Máquinas do Tempo

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Por Fábio Felice

Eu sempre gostei de ingresso. Desde pequeno, quando passei a frequentar estádios com meu pai, segurar aquele pedaço de plástico envolvia algo além da possibilidade de assistir a um jogo. Do tamanho de um cartão de crédito ou comprido para destacar, era uma coisa legal para se guardar na carteira, para lembrar dos jogos depois de um tempo. E poder buscar na memória os gols que rolaram, a chuva que caiu na arquibancada, o sanduíche de pernil para comemorar a vitória, o corre-corre da polícia em dia de clássico ou a fila sofrível e infindável até tê-lo em mãos. O ingresso, mais do que a prova física de um jogo, é o carimbo no PASSAPORTE cerebral do torcedor. É a ponte para as lembranças de um dia de futebol.

E ele nunca foi de um jeito só. Tinha campeonato em que vinha com os distintivos dos times estampados, lado a lado; outros que só vinha o do mandante, possivelmente porque ninguém sabia como era o escudo da Matonense; alguns econômicos, só com o logo da Federação; outros que tudo vinha escrito, não só os times mas também a cidade, a data, o horário, o estádio, o nome do juiz, o telefone de emergência, o endereço da empresa que imprimia o ingresso; e também tinha o tipo mais legal: a foto do jogador estampada. Parecia uma figurinha de álbum, um card colecionável. O problema era quando vinha a foto de um GLÁUBER da vida. Era sinal de jogo complicado. Mete 3 volantes, professor.

Se o jogador raspa a mão no gramado e faz o sinal da cruz quando entra em campo, o torcedor tem seu momento de DEVOÇÃO quando o ingresso raspa a máquina e a catraca gira por seu corpo, como se benzesse aquela figura que vai torcer pelo seu time. Amém, seu juiz, espero que seu dízimo esteja em dia.

Poucas coisas arrepiam tanto no futebol quanto passar por uma catraca de estádio, ouvir com mais nitidez o barulho da torcida, olhar um pedaço do gramado, voltar-se para aquele pedaço de plástico que lhe deu acesso a tudo isso, guardá-lo no bolso… e respirar fundo, para seguir rumo às arquibancadas. O ingresso é seu escudo. É seu atestado de torcedor. É o que te dá a possibilidade de abraçar um sujeito desconhecido na hora do gol ou de xingar a mãe de um sujeito igualmente desconhecido na hora do pênalti roubado.

Mas, infelizmente, os tempos atuais não têm sido bons para quem gosta de ingresso. No processo de hiper-modernização do futebol, o torcedor tem mais um motivo para se sentir um mero consumidor. O ingresso físico quase não existe mais, ele agora é carregado num cartão – de crédito ou de sócio-torcedor. Você encosta num leitor óptico na catraca e plinplin, pode entrar. A lembrança física do jogo? Um RECIBO, desses que sai de uma máquininha de cartão. Fino, sem graça, sem cor, sem alma, sem emblemas, sem nada, suscetível a uma poça de água. Cadê o escudo de quem vai jogar? Cadê o mergulho que ele dava num buraco na catraca, driblando a marcação das engrenagens e voltando para as mãos do torcedor, na cara do gol, com aquelas dobras para que ele não seja usado mais de uma vez? Cadê o cara que destacava uma parte e te devolvia o resto? Cadê o poder da relíquia? Como vou dizer para o meu filho que aquele pedaço mequetrefe de papel fininho é a prova de um jogo que valeu título, troféu, que foi histórico?

Vi um ingresso do Brasil x Uruguai da Copa de 1950 sendo vendido numa feira de rua em Montevideo. Além de mais conservado do que um destes “recibos” atuais, esse documento de quase 70 anos faz parte daquele jogo. Dá até para enxergar o gol do Ghiggia naquele ingresso, é só fazer um esforço.

Alguns avanços do futebol atual nos livraram de doloridos desprazeres, como o perrengue passado na fila de uma bilheteria: hoje você compra na internet, em minutos. O problema é que a única coisa que querem nos deixar é o CPF na nota. Malditos recibos. Cadê meu ingresso, cheio de alma? Quero poder viajar para o passado, no futuro.

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