Filmografando: a carreira de Steven Spielberg

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De Luiz Felipe de Carvalho

Uma pedra gigante rola dentro de uma caverna, perigosamente se aproximando de dois homens, que correm desesperadamente em direção à saída. Uma mulher, depois de anos de abuso marital, finalmente se livra do casamento e se reencontra com a irmã e com os filhos.

Movimento e emoção. Creio que estes são os dois pilares do cinema de Steven Spielberg. Conceitos universais que talvez expliquem porque, para quem tem entre 40 e 50 anos, Spielberg é praticamente um sinônimo de cinema, assim como Hitchcock havia sido para a geração anterior. Claro que isso indica também o quanto as nações periféricas – e até algumas não periféricas – são dominadas culturalmente pelo que vem dos Estados Unidos. Mas aqui, neste texto, não vou problematizar o imperialismo estadunidense, e sim homenagear um grande cineasta, que fez com que eu me apaixonasse por esta arte, lá no meio dos anos 1980.

Para homenageá-lo, primeiramente revi (ou vi pela primeira vez) todos os filmes dirigidos por ele, em ordem cronológica. Comecei com “Encurralado”, feito para a TV em 1971, e fui até “Jogador Nº1”, de 2018. Para este texto, escolhi elencar todos os filmes em ordem inversa de preferência, partindo do pior para o melhor. Afinal, assim como no cinema, um pouco de suspense também faz bem em um texto.

Cada filme vem acompanhado de uma sinopsezinha e um comentariozinho, tudo no diminutivo para isso aqui não ficar gigantesquíssimo. Também fiz algumas considerações sobre uma marca autoral de Spielberg, que é a utilização de crianças em seus filmes, e de que maneira isso se deu em cada um deles.

Importante lembrar: contém spoilers dos filmes!

32 – Além da Eternidade (Always, 1989)

Sinopsezinha: o personagem principal é um aviador-bombeiro, que é o Richard Dreyfuss, desses que apagam fogo de florestas, pilotando aviões, e daí logo no começo sabemos que ele vai morrer, porque é um idiota, embora seja talentoso no que faz, e daí rola que ele encontra o óbito mesmo, e logo depois disso encontra um anjo, que é a Audrey Hepburn (veja só, participou dessa bomba), e ela diz que o cara ainda não pode descansar no céu porque tem uma missão antes de ir, que é ajudar, como fantasminha, um outro aviador iniciante, que, vejam só, começa a ter um caso com a namorada do falecido, que é a Holly Hunter.

Comentariozinho: uma das críticas mais comuns a Spielberg é que ele às vezes carrega no açúcar. Nesse filme, essa crítica encontra seu alicerce fundamental: é um caminhão de açúcar coberto com leite condensado, provocando azia, má digestão, mas nunca emoção de verdade. O filme tenta fazer chorar, tenta fazer rir (desperdiça John Goodman), tenta de tudo, e não acerta em nada. Mas o pior mesmo vem no fim, quando a lição de moral é esfregada em nossa cara sem nenhuma sutileza, esvaziando totalmente o que, de resto, poderia ser virtuoso. Holly Hunter está adorável no papel da namorada de Dreyfuss, e luta contra os diálogos vagabundos que lhe deram. Ela é o melhor motivo para ver o filme. Mas só se você quiser muito (ou se for ver toda a filmografia do cara).

Criancinhas: Spielberg poupou as crianças de participar disso aqui. Não há nenhuma criança na trama, embora o filme pareça ter sido feito por crianças.

31 – 1941 – Uma Guerra Muito Louca (1941, 1979)

Sinopsezinha: tem um submarino japonês na costa da Califórnia, um pouco depois do ataque a Pearl Harbor, e o comandante desse submarino é o Toshiro Mifune (que podia encerrar a cerreira sem essa), e daí eles querem baixar o moral dos EUA atacando “roriúde”, embora eles não saibam exatamente onde fica “roriúde”, e então os EUA entram numa paranoia doida, e instalam uma metralhadora anti-aérea em frente à casa da família do Ned Beatty (que morreu esses dias, inclusive, tadinho, podia encerrar a carreira sem essa também), e tem um monte de outras personagens, é uma bagunça de um cacete isso aqui, mas é basicamente isso.

Comentariozinho: eu dei apenas uma boa risada no filme todo: um parque de diversões se acende todo, e os japoneses dizem “Roriúde!”, e acham que finalmente encontraram o lugar, e enchem o parque de tiro. A roda-gigante sai rolando e cai na água, e um japonês diz “Goodbye roriúde”. Mas, de maneira geral, é uma comédia sem nenhuma graça. Não é por acaso que Spielberg nunca mais dirigiu uma comédia “puro-sangue” depois dessa (o mais próximo disso foi “O Terminal”, que, não por acaso, também não tem um bom lugar nessa lista). O próprio Spielberg disse que não tinha uma visão clara do filme, e que ele deveria ter sido dirigido por Robert Zemeckis, que co-escreveu o roteiro, mas ainda não era um nome de primeiro escalão em “roriúde”. Fato é que a mixórdia de personagens e situações, lembrando filmes como “Apertem os cintos: o piloto sumiu”, não dá liga.

Criancinhas: as únicas crianças do filme são os filhos do Sr. Ward, em cuja casa foi instalada a metralhadora anti-aérea. Elas estão sempre se divertindo, pregando peças e fazendo estripulias. Spielberg, neste filme, se recusa a fazer qualquer peso da guerra recair sobre as crianças, que são aqui protegidas mais ou menos como em “A vida é bela”, com a diferença de que lá o final é trágico, aqui é uma bagunça.

30 – Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull, 2008)

Sinopsezinha: o Indiana tá capturado pela KBG, que quer que ele descubra uns negócios, e ele descobre, e depois consegue fugir dos caras (ele é capturado e depois foge umas 34 vezes durante o filme, não vai dar pra escrever tudo aqui), e então ele encontra um rapaz, cuja mãe foi sequestrada, e traduz uma carta pra esse rapaz, acabam indo parar na América do Sul, depois o Indy descobre que o rapaz é filho dele, e eles acabam indo parar numas pirâmides, e ressuscitam uns ETs, mas os ETs não eram ruins, eles só queriam conhecimento, e o filme termina com os vilões da KGB mortos e essa linda lição de moral.

Comentariozinho: o filme se assemelha a uma cópia dos filmes de Indiana Jones. Um exemplo bem claro: aqui, como nos outros três filmes anteriores da série, temos uma cena com (muitos) animais supostamente nojentos. Nos outros filmes tivemos cobras, insetos e ratos, todos com animais de verdade. Aqui temos formigas feitas por computação gráfica, o que nos faz pensar que estamos vendo “A múmia” – não por acaso, uma cópia dos filmes de Indiana. Parece um problema bobo, mas fere o coração da série, e de certa maneira simboliza tudo que tem de errado aqui.

Criancinhas: também são poupadas de participar disso, não me lembro de ver nenhuma nem como figurante.

29 – O Terminal (The Terminal, 2004)

Sinopsezinha: o Tom Hanks faz um cara que chega aos EUA vindo de um país fictício chamado Krakhozia (é fictício aqui na vida real, mas no filme ele existe), só que quando ele chega, o país dele entra em guerra civil, então ele não pode entrar nos EUA nem voltar pro país dele, daí fica preso no aeroporto, e esse personagem às vezes é um gênio, às vezes é muito burro, e fica morando no aeroporto, fazendo amizades, se apaixonando, enfim, tudo aquilo que se faz em um aeroporto quando se está num filme como esse, e no final quase tudo dá certo.

Comentariozinho: talvez exista um bom filme aqui, com uns quarenta minutos a menos. Por exemplo, TODA a trama envolvendo o romance do personagem de Tom Hanks com a personagem de Catherine Zeta-Jones poderia ser eliminada, sem nenhum prejuízo à história – e com o benefício adicional de sermos poupados de cenas constrangedoras, e dos piores cacoetes do compositor John Williams. Deste modo, o roteiro poderia se focar na relação de Tom Hanks com o personagem de Stanley Tucci, o funcionário do aeroporto responsável por lidar com o problema daquele estrangeiro indesejado. Outras sub-tramas são desenvolvidas parcialmente, e depois simplesmente abandonadas, aparentemente servindo apenas para mostrar o personagem principal fazendo amizade com diversas minorias – um indiano, um negro, um latino. Assunto importantíssimo, ainda mais em um filme passado em um aeroporto, mas que é tratado no roteiro sem nenhuma organicidade. Definitivamente, Spielberg não se dá bem com comédias.

Criancinhas: Spielberg usa crianças como personagens principais ou coadjuvantes em boa parte de seus filmes. Por isso é com surpresa que agora, ao colocar no papel meus comentários, percebo que, dos meus quatro filmes menos preferidos do cineasta, três deles, incluindo este aqui, não tem nenhuma criança na trama. Nem em papel secundário. O que me leva à inescapável constatação de que Spielberg deveria botar uma criancinha, por menor que seja o papel, em todos os filmes que faz.

28 – Cavalo de Guerra (War Horse, 2011)

Sinopsezinha: acompanhamos a vida de um cavalo, que passa pela mão de diversos donos, vai pra guerra, luta por um lado, luta por outro, mas tem um dono que é o dono que ele mais gosta, e é o dono que mais gosta dele, que é vivido pelo Jeremy Irvine, que tem menos carisma que o cavalo, mas o cavalo não fala, então ouvimos bastante o Jeremy, e ouvimos outros personagens humanos, enquanto vamos vendo o que rola com o cavalo, que depois de passar por muitas mãos, volta pras mãos de seu adorável e pouco carismático dono original.

Comentariozinho: é uma Sessão da Tarde com o padrão de qualidade de Spielberg. O que significa que é meloso, xaroposo, mas tem algumas belas cenas. A trilha sonora, a fotografia e a direção pareciam estar certos de que ganhariam o Oscar, mas acho que o destino do filme é realmente passar nas tardes da Globo. O personagem principal é o cavalo, e, como não se trata de um desenho, é difícil se identificar com tal protagonista. Ele passa de mão em mão, e quase todas são benevolentes (eita cavalo sortudo!), mas é difícil termos uma identificação real com algum personagem, porque não dá tempo. Para piorar, aquele que tem o maior tempo de tela e a maior conexão com o animal é vivido por um rapaz que parece um bebê chorão, não passa a complexidade que seu personagem exige, como alguém ingênuo, sim, mas cheio de força interior, de obstinação.

Criancinhas: podemos considerar o próprio protagonista como praticamente uma criança quando o filme começa. Ele certamente tem a ingenuidade, e a teimosia, de uma criança. Entre os diversos donos do cavalo está uma garotinha francesa, retratada como alguém de opiniões fortes, amante dos animais, e com grande senso moral. Ela é um símbolo de liberdade, e seu contato com os alemãos que roubam seu cavalo é uma constatação triste do que a guerra é capaz de fazer.

27 – O Mundo Perdido: Jurassic Park (The Lost World: Jurassic Park, 1997)

Sinopsezinha: o personagem do Richard Attenborough, que é o dono do parque do primeiro filme, agora não apita muita coisa, perdeu a empresa pra uns vilões gananciosos, que querem ganhar dinheiro com os dinos que sobraram em uma outra ilha, que era tipo um viveiro de dinossauros pro parque do primeiro filme, só que daí o Richard Attenborough consegue enviar pra lá o Jeff Goldblum, que participou do primeiro filme, e mais umas pessoas, pra tentar impedir tamanha maldade com os dinos, e eles não conseguem muito, porque um tiranossauro vai pra San Diego, mas no fim conseguem um pouco.

Comentariozinho: o primeiro filme é feito de grandes cenas de ação e poucos personagens, todos muito bem apresentados. Aqui faltam grandes cenas de ação, e sobram personagens pouco apresentados. Tá certo que já conhecíamos o Dr. Malcolm do Jeff Goldblum, mas ainda temos Juliane Moore, Pete Postlethwaite e Vince Vaughn, todos bons atores, com personagens que mal conhecemos, e o filme não se importa muito em mostrar quem são. A melhor cena de ação traz uma van pendurada em um penhasco, bem spielbergiana. A parte final do filme, com o T-Rex em San Diego, parece um epílogo, desconectado do restante, embora traga algumas boas cenas. A despeito de um brilhareco aqui e ali, parece um filme que qualquer um poderia ter dirigido.

Criancinhas: a filha pré-adolescente do Dr. Malcolm entra escondida no barco, e acaba indo parar na ilha dos dinossauros. Embora a atriz se esforce, o roteiro não dá muito para ela, que acaba funcionando apenas para adicionar tensão, por ser alguém com quem o Dr. Malcolm precisa se preocupar. Além dela, há outra criança que aparece na trama, desta vez de maneira bem rápida. É um garoto, que vê pela janela o T-Rex tomando água na piscina de sua casa, em San Diego. A cena é divertida, porque o garoto chama pelos pais, e diz que tem um dinossauro no jardim, e os pais começam a discutir entre eles, sobre quem é o culpado pelo garoto ser assim e talz. Até que olham pela janela e veem que, de fato, existe um dinossauro no jardim.

26 – Império do Sol (Empire of the Sun, 1987)

Sinopsezinha: o Christian Bale era novinho, tinha uns doze anos, ainda não pensava em ser o Batman, e aqui já passava os guaio, interpretando o garoto Jim, morando em Shangai em 1941, segunda guerra mundial comendo solta, ele é de família rica de ingleses, mas mesmo assim acaba se separando dos pais num bombardeio, se vira como pode, vai parar numa espécie de campo de concentração japonês, ganha respeito dos outros presos, daí consegue fugir, reencontra os pais, mas está meio morto por dentro.

Comentariozinho: a partir daqui gosto de todos os filmes, ao contrário destes outros aí de cima. No entanto, este é um filme que já vi mais de uma vez, mas que não consegue me emocionar, mesmo sendo um filme de guerra protagonizado por uma criança. Bale já mostra aqui a intensidade que o caracterizaria no futuro, mas talvez essa intensidade pudesse ter sido um pouco domada por Spielberg. Por algumas vezes eu pensei “pô, que moleque chato!”. No reencontro com os pais, o garoto Jim parece estar catatônico, não tem mais emoções para expressar. É uma catarse ao contrário, o que é interessante do ponto de vista psicológico, mas decepcionante do ponto de vista dramático.

Criancinhas: Spielberg fez um filme de guerra com censura livre. O que me parece é que ele não apenas quis fazer um filme de guerra com um protagonista infantil, mas também um filme de guerra que pudesse ser visto pelo público infantil. Me lembrou um pouco “A Infância de Ivan”, de Tarkovski, na medida em que trata de uma criança que tem fascinação pelos temas da guerra, e que é levada a encarar a realidade dura de um conflito armado de grandes proporções. Como tudo passa pelo filtro do sonhador Jim, não há cenas de grande violência gráfica. Vemos a metamorfose de um garoto em algo que não é um adulto, mas também não é uma criança, mas alguma coisa no meio disso, uma aberração criada pela guerra.

25 – Hook – A Volta do Capitão Gancho (Hook, 1991)

Sinopsezinha: o Robin Williams faz o Peter Pan, ou melhor, faz o Peter Banning, que é um adulto chato, que não dá atenção pros filhos, só pensa no trabalho, mas que na verdade é o Peter Pan, aquele mesmo da Terra do Nunca, só que ele esqueceu disso, e então seus filhos são raptados pelo Capitão Gancho, e aí ele tem que voltar pra Terra do Nunca e reavivar a criança que ainda vive dentro daquele coraçãozinho.

Comentariozinho: sempre referido como o “Peter Pan dos cineastas”, Spielberg chegou a declarar que jamais dirigiria um filme sobre Peter Pan. O filme gastou um dinheiro louco em elenco e nos cenários, e a Terra do Nunca criada realmente impressiona. É bem provável que o filme pudesse ser mais enxuto, porque quando ele termina perguntamos “ei, pra onde foram essas 2h21min?”. Não porque o filme dê a impressão que passe rápido, mas porque o escopo da obra permitiria uma abordagem mais econômica na metragem e mais ambiciosa, talvez, na construção de cenas realmente memoráveis. Robin Williams tem essa coisa meio melancólica, uma alegria triste, que funciona bem enquanto seu personagem é um chatão, mas menos quando ele finalmente se reencontra com seu lado criança. Mas gosto de muitas coisas, como a direção de arte já citada, e algumas cenas bem divertidas da relação entre o Capitão Gancho de Dustin Hoffman e o Barrica de Bob Hoskins.

Criancinhas: o filme todo é um elogio à criatividade e imaginação infantis, e um apelo para que adultos não percam essa capacidade. O filme já começa com closes em várias crianças enquanto assistem à uma encenação da peça Peter Pan, e daí já podemos notar que o olhar que interessa é o olhar infantil. Nem precisa dizer muito: é a obsessão com crianças de Spielberg levada ao paroxismo.

24 – Louca Escapada (The Sugarland Express, 1974)

Sinopsezinha: um casal de ex-presidiários se envolve em uma louca escapada, que é louca mesmo, você vai ver que o título nacional é corretíssimo, porque eles roubam um carro da polícia, e usam um agente como refém, mas eles, os bandidos, não são violentos nem nada, o que eles querem, apenas, é recuperar o filho que foi dado para adoção, daí vira um circo da mídia, a polícia toda do Texas atrás deles, e o povo fica do lado do casal, porque a causa deles é nobre.

Comentariozinho: primero filme para cinema de Spielberg, que antes só havia dirigido filmes para a TV (entre eles “Encurralado”, que também trata de uma perseguição na estrada). Mas este filme é bem mais leve, ao menos em seu início, com bons momentos de humor. Depois o roteiro abandona este caminho, e perde um pouco de sua força, porque a falta de leveza não é recompensada com um aumento na tensão ou no drama – ao menos não a contento. John Williams, compositor que fez as trilhas de quase todos os filmes de Spielberg, mostra que não faz só aquelas coisas épicas e, às vezes, melosas. Aqui aparecem algumas gaitas, em momentos chaves da trama, que funcionam muito bem. A escala do filme também ajuda, por ser menos grandiosa, mas a impressão que dá é que, com o passar do tempo, ele se acomodou em alguns momentos.

Criancinhas: toda a trama do filme se desenrola por causa de uma criança, que permanece inocente enquanto tudo aquilo acontece. A primeira vez em que vemos a criança, ela está no quintal de sua casa adotiva, brincando. A mãe adotiva, quando vê na TV as notícias sobre a fuga dos pais da criança, vem buscá-la, e a tira do gramado, fazendo a criança chorar. Ela é uma vítima da delinquência de seus pais biológicos, ambos com passagem pela prisão, do sistema, que a entregou para uma família adotiva, e de seus novos pais adotivos. Com apenas dois anos, apenas espera o que será decidido em seu nome, sem qualquer tipo de interferência ativa – algo que mudaria bastante em futuros filmes de Spielberg.

23 – Ponte dos Espiões (Bridge of Spies, 2015)

Sinopsezinha: o Tom Hanks faz um advogado americano a quem é dada a missão de defender um espião soviético em plena Guerra Fria, em solo estadunidense, o que, convenhamos, é uma baita trolha, e a ideia era só dar aquele impressão de que todo mundo tem direito ao devido processo legal, mas aí ele resolve realmente defender, o que não era muito esperado, e claro que isso causa uns problemas pra ele, que cria uma relação respeitosa com seu cliente, e depois ele participa de uma jogada diplomática arriscada de entregar seu cliente de volta aos comunistas para recuperar um refém americano lá na Alemanha Oriental.

Comentariozinho: enquanto thriller de espionagem, acho que falta tensão ao filme. Gosto bastante da dinâmica estabelecida entre o personagem de Tom Hanks e o de Mark Rylance, que faz o espião soviético. Mas esta dinâmica se vai mais ou menos na metade da duração do filme, quando os dois se separam, e o filme se ressente disso. É sabido que os irmãos Coen deram uma ajuda nos diálogos do personagem principal, e me parece claro que boa parte do humor do filme vem deles. De fato há momentos bem divertidos, que funcionariam como alívio cômico – caso houvesse tensão a ser aliviada. Isso dito, não desgosto totalmente da parte alemã da trama, em que o advogado de Hanks tem que mostrar habilidade para salvar não um, mas dois prisioneiros americanos em troca do espião.

Criancinhas: Spielberg mostra uma espécie de “sessão de tortura” que o governo americano fazia com suas crianças, como parte da estratégia de doutrinação contra o fantasma do comunismo, ensindo-as a odiar – e temer – os comunistas, e criando uma situação de total paranóia. O diretor não se mostra condescendente com isso, mostrando lágrimas escorrendo dos rostos de crianças com aquela tortura. O filho do personagem de Hanks tem uma cena relativamente longa no banheiro, em que fala sobre o raio de ação de uma bomba atômica, e como eles poderiam ser atingidos, e pergunta porque o pai está defendendo um “comuna”. As crianças também aparecem como símbolo de liberdade, quando o advogado, ao voltar para os EUA, as vê saltando uma grade, brincando, em cena que faz referência a algo que ele viu na Alemanha, com pessoas tentando pular o Muro de Berlim e sendo fuziladas.

22 – O Bom Gigante Amigo (The BFG, 2016)

Sinopsezinha: tem uma garotinha, a Sophie, que vive num orfanato, aí uma noite, meio sem querer, ela vê um gigante, o BFG, que, por ter sido visto, leva a menina pra Terra dos Gigantes, e depois de ficarmos com medo, nós e Sophie, de ele ser mau, descobrimos que ele é legal, mas que ele é o único legal naquele terra, todos os outros comem seres humanos (ei, dependendo do ser humano isso pode ser legal!), e eles se juntam pra tentar convencer a Rainha da Inglaterra de que os gigantes existem, e que devem ser eliminados, exceto o BFG, claro.

Comentariozinho: não é muito querido por crítica e público, mas eu adoraria que ele tivesse feito parte de minha infância. Visualmente é um filme lindo, desde a sombria Londres até a verde Terra dos Gigantes. O gigante BFG tem como trabalho “soprar” sonhos nas pessoas, e para isso ele precisa “caçar” sonhos, como quem caça borboletas. Ele é um pária em sua terra, um motivo de piada, já que é baixo, com seus 7 metros, e não gosta de comer “beings”, como são chamados os seres humanos. Sua maneira de falar, toda “errada”, contrasta com a relativa erudição e bons modos de Sophie. Críticos respeitados talvez não gostem de piadas envolvendo peidos, mas como não sou crítico, tampouco respeitado, eu me diverti bastante com a “peidaria” que rola no Palácio de Buckingham, no banquete oferecido ao gigante e à Sophie. O filme poderia explicar melhor algumas coisas, e algumas falhas de lógica no roteiro também me incomodam, mas a adorável protagonista, e o adorável gigante, interpretado com delicadeza por Mark Rylance (o espião soviético de Ponte dos Espiões), aliados ao lindo visual do filme, fazem dele uma bela e divertida experiência.

Criancinhas: o filme é todo do ponto de vista de uma criança. Embora ela seja uma orfã, Spielberg não se rende à tentação de forçar sentimantalismos, o que me parece admirável vindo de quem vem. O filme tem momentos bonitos, mas não é triste nem melancólico. Diz-se que a obra de Roald Dahl, na qual o roteiro é baseado, é mais sombria, e foi “amaciada” por Spielberg. Mas isso faz parte de sua característica como autor. Ele por vezes faz filmes que ele quer que sejam vistos por crianças, e tem essa ideia de que crianças devem ser protegidas de qualquer tipo de cenas mais fortes, ou de temáticas mais fortes. Mas Sophie é uma criança esperta, opiniuda, cheia de personalidade, corajosa, e que não fica esperando as coisas acontecerem. É realmente uma protagonista, do filme e de sua vida.

21 – Amistad (Amistad, 1997)

Sinopsezinha: em meados do século 19, rola um motim violento em um navio negreiro, e os seres humanos escravizados acabam indo parar nos EUA, onde começa uma disputa jurídica intensa, cheia de gente querendo ser proprietária daquelas pessoas, e outras gentes tentanto ajudar aquelas pessoas, e o filme se torna um filme de tribunal, e no final tudo dá quase meio certo, porque não existe nada muito certo em um mundo em que ainda existe escravidão de seres humanos.

Comentariozinho: o filme seguinte de Spielberg seria “O Resgate do Soldado Ryan”, famoso pela intensidade de sua sequência inicial. Pois “Amistad” não fica muito a dever, já que as cenas do motim no navio negreiro, sem concessões em termos de violência gráfica, são extremamente eficientes, e chocantes. Em outro momento, durante um flashback, essa intensidade retorna. Mas no geral estamos diante de um filme de tribunal, que gasta boa parte de sua duração tentando nos deixar a par de todas as implicações políticas, e históricas, daquele julgamento: afinal, seriam aqueles homens propriedade de alguém, ou de algum país, ou seriam homens livres? Embora, ao final e ao cabo, seja um filme sobre homens brancos “salvando” homens negros, o que hoje suscitaria críticas, Spielberg dá protagonismo e importância ao personagem Cinque, vivido por Djimon Hounsou (impressionante em seu primeiro papel no cinema), que tem protagonismo na trama. Ao final, quando os amotinados recebem a sentença positiva da instância mais alta, ele pergunta ao personagem de Anthony Hopkins que palavras ele usou para convencê-los. A resposta é reveladora: “as suas”.

Criancinhas: aparecem bem pouco no filme, e sem nenhuma fala. Vemos, já no começo, que há crianças no barco, quando acontece o motim. Depois, logo que chegam à prisão americana, vemos um close em uma criança, ao lado da mãe. As crianças também aparecem em primeiro plano quando o barco está voltando à África, já no fim do filme. Durante o flashback, vemos que há um parto durante o trajeto de barco. Uma cena fortíssima mostra a mãe, com seu filho no colo, simplesmente se jogando na água, preferindo se matar junto com o filho do que aguardar o destino terrível que os espera.

20 – Prenda-me Se For Capaz (Catch Me If You Can, 2002)

Sinopsezinha: O Leozinho diCaprio faz um estelionatário e falsário, que é perseguido pelo policial vivido pelo Tom Hanks, e o filme é sobre esse jogo de gato e rato, e sobre a relação curiosa que vai surgindo entre os dois, algo entre a admiração mútua e o desafio, e não tem vilão nem mocinho, porque o bandido é simpático e não-violento, e acho que torcemos mais por ele do que pelo policial.

Comentariozinho: no fim das contas, acho que este filme é sobre a solidão. Tanto Frank Abagnale, o falsário vivido por DiCaprio, quanto Carl Hanratty, o policial interpretado por Tom Hanks, são seres solitários. Não à toa, durante os anos em que um foi gato e o outro foi rato, sempre se falavam no natal, porque um estava trabalhando e o outro estava sozinho. As semelhanças entre os dois são parte integrante do roteiro e da direção de Spielberg, sempre destacadas em grandes e pequenos detalhes. Um dos detalhes pequenos é os sobrenomes dos dois, ambos difíceis de serem pronunciados pelas pessoas. Um dos grandes detalhes é a relação conturbada de Frank com seus pais, e de Carl com sua filha.

Criancinhas: há apenas uma criança propriamente dita no filme, que é a meia-irmã de Frank, que aparece no final. Mas quando sai de casa Frank tem 16 anos, e embora não seja uma criança, e possua um nível altíssimo de inteligência, emocionalmente ele permanece sendo uma criança. Seu objetivo sempre foi juntar novamente os pais, que é algo que toda criança almeja. Outra coisa que ele deseja ardentemente é atenção, como toda criança. Então, sim, emocionalmente o protagonista deste filme é uma criança, com anseios que refletem os de Spielberg como realizador, vindo de um lar desfeito pela separação dos pais.

19 – A.I. – Inteligência Artificial (A.I. – Artificial Intelligence, 2001)

Sinopsezinha: no futuro, um casal acaba de colocar o filho em suspensão criogênica, ou coisa que o valha, porque o menino tem uma doença até então incurável, e depois disso eles compram um robô-criança, chamado David, o primeiro de sua espécie, um robô capaz de amar, para preencher o vazio deixado pelo filho, uma ideia estúpida, que obviamente dá errada, especialmente quando o filho que não é robô volta pra casa depois de ser curado, aí o robô-criança precisa ser destruído, mas a mãe desiste na última hora, e tem a estúpida ideia (olha só, mais uma!) de simplesmente largar o robô-moleque no meio de uma estrada, e aí o robozito vai começar uma jornada para procurar a Fada Azul, que não existe mas ele acha que existe, e se transformar num garoto de carne e osso, para recuperar o amor de sua mãe.

Comentariozinho: este era um projeto que estava sendo tocado por Stanley Kubrick, amigo de Spielberg, mas com a morte daquele, passou para as mãos deste. Para usar uma metéfora robótica, é como se este filme fosse um robô montado com três partes diferentes: O começo é Kubrickiano, sombrio e cínico.. Na parte do meio, é um thriler de aventura Spielbergiano. E o epílogo é o Spielberg mais sentimental, com tudo de bom e ruim que isso traz (inclusive o roteiro foi escrito por Spielberg, algo que ele não fazia desde Contatos Imediatos de Terceiro Grau, de 1977). Muitos acham que o filme deveria terminar de maneira desesperançosa, com o menino-robô congelado em fente à Fada Azul de mentira de um Parque de Diversões. Mas Spielberg acrescenta uma espécie de epílogo, com uma pontinha de redenção. A decisão pode ser discutível, mas combina com Spielberg como autor.

Criancinhas: embora seja um robô, David tem o tipo de inocência que Spielberg mais comumente associa às crianças. Já Martin, o filho que é curado e volta à casa, é maldoso, cínico e manipulador, como um adulto. O amor incondicional pela mãe faz David perseguir a qualquer custo a retribuição deste amor, e um reencontro com ela. Ele é tão perseverante que Spielberg não consegue encerrar o filme sem que, mesmo que por um dia, ele consiga seu objetivo. David nunca, nem por um segundo, pensa que não vai conseguir. O mais curioso é que seu companheiro de busca é um “robô-adulto”, Joe (Jude Law), que é tão ingênuo quanto ele, na medida em que não percebe que não existe Fada Azul, e não existe possibilidade de um robô virar uma criança. Nesse sentido, todos os robôs são como crianças, por acreditarem em tudo. E, para Spielberg, isso é uma qualidade que PRECISA ser recompensada. Por isso, talvez, o tal prólogo tão infame.

18 – Guerra dos Mundos (War of the Worlds, 2005)

Sinopsezinha: o Tom Cruise faz um cara normal, que trabalha em um porto, separado da mulher, com problemas de relacionamento com um filho adolescente, e uma boa relação com a filha de uns dez anos, embora esta pareça mais mãe dele do que ele pai dela, e daí chegam os aliens, uns aliens brabões pra cacete, e ele tem que fugir com os filhos, tentar sobreviver, e nesse meio tempo ir remendando as relações com seus rebentos.

Comentariozinho: acho que é parte das convenções do sub-gênero “filme-catástrofe” que, no meio da tentativa de sobrevivência, as pessoas acabem consertando relações que não iam muito bem. É o que ocorre aqui: Ray Ferrier (Tom Cruise) começa a jornada não parecendo ser pai de seus filhos Robbie (Justin Chatwin) e Rachel (Dakota Fanning). Mas ao final, depois de protegê-los e guiá-los pelos perigos da invasão alienígena, ele ganha o direito de ser chamado de pai de verdade. Spielberg consegue manter a tensão em alta, com cenas bastante intensas – em especial uma cena em que uma multidão aborda o carro em que Ray está com seus filhos. Tom Cruise é perfeito para o papel, por seu carisma, e porque nos importamos com ele mesmo sem conhecer muito de seu personagem, já que não há muito tempo para isso. Os jovens estão bem também, embora os gritos de Dakota Fanning tenham me incomodado em alguns momentos.

Criancinhas: é um filme sobre um pai buscando sua redenção na relação com os filhos, em uma jornada de sobrevivência. Embora seus maiores problemas sejam com Robbie, o adolescente, é com Rachel que ele passa a maior parte do tempo, e quem ele mais precisa proteger, por sua fragilidade. No começo, Rachel parece a mais adulta emocionalmente dos três, mas no decorrer do filme é ela que precisa ser protegida, obviamente. Não só pela sua fragilidade física, mas também emocional, afinal é uma criança. E crianças são crianças, mesmo que às vezes pareçam adultas, é o que Spielberg parece querer nos dizer. Elas precisam ser protegidas de certas coisas, por isso Ray o tempo todo pede para ela fechar os olhos, ou não olhar para determinado lugar, ou cantar sua música preferida. É um traço autoral de Spielberg, especialmente depois que se tornou pai, e que se reflete inclusive no fato de preferir fazer seus filmes com censura livre, com raras exceções. Ou seja, a mesma coisa que Ray faz com sua filha, Spielberg faz com o espectador: nos protege de cenas mais fortes, mesmo em um filme sobre uma invasão alienígena que matou milhões.

17 – Jogador Nº 1 (Ready Player One, 2018)

Sinopsezinha: no futuro, as pessoas passam boa parte da vida comandando seus avatares em um universo virtual chamado OASIS (“today is gonna be the day…”), criado por um visionário chamado Halliday, que é uma lenda-morta, já que está morto há cinco anos quando o filme começa, mas ele deixa de legado uma competição, para encontrar três artefatos dentro da OASIS (“you´re my wonderwaaaall…”), em que o vencedor leva a empresa dele, que vale quintilhões de dólares, como prêmio, e aí nosso herói é um desses jogadores, e vai ter que vencer vários outros jogadores, entre eles alguns financiados por capitalistas maldosos (existem os não-maldosos?), para tomar controle da empresa e manter vivo o legado do visionário.

Comentariozinho: se lá no filme 26 desta lista eu escrevi que a partir dali gostava de todos os filmes, agora devo dizer que a partir daqui eu gosto MUITO de todos os filmes, e ficou cada vez mais complicado decidir a ordem. A riqueza de detalhes de “Jogador Nº1” é uma coisa impressionante. Digna de um detalhista e perfeccionista como Spielberg. A quantidade de referências é gigantesca, especialmente aos anos 1980, e eu devo ter pego uns 10% delas. Também há um apuro visual incrível, especialmente nas cenas de realidade virtual. Nos créditos, fiquei impressionado com a quantidade de artistas digitais que participou. A tela andava, andava, com três ou quatro fileiras de nomes, e não acabava nunca. Independentemente disso tudo, é um eficiente thriller de ficção científica, passado num futuro não muito distante.

Criancinhas: há muitas referências ao universo adolescente, mas nem tantas ao universo infantil. Entre os personagens, são quase todos bastante jovens, e temos também uma criança, Sho, de 11 anos, que rende algumas piadas, porque as pessoas se espantam quando o veem na vida real, bem diferente de seu avatar em OASIS, e ele já tá meio de saco cheio desse espanto.

16 – Contatos Imediatos do Terceiro Grau (Close Encounters of the Third Kind, 1977)

Sinopsezinha: o Richard Dreyfuss interpreta o Roy Neary, um cara que fica tão obcecado com uns disquinhos voadores que estão sobrevoando o lugar onde mora, que esquece totalmente de sua família, e passa a viver a vida em função de ter um encontro com os bichinhos do espaço, e ele vai tendo de primeiro grau, de segundo grau, até que chega no encontro de terceiro grau, que vem a ser aquele encontro cara a cara mesmo, de tomar chazinho e talz.

Comentariozinho: embora o filme traga a abdução de uma criança pela nave alienígena, nunca o contato com os ETs é retratado de maneira que transmita alguma sensação de perigo. A criança, que é vizinha do personagem de Dreyfuss, vai feliz para a nave, demonstrando encantamento. É esta a visão de Spielberg sobre os contatos com extraterrestres. Um dos poucos filmes da carreira de Spielberg cujo roteiro ele mesmo escreveu, talvez seja realmente o filme mais pessoal do diretor. Gosto muito da ideia de a comunicação com os aliens se dar através de música, mais precisamente de cinco notas musicais. Na parte final, quando Dreyfuss fura o bloqueio imposto pelo governo, e tenta chegar ao local onde a nave irá pousar, e que ele enxergou em uma visão, o filme perde um pouco de seu ritmo, ficando mais lento e com algumas gordurinhas. Mas nada que empane totalmente seu brilho inocente.

Criancinhas: para mim o personagem principal desse filme é uma criança, apesar de adulto. Para ajudar nessa caracterização, Dreyfuss surge sem sua barba característica. Inclusive, logo após sua mulher sair de casa, ele recebe uma ligação dela, onde só ouvimos a parte dele da conversa. Uma das coisas que ele diz é “eu sou um adulto, embora não exista tal coisa”. Como o roteiro foi escrito por Spielberg, dá pra dizer que é ele mesmo que está dizendo isso. A criança, aqui, ao contrário dos outros filmes, tem um pouco mais de ação, de controle sobre seu destino. A criança que é abduzida, não parece se preocupar muito com o que a mãe diz, apenas quer ir brincar com seus novos amigos. As crianças começam a tomar as rédeas, e não apenas a reagir aos adultos. E Dreyfuss está perfeito com seus olhos sempre de encantamento, como um espelho dos olhos do garotinho abduzido.

15 – The Post – A Guerra Secreta (The Post, 2017)

Sinopsezinha: chega nas mãos do jornal The Washington Post uma pica do tamanho de um bonde, um relatório que indica que o governo americano sabia que a Guerra do Vietnã era basicamente uma guerra perdida, e que os soldados americanos eram enviados a um matadouro, mas mesmo assim não fizeram nada, ao contrário, continuaram mandando soldados, por mais de uma admnistração, e o editor do jornal, que é o Tom Hanks, e a dona do jornal, que é a Meryl Streep, tem que decidir se publicam aquilo, e depois que decidem publicar, tem que enfrentar a fúria e a máquina do governo estadunidense.

Comentariozinho: não adiantariam nada todas as boas intenções do filme, de mostrar a importância de uma imprensa livre, que existe “para os governados, não para os governantes”, se ele não funcionasse também como thriller, como uma obra que nos deixa tensos na cadeira. E o filme funciona muitíssimo bem nas duas frentes – ao contrário de “Ponte dos Espiões”, por exemplo, que não tem o brilhantismo, a urgência narrativa e a montagem dinâmica deste aqui. Muitos méritos também aos dois protagonistas, Tom Hanks com seu Ben Bradlee e a incrível Meryl Streep com sua Kay Graham.

Criancinhas: embora obviamente não sejam cruciais à história, aparecem em diversos momentos. Por exemplo, quando Bradley vai à casa de Kay, e é recebido pela neta dela. A garotinha não faz ideia do que está acontecendo, e fica passando pra lá e pra cá, faz algumas brincadeiras, e Ben retribui. Mas em dado momento Kay fecha a porta, e a deixa do lado de fora, o que é bem simbólico. Depois, quando todos vão à casa de Bradley para dar ordem aos papéis com as provas, sua filha está vendendo limonada do lado de fora. Coisas do espírito empreendedor americano. Depois ela tem uma ideia muito melhor, que é vender limonada do lado de dentro da casa, para os amigos do pai. Finalmente, na cena mais nostálgica do filme, em que Kay conversa com a filha, a neta dela está dormindo ao lado – o que aliás é uma falta de respeito para com o sono da criança.

14 – Munique (Munich, 2005)

Sinopsezinha: Nas Olimpíadas de 1972, em Munique, um grupo árabe sequestra alguns atletas de Israel, e depois, no decorrer do sequestro, os atletas todos morrem, em circunstâncias que só vamos sabendo aos poucos, e aí o Eric Bana interpreta um funcionário da Mossad, o serviço secreto israelense, que é encarregado de chefiar um grupo para matar os mandantes do atentado de Munique, e aos poucos o Eric Bana, e a gente junto com ele, vai percebendo que as coisas são muito complexas, bem mais do que simplesmente “matar os terroristas maus”.

Comentariozinho: pode ser uma armadilha fazer um filme com um tema espinhoso como esse. A chance de você acabar parecendo pender para um dos lados é grande – o que é arriscado em um assunto com tantas camadas. Aqui temos um realizador que é judeu, e naturalmente já teria um lado na história. No entanto, tanto Spielberg quanto seus roteiristas sabem da complexidade do tema, e ao final do filme não achamos que Israel está certa, não achamos que os terrosistas estão certos, não achamos que os EUA estão certos, e talvez sequer achemos que o protagonista Avner (Eric Bana) está certo, embora seja com ele que o filme force nossa identificação. No fundo, este filme é sobre um homem que faz tudo por seu país, mas que termina sem saber se fez o certo. À parte o conteúdo político, é um filme com um início bastante intenso, como é praxe de Spielberg, e depois tem uma queda de ritmo natural, embora permaneça um thriller eficiente.

Criancinhas: Aparecem em alguns momentos. Temos a filha de Avner, que seria um forte motivo para ele não aceitar a missão. No entanto ele a deixa em segundo plano em nome de sua pátria. Depois há a filha de um dos alvos do grupo de Avner, na cena tensa em que ela quase é morta após atender ao telefone que explodiria. Algo que Spielberg usa algumas vezes em sua carreira (não só ele, claro), de colocar uma criança em situação de perigo, para aumentar a tensão. E depois temos muitas e muitas crianças na casa do informante de Avner, o homem que dá a ele e seu grupo o paradeiro dos homens a serem mortos na missão.

13 – As Aventuras de Tintim (The Adventures of Tintin, 2011)

Sinopsezinha: o Tintim é um jornalista, aquele do desenho, você deve conhecer, e ele compra um barco em miniatura, e dentro desse barco tem uns bilhetes, deixados por um antigo marinheiro, que indicam a localização de um tesouro, aí claro que uma pá de gente quer o barco, roubam do Tintim, e ele tem que partir em busca do barco ao redor do mundo, junto com o Capitão Haddock, um apaixonado por componentes etílicos, que é descendente do marinheiro que deixou os bilhetes, e aí o locutor da Globo diria que é um filme “cheio de confusão e aventura”, e é mesmo.

Comentariozinho: importante lembrar que eu (re)vi o filme logo depois de (re)ver o insosso “Indiana Jones e a Caveira de Cristal”, e a diferença entre os dois salta da tela. O que parece é que aqui Spielberg deu asas à sua imaginação, como sempre desejou nas cenas de ação. Sem as amarras do live action, há cenas incríveis, em especial uma que se passa em uma cidade no Marrocos, em que Tintin, o capitão Haddock e o cão Milu estão atrás de três pergaminhos que estão de posse do vilão do filme. São uns dez minutos de ação incessante, como uma montanha-russa – das boas. Além disso, é um filme divertidíssimo, que certamente me fez dar mais risadas do que a suposta comédia “1941 – Um Guerra Muito Louca”.

Criancinhas: a não ser que se entenda o próprio Tintin como uma criança, não há crianças neste filme, pela segunda vez seguida (depois de “Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal”), o que é raro em Spielberg. E o filme não pode ser considerado infantil, no máximo infanto-juvenil, já que fala bastante de bebida, além de ter muitas mortes, embora nada seja muito gráfico.

12 – Lincoln (Lincoln, 2012)

Sinopsezinha: O Lincoln, presidente dos Estados Unidos, acabou de ser reeleito, lá em 1865, e o pau tá cantando nos EUA, aquela guerra civil doida, e o Lincoln quer aproveitar o capital político de ter sido reeleito para abolir a escravidão nos EUA, o que não é nada fácil, porque ele precisa dos votos de dois terços da Câmara dos Deputados, e eles tem que correr atrás desses votos, e o filme mostra todas as maquinações políticas para conseguir isso.

Comentariozinho: para não-estadunidenses, o filme se apresenta um pouco confuso no começo, porque não estudamos aquilo desde cedo nas escolas. Mas aos poucos as coisas vão ficando mais claras. Lincoln está disposto a fazer de tudo para aprovar a proposta de emenda à constituição e abolir a escravidão nos Estados Unidos. Para isso, ele vai precisar negociar muito. O deputado Thaddeus Stevens (Tommy Lee Jones), responsável pelos momentos mais divertidos do filme, e que ajuda Lincoln nesta tarefa, resume a situação, quando finalmente a proposta é aprovada: “Com muita corrupção e compra de votos, a escravidão está abolida deste país, com o aval do mais puro dos homens da América” – no caso, ele mesmo. É um filme muito bonito, muito contido, e esse mérito é de Spielberg e também de John Williams, que fez aqui uma trilha sonora pontual, belíssima, sem manipulação emocional, mostrando que ele é capaz de coisas sutis. E Spielberg também, contido na manipulação das emoções, trazendo as tensões naturalmente, pela mera natureza das situações, depois de ter feito um filme intensamente manipulativo com “Cavalo de Guerra”.

Criancinhas: o filho pequeno de Lincoln e Mary é usado mais como um avatar, um símbolo, do que um personagem. Eles têm imenso apego ao garoto, especialmente por conta da morte do outro filho deles. Mas o garoto quase não tem falas, e ao final acaba parecendo forçado que o filme nos empurre uma identificação com ele, quando Lincoln é morto. O fato é que mal sabíamos o rosto do menino até então. Outro momento importante é quando Lincoln está em casa, esperando a votação, e quem lhe faz companhia é o filho. Mas este é um filme de adultos, e, exceto pelo momento do assassinato, Spielberg se conteve e não usou a criança de maneira ostensiva.

11 – Encurralado (Duel, 1971)

Sinopsezinha: um americano médio, ou seja, um idiota, está na estrada com seu carro, e o nome dele é David, do idiota, não do carro, e ele passa a ser perseguido por um caminhão, e é isso, o caminhão vai perseguindo o carro, ele vai ficando cada vez mais assustado, e nós também, e não tem muito mais do que isso enquanto sinopse.

Comentariozinho: se pensarmos que é um primeiro filme, com Spielberg tendo experiência apenas com séries de TV até então, isso aqui é um triunfo e tanto. Um filme tenso, de alguém que sabe o que está fazendo o tempo todo. Tem toda a juventude que o trabalho exige, mas parece o trabalho de um veterano. A ideia de nunca mostrar o rosto do motorista do caminhão já estava no roteiro de Richard Matheson, e se mostra acertada. O vilão do filme é o caminhão, que funciona como se fosse um monstro de um filme de terror. A trilha sonora é bem interessante, minimalista, e me faz pensar que talvez Spielberg pudesse ter variado mais os compositores durante a carreira, e não ter ficado praticamente só com John Williams – embora ele seja ótimo para um certo tipo de filme.

Criancinhas: surgem para ressaltar a tensão, quando David encontra um ônibus escolar atolado à beira da estrada. As crianças estão todas do lado de fora, e David tenta ajudar o ônibus a desatolar, mas o carro é muito fraco. Então as crianças descem do ônibus de novo, quando David vê o caminhão um pouco à frente, em um túnel (é um momento em que David achava que o caminhão tinha seguido viagem, pois estava à frente dele). Mas o caminhão retorna. David começa a se preocupar com as crianças, diz ao motorista do ônibus que elas devem voltar pra dentro do veículo, e então o caminhão começa a vir em direção a eles. David se desespera, diz pro motorista acreditar nele, e então entra em seu carro e vai embora. Olha pra trás e vê o caminhão fazendo o retorno, e ajudando o ônibus a sair do atoleiro.

10 – Minority Report: A Nova Lei (Minority Report, 2002)

Sinopsezinha: o filme é lá no futuro, em 2054, e no começo o Tom Cruise se acha o fodão, ele é “o cara” de um sistema chamado Pre-Crime, usado pela polícia do distrito de Columbia para prender as pessoas antes de elas cometerem os crimes, e eles conseguem isso porque uns mutantes chamados pre-cogs tem visões, e essas visões nunca falham, ou quase nunca, e até aí legal, até que o nome do próprio Tom Cruise, ou melhor, de seu personagem John Anderton, aparece como autor de um assassinato, aí lascou, ele dá no pé, vira um fugitivo, e tem que investigar porque, afinal, ele vai matar alguém, e tentar se auto-impedir-se a si mesmo de cometer tal ato.

Comentariozinho: apesar de ter sido retratado por críticos como um “noir futurístico”, eu vejo mais como um thriller de ficção científica, com as tensões de uma corrida contra o tempo, muitos conceitos interessantes sobre tecnologia e uma trama complexa – embora tenha alguns problemas de lógica, que ficaram mais claros nesta revisita ao filme. Gosto muito de Tom Cruise no modo “desespero”, tentando ir atrás da verdade, e para isso tendo que se meter no lado sujo de um mundo que parece ser tão estéril. Isso acontece especialmente na sequência em que ele faz uma “troca de retina”, para que não seja mais reconhecido pelos leitores de retina espalhados pelo mundo. Exigindo atenção do espectador para acompanhar a trama, mas recompensando com ótimas cenas e uma boa resolução final, este filme inaugura os meus “dez mais” spielberguianos com louvor.

Criancinhas: embora não tenha exatamente um personagem infantil, vemos Sean, o filho morto de John Anderton, pelos hologramas e fotos espalhadas pela casa. E, de certa maneira, é a morte dele, e a raiva de John, que determinam boa parte da narrativa. Isso ocorre pelo próprio fato de Anderton ser tão dedicado ao Pre-Crime, como forma de compensar pelo crime que ele não conseguiu impedir de acontecer, mas também pela armação para que ele se torne um assassino, que parte do pressuposto de que a única maneira de fazer John assassinar alguém seria se esse alguém fosse apresentado como o homem que matou seu filho. Então, como acontece com frequência em Spielberg, a criança representa a inocência em um mundo corrompido.

9 – Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros (Jurassic Park, 1993)

Sinopsezinha: um bilionário excêntrico e com tendências megalomaníacas, que é o Richard Attenborough, resolve recriar dinossauros a partir de, bem, tanto faz a explicação técnica, fato é que ele faz os dinossauros reviverem, e monta um parque de diversões, mas antes de abrir o parque ele chama um casal de paleontólogos muito respeitado, que são o Sam Neill e a Laura Dern, para ver o parque em primeira mão, e dar o aval de especialistas, para que o parque receba fundos de investidores, o que parece uma questão burocrática chata, mas o filme perde nem dois minutos com isso, o que importa mesmo são os dinos.

Comentariozinho: este é um tipo de filme em que Spielberg se especializou: aqueles em que tudo é acessório para grandes e elaboradas cenas de ação. Sim, importam o carisma dos atores, os diálogos, a trama, mas retire as grandes cenas de ação e o filme se torna um saco vazio. Por sorte, ele é muito bom em filmá-las – e este filme está cheio delas. A mais famosa é aquela em que o Tiranossauro Rex aparece pela primeira vez, mas prefiro a cena dos velaciraptors e as crianças, em uma cozinha. Não importa a preferência, e sim o fato de que, cena após cena, ficamos grudados na cadeira, mesmo tendo certeza de que tudo vai dar certo no final. Isso posto, é importante salientar que a primeira grande cena de ação, aquela com o Tiranossauro, acontece com mais de uma hora de filme (lembrando a estratégia que o diretor usou em “Tubarão”). Ou seja, existe tempo para apresentação dos personagens, e para que nos importemos com eles.

Criancinhas: Hammond, o bilionário dono do parque, tem um casal de netos, que vai junto com o casal de paleontólogos para a visita inaugural. Como tudo acaba dando errado, e os dinos ficam à solta, é claro que ter crianças em perigo é ótimo para adicionar tensão. Além disso, elas servem também como redenção para o personagem de Sam Neill, que no começo é bastante rabugento, e não quer saber de crianças, mas acaba se afeiçoando delas. Outra questão interessante, e que também versa sobre o papel das mulheres, é que as idades das crianças foram invertidas em relação ao livro de Michael Crichton, e aqui a menina é a mais velha, e craque em computadores, de certa forma mostrando que era possível uma mulher ser nerd também (o filme é de 1993, e certas coisas que hoje podem parecer certas ainda não eram à época).

8 – A Cor Púrpura (The Color Purple, 1985)

Sinopsezinha: Celie e Nettie são duas irmãs muito unidas, e que tem nesta união um meio de manter a sanidade, já que o pai delas é um grandissíssimo féla, que abusa sexualmente de Celie, e inclusive já fez dois filhos com ela, e um dia chega um cara, que é o Danny Glover, querendo se casar com Nettie, o pai não aceita, mas oferece Celie, que é a mais velha, e assim é feito, Celie se casa com ele, se separa da irmã, e o marido é mais um ser repugnante na vida dela, e a vemos sofrendo e sofrendo, até que um dia ela finalmente pega as rédeas da vida nas mãos.

Comentariozinho: boa parte de meu apreço por este filme vem da catarse final que ele proporciona. Mas tal catarse não seria tão intensa (eu não me lembro de chorar tanto num filme) se a história de Celie (que na vida adulta é interpretada por Whoopy Goldberg) não tivesse sido tão bem construída. É curioso notar como o filme fica sem protagonista durante boa parte do tempo, simplesmente porque Celie sequer é protanista da própria vida. O filme é uma lenta descoberta do que está por trás da alma desta mulher, e que foi sempre violentado. Uma metáfora surge logo em uma das primeiras cenas já com Whoopy: ela está de esfregão na mão, e precisa limpar um cômodo, que está uma zona. Ao limpar uma parede imunda, ela descobre uma bela pintura por trás da sujeira. É sobre isso o filme: descobrir coisas belas embaixo da sujeira. Também acho importante ressaltar que, em um filme com elenco majoritariamente negro, baseado no romance de uma mulher negra, Spielberg, sabiamente, abriu mão de John Williams e escalou Quincy Jones para a trilha sonora.

Criancinhas: é talvez o retrato mais negativo que Spielberg fez de crianças até aqui em sua carreira. Se desconsiderarmos as duas irmãs, que no começo do filme já são adolescentes, as únicas crianças do filme são os filhos de Albert com a primeira mulher. Assim que Celie chega à casa, as três crianças são apresentadas à “nova mãe”, e um deles joga algo nela, que cai no chão sangrando. As crianças saem dando risada. Nenhuma delas é mostrada como uma pessoa, com personalidade. Apenas um deles, Harpo, que será um personagem importante quando adulto, é mostrado algumas vezes, sempre selando o cavalo a mando do pai. Mas Celie não cria uma relação amigável com as crianças, apenas em um momento a vemos lendo um livro para elas. Mas o fato é que nunca sabemos seus nomes (exceto o de Harpo), nem suas personalidades. Elas são avatares do pai, podemos dizer. E como tais, veem Celie apenas como uma empregada da família.

7 – Indiana Jones e a Última Cruzada (Indiana Jones and the Last Crusade, 1989)

Sinopsezinha: um pai e um filho, ambos arqueólogos, partem em busca do Santo Graal, literal e metaforicamente, já que buscam de fato o cálice usado por Jesus Cristo na última ceia, mas também remendar a relação entre eles, que está bem judiada, e eles fazem um globe trotter legal, passando por Nova Iorque, Veneza, Berlim (onde até encontram o cramunhão do Hitler) e Alexandreta, até que chegam no lugar onde está o cálice, e o filho, que é o Indiana Jones, tem que passar por uns desafios pra chegar até o copinho usado pelo Cristo.

Comentariozinho: terceiro filme da trilogia Indiana Jones (isso, trilogia, não teve nenhum quarto filme, quem disser que teve, mente). Vendo assim tão pertinho de ter visto “Os Caçadores da Arca Perdida”, o primeiro, fiquei um pouco espantado com a semelhança dos dois, na temática, no inimigo, na estrutura do roteiro e até em alguns diálogos. Mas aqui existem dois “frescores”: 1 – o prólogo, que é uma característica da série, mas que neste filme mostra parte da juventude de Indiana (na pele de River Phoenix); 2 – a relação entre Indiana e seu pai (vivido por Sean Connery), que proporciona alguns dos momentos mais divertidos de toda a trilogia. Essas duas novidades, aliadas ao habitual talento de Spielberg para cenas de ação, elavam o patamar desta terceira parte.

Criancinhas: pelo primeira vez em um filme de Indiana, não há nenhuma criança no filme.

6 – E.T.: O Extraterrestre (E.T. the Extra-Terrestrial, 1982)

Sinopsezinha: nem precisa, todo mundo sabe, mas vá lá, um pequeno e simpático extraterrestre fica pra trás quando sua nave vai-se embora pro espaço, e daí ele faz amizade com um pequeno e simpático terráqueo, o Elliott, mas essa amizade tem hora pra acabar, porque os adultos maus querem estudar o extraterrestre, ou sei lá o quê, e além disso o etezinho tem que voltar pra casa dele, e o Elliott e sua turminha vão ajudar, mas depois de muito drama e muita aventura.

Comentariozinho: embora Spielberg use aqui todo o arsenal de manipulação emocional, é impossível não se deixar levar pela história da amizade entre um humano e uma criatura do espaço. O imenso talento para construir cenas icônicas ajuda, mas as emoções que o filme provoca surgem, especialmente, porque se trata de um projeto extremamente pessoal, e, portanto, emocional para o próprio diretor. Este amor pela história transpassa a tela e nos atinge em cheio. Além disso, o E.T. em si funciona perfeitamente, o que é algo crucial para uma história em que nossa conexão emocional se dá com as crianças, mas também com o serzinho do espaço. Com tudo funcionando tão bem, só poderia nascer um clássico.

Crianças: no começo do filme, vemos uma nave toda colorida, e alguns seres coletando plantinhas. Depois vemos um carro chegando, e de dentro saem homens, com lanternas, e começam a perseguir um dos bichinhos, que até ali não sabemos o que são. Já nesse momento somos condicionados a ficar ao lado do E.T., e a entender os humanos adultos como vilões (eles só são filmados da cintura pra baixo, não tem rostos). Essa introdução dura oito minutos, e não há nenhum diálogo. Depois somos apresentados a Elliott, de dez anos, e sua família, composta por um irmão um pouco mais velho e uma irmã de cinco anos, além da mãe, que é separada do pai. Mas os donos do filme são as crianças, mais especificamente Elliott. Ao invés de esperar as decisões dos adultos, as crianças conduzem a história, tomando quase todas as decisões sozinhos. A espontaneidade era algo tão importante, que Spielberg abriu mão de storyboards (que são como “desenhos” prévios das cenas, algo que Spielberg tem costume de usar) e filmou quase tudo em continuidade (o mais comum é que as cenas sejam filmadas fora de ordem cronológica, por questões logísticas). Tudo para que os atores mirins pudessem reagir emocionalmente à história, mais do que atuar. O resultado é evidente, principalmente na atuação da pequenina Drew Barrymore.

5 – O Resgate do Soldado Ryan (Saving Private Ryan, 1998)

Sinopsezinha: na Segunda Guerra Mundial, três irmãos da mesma família americana morrem, e o governo decide que vai salvar o quarto irmão, que é o tal soldado Ryan do título do filme, que ainda está no front, e para isso monta uma equipe de resgate, liderada pelo Tom Hanks, que parte nesta missão meio suicida com o Edward Burns, o Giovani Ribisi, o Tom Sizemore e até o Vin Diesel, que ainda tentava uma carreira de ator antes de seguir a carreira de astro.

Comentariozinho: desde 1996, anoto todos os filmes que vejo. A primeira vez que vi este filme foi no ano de lançamento, em 1998 (detalhe: no mesmo dia, um sábado, vi também “Império do sol” e “Juventude Transviada”), e depois não tinha revisto. A lembrança que tinha era que o filme tinha um começo avassalador, e depois se tornava um pouco mais lento. De fato, o começo é avassalador. Mas na minha cabeça, a famosa invasão aliada na França durava uma eternidade. Na verdade, leva uns 25 minutos, “apenas”. Depois, de fato, o filme dá uma arrefecida no ritmo – embora “lento” não seja uma palavra adequada. E o grande “tour de fource” vem no final, na sequência de proteção da ponte, cuja duração não marquei, mas deve ser de uns 40 minutos. Então somando o começo com o fim, são cerca de 60 minutos do que Spielberg faz de melhor: movimento. Ação. Ele tem domínio perfeito do que faz. No meio das duas cenas, o filme se dedica a nos mostrar a relação entre aquelas pessoas, enviadas em uma missão suicida, mas extremamente nobre, de evitar que uma mãe receba a notícia de que perdeu todos os seus filhos na guerra. Um junção quase perfeita de movimento e emoção, os dois pilares do cinema de Spielberg.

Criancinhas: é um filme de adultos, mas Spielberg e seu roteirista incluem uma cena com crianças, quando o grupo, logo no começo da jornada, encontra uma família francesa. O pai praticamente empurra a filha para ser levada pelos soldados, e quase a mata por conta disso, após o soldado Caparzo ser alvejado enquanto carregava a menina. Ela volta chorando para perto do pai, e o esbofeteia. Uma mostra de que, a esta altura, já fazia muito tempo que, no cinema de Spieberg, as crianças tinham deixado de ser meros instrumentos nas mãos dos adultos.

4 – Indiana Jones e o Templo da Perdição (Indiana Jones and the Temple of Doom, 1984)

Sinopsezinha: o arqueólogo Indiana Jones, que vocês já conhecem, está fugindo de uma galera que quer matá-lo, e aí ele acha que tá bonitão num avião, mas o piloto vaza e deixa o avião caindo, ele escapa milagrosamente, junto com uma cantora de cabaré e um moleque chinês de uns 11 anos, que adora ele, e eles caem num vilarejo indiano, e o Indiana acaba decidindo ajudar o povo desse vilarejo a recuperar umas pedras mágicas e também as crianças do lugar, ambas, pedras e crianças, capturadas por uma seita maléfica.

Comentariozinho: segundo filme da trilogia Indiana Jones (TRI-LO-GI-A, entendeu?), é o menos preferido do diretor. Isso porque é o mais sombrio deles, e Spielberg preferiria um filme de ação que crianças pudessem ver. De fato, o filme tem momentos um pouco pesados (dedos decepados, coração arrancado com a mão, tortura, etc). Mas tem também dois bons alívios cômicos: Shorty, o pequeno chinês que idolatra Indiana Jones, e Willie, a cantora, vivida por Kate Capshaw (que viria a ser esposa de Spielberg). Há bons diálogos de comédia (“O que você é, domador de leões?”, é o que Willie diz a Indiana na primeira vez que o vê com o figurino clássico do personagem), além de gags bem divertidas. Trazendo sequências de ação memoráveis, além de adicionar perigo à serie (especialmente no momento em que Indiana se torna “do mal”, depois de tomar um líquido amaldiçoado), trata-se de um perfeito segundo capítulo, na medida em que traz novos elementos, sem abandonar a mitologia do personagem, criada no primeiro filme.

Criancinhas: além da presença de Shorty como uma criança ativa, que sabe se defender, o filme tem sua trama principal movida por conta das crianças. Indiana, que baliza a moral do filme, só decide realmente ajudar a aldeia quando fica sabendo que todas as crianças foram raptadas. E em dado momento do filme, após recuperar as pedras, Indy poderia ir embora, mas desiste ao ouvir o grito das crianças, que são feitas de escravos pela seita. Permanece a ideia, constante nos filmes de Spielberg, de que as crianças são vítimas dos adultos. Indiana Jones surge como um salvador, uma espécie de Deus, com poder, e vontade, de salvá-las.

3 – Tubarão (Jaws, 1975)

Sinopsezinha: em um balneário americano, um tubarão começa a aterrorizar a população, matando uma moça, e então o chefe de polícia quer fechar as praias, mas o prefeito diz “não, o que é isso, não podemos, vem chegando o verão, precisamos das praias para receber os turistas”, daí fica tudo aberto, e o tubarão mata mais um, dessa vez uma criança, aí começa uma caçada ao peixão, e matam um tubarão-tigre, e o prefeito acha que tá resolvido, abre as praias de novo, mas não era o tubarão certo, então mais um morre, e só então, finalmente, é autorizada uma busca de verdade, com o chefe de polícia, um pescador experiente e um cientista.

Comentariozinho: antes de entrar nos méritos do filme, é preciso dizer que foi impressionante assisti-lo em meio à pandemia de coronavírus. Está tudo ali: o político negacionista mais preocupado com economia do que com vidas humanas, a população fazendo pouco caso da situação, um cientista tentando convencer a todos do risco, etc. Impressionante. As filmagens foram um pesadelo, e o principal problema era o tubarão mecânico, que quebrava a todo momento, e não era lá muito convincente. O gênio de Spielberg fez disso o maior trunfo do filme. A ausência do tubarão propriamente dito nos faz temer o tempo todo pela presença dele, que é emulada pela icônica trilha sonora de John Williams. E, quando já estamos condicionados a associar o tubarão à música, eis que ele surge de repente, sem aviso prévio, fazendo-nos pular da cadeira. Com um roteiro extremamente eficiente, sem nenhuma gordura, a primeira hora e meia de filme nos prepara para a parte final, o embate entre homem e natureza, ou melhor, entre três homens, cada qual com sua especialidade, e uma besta-fera.

Criancinhas: a todo momento Spielberg usa as crianças brincando na praia como uma forma de aumentar a tensão. Mais uma vez as crianças são reféns do comportamento irresponsável dos adultos. Com o prefeito e a própria população negligenciando o problema, as crianças ficam em risco, e uma delas se torna a segunda vítima do animal. Outra mostra de como as crianças apenas reagem aos adultos é a cena em que o filho do chefe de polícia imita seus gestos na mesa de jantar.

2 – A Lista de Schindler (Schindler´s List, 1993)

Sinopsezinha: durante a Segunda Guerra Mundial, um comerciante alemão usa suas fábricas para salvar judeus do extermínio, contratando-os como funcionários, tendo que fazer isto sem que os oficiais alemães percebam a real intenção por trás dos gestos, coisa que ele consegue com muito poder de persuasão, charme, dinheiro, suborno e uma boa dose de sorte.

Comentariozinho: antes de revê-lo para esta maratona, só havia visto o filme uma vez, aos quinze anos de idade. Testemunho de sua potência é o fato de muitas das cenas ainda estarem vivas em minha mente, 25 anos depois. A carreira de Spielberg pode ser facilmente dividida entre filmes “sérios” e filmes “escapistas”. Este é o apogeu de Spielberg como cineasta “sério”. É possível fazer uma análise um pouco cínica do filme, de que se trata de um elogio do capitalismo, já que o empresário Schindler, através de subornos e da maravilha da livre iniciativa, conseguiu salvar pouco mais de mil judeus. Mas também é possível dizer que se trata do elogio de um capitalismo possível, utópico, onde quem tem muito usa seu dinheiro para ajudar quem precisa. Schindler acaba o filme perseguido e sem dinheiro. Abriu mão do que conquistou (criminosamente, diga-se) para ajudar outras pessoas. Se todos os donos de grandes capitais fossem como ele, teríamos algo melhor como mundo, certamente. Então, entre o cinismo e a ingenuidade, melhor ficar no meio termo. Cinematograficamente, é um filme em que Spielberg dosa com mastria seu talento para cenas icônicas, e também para despertar nossa emoção. Mas a emoção vem da própria carga do assunto, sem que o diretor precise forçar a mão – aliás, o compositor John Williams também está bem contido.

Criancinhas: Spielberg não retrata as crianças apenas como vítimas da guerra. Muitas vezes as coloca em situações em que elas não são apenas alvos a serem abatidos, mas agentes da própria salvação. Quando o gueto é destruído, muitas fogem e se escondem, e o pequeno “guardinha” judeu, que trabalha para os alemães, ajuda a colocar a família Dresner no “trem certo” para a salvação. Quando o campo de concentração recebe uma limpa, algumas crianças conseguem fugir, se escondem. Há closes em rostos de crianças, tanto logo no começo do filme, no Shabat, quanto posteriormente. É certo que as crianças eram vítimas fáceis e doloridas, por sua fragilidade física e psicológica. Mas Spielberg não as coloca apenas como seres que esperam a morte impávidos. A imagem mais lembrada do filme acaba sendo a criança de vestido vermelho, a única cor diferente do preto e branco que aparece no filme (excetuando o prólogo e o epílogo). Em um primeiro momento essa menina representa quase um anjo que escapou da morte, mas que depois aparece novamente, já morta, em uma cena desoladora. Para mostrar que, nas guerras, os anjos também morrem.

1 – Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (Raiders of the Lost Ark, 1981)

Sinopsezinha: o arqueólogo e professor Indiana Jones, que usa seu tempo livre para recuperar artefatos históricos e vendê-los a museus ou ao governo, recebe a missão de ir atrás da Arca da Aliança, que é onde supostamente o Moisés, ele mesmo, teria guardado a tábua dos Dez Mandamentos, aquela mesma, e mais umas coisinhas, e nessa busca o Indiana passa por um monte de lugares, como Nepal e Cairo, e sua disputa é contra uns nazis desgraçados que também querem a Arca, mas para usá-la como arma, imbecis que são.

Comentariozinho: esta é uma lista pessoal, e existe um motivo pessoal para este filme estar em primeiro: foi o filme que me fez gostar de cinema. Mas eu realmente acho que Spielberg nasceu para dirigir Indiana Jones. Seu cinema de movimento nunca dantes e nunca depois foi tão eficiente. O roteiro é apenas um pretexto para que as cenas de ação se amontoem umas sobre as outras. Junte-se a isso um astro carismático, uma mocinha arretada e um vilão charmoso, e temos o maior filme de ação de todos os tempos – sem medo de soar hiperbólico. Algo que me impressionou nessa (quinquagésima) revisão foi como Spielberg consegue apresentar toda a mitologia do personagem nos doze minutos iniciais. Logo no começo já vemos Indiana em contra-luz, com o chapéu característico. O rosto só aparece aos três minutos de filme, mas antes disso ele desarma uma pessoa usando seu chicote, outro item importantíssimo da mitologia. Um pouco depois, ao entrar na caverna, ele fica infestado de aranhas, e nem liga. Isso mostra sua coragem. Seu conhecimento de arqueologia já fica claro também, já que outras pessoa estão seguindo tudo que ele faz. Quando ele está fugindo, o chicote fica para trás enquanto a armadilha se fecha, mas dá tempo dele esticar a mão e pegá-lo, outra cena que faz parte da mitologia e voltará nos próximos filmes (seja com o chicote, seja com o chapéu). Com quase doze minutos, toca pela primeira vez a música tema de John Williams. E pouco depois surge uma cobra no avião da fuga e ficamos sabendo da fobia do herói. Uma incrível e sintética apresentação de quase tudo que é importante saber sobre o personagem. Só mais uma prova de que, apesar de alguns erros na gigantesca carreira, Spielberg é um baita cineasta.

Criancinhas: surgem apenas uma vez no filme, e como salvadores de Indiana, quando ele tira a arma para o vilão Beloq, no Cairo, e antes que seja morto pelos capangas deste, as crianças surgem gritando “Indy! Indy!” e ele acaba sendo salvo.

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