Deus e o diabo na terra de Raulzito

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Por Luiz Felipe de Carvalho

Como um grande fã de Raul Seixas, sempre me intrigou sua relação com Deus. Não só com Deus, mas também com o filho rebelde de Deus, o Diabo. E com a religião, ou com as religiões, de maneira geral. Não precisa ser muito versado em Raulzito pra saber que são assuntos recorrentes em sua obra. Minha dúvida era: quão recorrentes? Para sanar esta inquietante questão me debrucei sobre todas as músicas da carreira solo do artista. O que se segue está longe de ser um trabalho acadêmico. São apenas algumas estatísticas e considerações informais sobre os resultados de meu estudo.

Em primeiro lugar, precisava definir qual parte da obra de Raul entraria na análise. Com todas as decisões cabendo somente a mim, pude ser bastante arbitrário. Excluí, por exemplo, seu primeiro disco, lançado ainda como Raulzito e os Panteras (1968). Embora tenha embriões do que seria Raul, não acho que seja um disco que represente o artista. Também retirei os dois discos lançados em conjunto, “Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das Dez” (de 1971, em que divide as composições com Sérgio Sampaio) e “A Panela do Diabo” (de 1989, com Marcelo Nova). Esses dois me doeram no coração, porque tem coisas maravilhosas (o primeiro é uma obra-prima), mas queria me focar nos discos lançados como Raul Seixas, artista solo. Como o objetivo principal era analisar as letras, obviamente também ficaram de fora os discos “Os 24 Maiores Sucessos da Era do Rock” e “Raul Rock Seixas”, que são discos focados em covers de outros artistas. Os singles também foram limados, porque acrescentam pouca coisa inédita em relação aos discos completos. Ainda assim fiquei com um universo de 12 álbuns e 125 canções para analisar.

Embora meu objetivo principal fosse analisar as letras, me detive também nos créditos de composição das canções. Afinal, era importante saber quem foram os parceiros de Raul, que contribuíram com o conteúdo lírico das músicas – embora hoje seja impossível saber em que grau isso se deu. Raul teve dois parceiros principais em sua carreira: Paulo Coelho e Cláudio Roberto. É sabido que Paulo contribuía principalmente com as letras, enquanto Cláudio era um parceiro que também participava das melodias e harmonias. Raul também fez muitas músicas sozinho. E teve diversos outros parceiros eventuais, inclusive várias de suas esposas.

Em números, partindo do universo de 125 canções:

Raul sozinho: 30 (24%)
Raul só com Paulo Coelho: 29 (23.2%)
Raul só com Cláudio Roberto: 21 (16.8%)
Raul só com alguma das esposas: 11 (8.79%)

Além das canções feitas apenas com Raul, os parceiros Paulo Coelho e Cláudio Roberto também foram creditados junto a outros parceiros além de Raul. Se juntarmos, portanto, todas as participações dos dois, teríamos o seguinte:

Raul sozinho: 30 (24%)
Raul com Paulo Coelho (com ou sem mais alguém): 31 (24.8%)
Raul com Cláudio Roberto (com ou sem mais alguém): 30 (24%)

Se desconsiderarmos “I´m”, que é uma versão em inglês de “Gitá” (com letra ligeiramente modificada), teríamos exatas 30 músicas de Raul sozinho, e mais 30 com participação de cada um de seus principais parceiros. Cabalístico, de um jeito que Raul provavelmente acharia divertido. Isso corresponde a 72% do total analisado aqui.

Das 125 faixas deste estudo, apenas três não contam com a participação de Raul na composição. Apesar disso elas entraram nas análises das letras, por terem sido escolhas de Raul para fazerem parte de seus discos. No entanto, não incluí “So glad you´re mine”, uma versão ao vivo de uma música de Arthur Crudup, incluída no disco de 1983. Acho a música totalmente deslocada no álbum (eu disse que seria arbitrário).

“Mas afinal, escreveu um monte de coisa, e aí, em quantas músicas Raul fala do assunto, catzo?”

Em termos de números gerais, considerei qualquer citação a Deus, diabo, Jesus, bíblia, céu, inferno, religião, etc, mesmo que não fosse o assunto principal da letra. Entendo que a mera citação, mesmo que ligeira, revela o quanto o assunto era uma espécie de obsessão para Raul.

Total de citações: 66 (52.8%)

(Raul certamente daria um sorrisinho debochado quando visse esse dois números “seis” seguidinhos: “Pô, faltou só um!”)

Nunca fiz esse estudo com outros artistas, mas acho muito difícil que alguém seja tão recorrente em relação a este assunto – exceção feita, talvez, ao Padre Fábio de Melo.

Desse total de 66 canções, muitas tem apenas uma pequena citação aos assuntos divinos, ou às vezes até um “caco” no meio da letra, como em “Coração noturno”, em que ele canta “No entanto, entretanto, meu Deus, e portanto”. Outras, como “Eu nasci há dez mil anos atrás”, citam o assunto diversas vezes com um pouco mais de profundidade (“eu vi Cristo ser crucificado”, “eu vi Moisés cruzar o Mar Vermelho”), embora não seja esse o tema central da música.

Mas, mesmo se considerarmos apenas as canções em que o divino é assunto principal da letra, o número é bastante alto: 13 músicas, totalizando 10,4% do universo aqui analisado. Estou falando de músicas como “Gita”, “O Trem das 7”, “D.D.I (Discagem Direta Interestelar)”, “Judas” e outras, em que o assunto não é apenas tangencial, mas sim o cerne lírico da canção.

Raul buscava respostas. Não era chato como alguns de seus fãs mais chatos fazem parecer. Era essencialmente um ser curioso. E nessa busca por respostas teve muita religião, muitx Deus, muito diabo, muita bíblia, muito candomblé pra tentar chegar a alguma compreensão – talvez jamais atingida. Mas isso nem importava tanto. Para um bom curioso, a busca é eterna. Como ele mesmo diz no final da versão em disco de “Ouro de tolo”: “Que o mel é doce é coisa que me nego a afirmar, mas que parece doce eu afirmo plenamente. Deus é aquilo que me falta pra compreender o que eu não compreendo”. Lá em seu primeiro disco solo, de 1973, a resposta já estava dada. E não era nada conclusiva.

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