encheu um pequeno copo de uísque, virou o conteúdo num copo maior; recomeçou a operação e colocou o copo grande à frente de Gomez.

Gomez bebeu o uísque de um trago e desceu do banquinho. Do outro lado do salão, o velho viu-se aproximar-se sem demonstrar surpresa. Gomez plantou-se em frente da mesa e contemplou o rosto dele com avidez.

– O senhor é francês?

– Sou – disse o velho.

– Ofereço-lhe uma bebida.

– Obrigado. Não é dia para isso.

A crueldade fez bater o coração de Gomez.

– Por causa disto? – indagou, com o dedo na manchete do jornal.

– Por causa disto.

– É por causa disto que eu lhe ofereço uma bebida – disse Gomez. – Morei dez anos na França, minha mulher e meu filho estão lá ainda. Uísque?

– Sem gelo, então.

– Tem alguém por lá?

– Em Paris não. Meus sobrinhos estão em Moulins.

Encarou Gomez atentamente.

– Estou vendo que não está aqui há muito tempo.

– E o senhor?

– Instalei-me aqui já faz um bom tempo.

Acrescentou:

– Não gosto deles.

– Por que fica então?

O velho encolheu os ombros.

– Ganho dinheiro.

– É comerciante?

– Barbeiro. Meu salão fica a duas quadras daqui. De três em três anos, eu passava dois meses na França. Devia ir este ano, e aí está…

– Pois é – disse Gomez.

– Esta manhã já se passaram quarenta pelo meu salão. E queriam tudo: barba, cabelo, massagens elétricas. Pensa que me falaram de meu país? Uma ova. Liam seus jornais sem dizer uma palavra. Se não os feri, foi porque tiveram sorte: minha mão tremia. Por fim, larguei o trabalho e vim para cá.

– Não estão ligando – disse Gomez.

– Não é bem isso, é que não acham a palavra que causa prazer. Paris é um nome que tem certo sentido para eles. Por isso mesmo não falam; exatamente porque os comove. São assim.

Gomez recordava-se da multidão da Sétima Avenida.

– Todos aqueles sujeitos na rua, acham que pensam em Paris?

– Em certo sentido, sim. Mas sabe, eles não pensam da mesma forma que nós. Para o americano, pensar em alguma coisa que o aborrece consiste em fazer o possível para não pensar nela.

Precisava beber. Antes acreditava ser o único a se preocupar com a França, a queda de Paris era assunto seu; a um tempo uma desgraça e um justo castigo para os franceses. Agora sabia que ela rondava o bar, que girava sob uma forma um tanto vaga e abstrata em torno de milhões de almas. Era quase insuportável: tinham rompido sua ligação pessoal em Paris, já não passava de um imigrante recém-chegado, tomado, como tantos outros, por uma obsessão coletiva.

– E veja, os americanos não nos ajudam. Indivíduos e países, é tudo igual. Cada um por si.

– É – disse Gomez – cada um por si.

O barman saiu apressado. Gomez enfiou a cabeça entre as mãos e olhou para a parede, revia nitidamente a gravura que largara sobre a mesa. Reviu a gravura, a mesa, a janela grande e pôs-se a chorar.

Saint-Denis

Mathieu dormia e a guerra estava perdida. A voz despertou-o num sobressalto: jazia de costas, de olhos fechados, os braços colados ao longo do corpo, e perdera a guerra. Não se recordava muito bem o porquê de estar ali, mas sabia que de alguma forma perdera a guerra.

Pode ouvir a voz lenta de Nippert a dizer:

– Ah! É assim! É assim!

Onde estamos? No gramado. Homens e mulheres de todos os cantos pelos campos, ao longe homens de uniforme se espalhavam nas arquibancadas. De repente a noite passara entre nossos dedos e fora se perder em algum lugar ao norte do estádio, com um estrondo.

– Ah! É assim! É assim!

Mathieu abriu os olhos e viu o céu; era cinza pérola, sem uma nuvem, sem fundo, apenas uma ausência. Uma manhã se formava lentamente nele, uma gota de luz que ia cair no gramado e inundá-lo de ouro. Os inimigos atacaram Paris, nós perdemos a guerra. Um começo, uma manhã. A primeira manhã do mundo: tudo estava por fazer, todo o futuro estava no céu. Em Paris, os radicais erguiam os olhos para o céu, liam nele a vitória e as consequências dela. Eu não tenho mais futuro.

Charlot deitara-se de lado; Mathieu via suas faces rosadas e sua boca grande.

– Gostaria de saber – disse Charlot em voz baixa – se vamos partir daqui ainda hoje.

No seu rosto jovial, um ar de angústia rondava sem se deter em nenhum ponto preciso.

– Hoje? Não sei.

Tinham saído de Morsbronn na véspera; houve aquele desespero desenfreado e agora essa parada.

– O que a gente ainda está fazendo aqui? Pode me dizer?

– Dizem que estamos esperando as medidas de segurança – confirmou Schwartz, vindo do outro lado.

– Se a polícia não consegue se virar, não é razão para nos deixarmos prender com eles.

– Sei – confirmou Mathieu tristemente.

– Calem-se – disse Schwartz.

– Já devem ser quase seis horas – disse Charlot.

Mathieu ergueu o punho acima dos olhos e virou-o para consultar o relógio.

– Seis e cinco.

– Seis e cinco – disse Schwartz – Estranharia que partíssemos tão cedo.

Ninguém se mexeu. Um gato passou perto deles a toda, ziguezagueando. Mathieu erguera-se sobre o cotovelo e seguia-o com o olhar. Viu de repente um par de pernas arqueadas. O tenente Ulmann plantara-se à frente deles, de braços cruzados, e os considerava franzindo as sobrancelhas.

– O que estão fazendo aí? São completamente loucos? Vão me dizer o que estão fazendo aí?

Mathieu esperou alguns instantes, como ninguém respondeu, disse sem se levantar:

– Preferimos dormir ao ar livre, meu tenente.

– Eu proibi – disse. – Proibi que ficassem sozinhos. E que negócio é esse de ficar deitado na presença de um superior?!

– A guerra acabou, meu tenente – disse com um sorriso estranho.

– Não acabou. Vocês deveriam ter vergonha de dizer que acabou quando há homens que se matam para nos proteger.

– Coitados! – disse Charlot – Dão-lhes ordens de morrer enquanto estão assinando o armistício.

O tenente corou violentamente.

– Em todo caso, vocês são como soldados. Enquanto não os devolverem em segurança estarão sujeitos às ordens oficiais.

– Façam-me o favor de levantarem, depressa.

– Uma guerra engraçada essa! – afirmou Charlot – Agora são os civis que morrem e os soldados que se escondem.

Schwartz caiu na gargalhada.

É engraçado, pensou Mathieu. Sim, e trágico. Olhou para o vazio e pensou pela primeira vez na vida a determinação de seu destino por ser francês. Nunca havíamos visto a França: estávamos dentro dela, era a pressão do ar, a atração da terra, o espaço, a visibilidade, a certeza tranquila de que o mundo foi feito para o homem; era tão natural ser francês, era o meio mais simples, mais natural de se sentir universal. Não havia nada a explicar. Agora a França está deitada de costas e nós a vemos, vemos uma grande máquina quebrada, e pensamos: era isso. Isso, um acidente geográfico, um acidente da história. Ainda somos franceses, mas não é mais natural. Bastou um ataque para perceber que somos a moeda de troca. “Eis o que nos tornamos.”

Paris

Sem dúvida, condenava severamente a tristeza, mas quando se cai nela, é um inferno para sair. “Devo ter um gênio desgraçado”, pensou. Poderia congratular-se por ter escapado da morte. Em vez disso, pensava: “Sobrevivi”, e afligia-se. Na tristeza, são as razões de se alegrar que se fazem tristes e a gente se alegra tristemente. Além disso, pensou, tudo está morto. Tinha o coração pesado.

Ninguém no bulevar Saint-Germain; rua Danton, ninguém. Nem mesmo as portas de ferro estavam abaixadas: tinham simplesmente partido. Era domingo. Era domingo há três dias; em toda a França agora havia um só dia em toda a semana. Um domingo como outro qualquer, um pouco mais vazio que de costume, um pouco mais químico, silencioso demais, já cheio de podridões secretas.

A pequena praça de Saint-André-des-Arts, inerte, entregava-se ao sol; em plena luz, era noite escura. O sol era um artifício: um clarão de magnésio que escondia a noite, que iria se apagar num vigésimo de segundo, mas não se apagava. Pairava sobre as casas, sobre o Sena, uma atmosfera de terror e medo. Silêncio e vazio a perder de vista: um abismo horizontal. Subitamente o espetáculo pareceu-lhe insuportável, desviou o olhar, voltou atrás, agarrou a mão do menino e pôs-se a voltar, mesmo sem saber qual seria o caminho de casa. As ruas não conduziam a lugar nenhum.

Afastou-se negligentemente. A derrota tornara-se cotidiana: era o sol, as árvores, o ar do tempo e essa vontade sorrateira de estar morta, mas sobrava-lhe da véspera, no fundo da boca, um gosto azedo de fraternidade. Atravessaram a praça para ir sentar-se na calçada diante da padaria fechada. Em seguida, outros surgiram e outro mais que Sarah não conhecia tampouco, sem armas ou perneiras. Teria sido possível simpatizar com eles se ainda houvesse um sopro de esperança.

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