Minhas Travessias, Minhas Voltas

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Por Luiz Felipe de Carvalho

Quem tá espertinho aqui na Central3 já ficou sabendo que o podcast Travessia voltou depois de um hiato de alguns anos. Apresentado por Fernando Vives e Caio Quero, o programa traz a cada edição um tema específico, e apresenta algumas músicas relacionadas a ele. Já foram mais de noventa edições, como por exemplo a edição 51 , com músicas sobre chuva, ou a 33, sobre “Gênios & Toscos” (eita, não ouvi esse, deve ser bom). Nos intervalos entre as canções, a dupla de apresentadores relata curiosidades e parte da história de cada música, além de, claro, suas próprias impressões.

“Volta”, como não poderia deixar de ser, foi o tema do episódio de retorno (aqui). Como forma de dar as boas-vindas à nova fase do programa, minha coluna deste mês traz outras dez músicas brasileiras com essa temática. Claro que eles poderiam fazer uns trezentos programas com esse mote, dado o conhecimento musical que acumulam – muito maior que o meu, aliás. Portanto esta minha homenagem é apenas o meu recorte sobre o mesmo tema, usando apenas canções que fazem parte da minha coleção de discos. Ou seja, que fazem parte de mim. Vamos viajar juntos – e eu prometo que vai ter volta.

01 – Casa (O Eterno Retorno) – Artista: Lulu Santos – Composição: Lulu Santos – Álbum: Lulu (1986)

Já tinha a ideia de homenagear o Travessia antes mesmo de ouvir o podcast e de saber que músicas estavam incluídas nele. E na hora já pensei nessa puta música do Lulu, mas achei que talvez ela estivesse na lista deles, e pô, aí não poderia usar. Mas não tava! Certas músicas fazem tanto sucesso, e a gente ouve tantas vezes, que a esquecemos de como são boas. Tentar ouvir “Casa (O Eterno Retorno)” com ouvidos frescos é uma delícia. É uma faixa irresistível, de um momento em que Lulu estava afim de fazer sucesso de novo, depois de um disco que não tem hits (“Normal”, de 1985). E ele atingiu seu objetivo. Já escrevi aqui na Central3 sobre como ficamos tão acostumados a reverenciar Cazuza e Renato Russo como os poetas do rock brasileiro (e devem mesmo ser reverenciados) que esquecemos de outros letristas. Lulu é um deles. “Primeiro era vertigem/Como em qualquer paixão” pode não ser “Parece cocaína/Mas é só tristeza”, mas é um baita começo de disco.

02 – Volta – Artista: O Terno – Composição: Tim Bernardes – Álbum: Melhor Do Que Parece (2016)

Essa é outra que apareceu na minha cabeça assim que comecei a pensar na lista. Eu amo “O Terno”, mas (odeio usar a palavra “mas” pra algo que eu gosto tanto) tenho alguma dificuldade em me conectar emocionalmente com as coisas que o Tim Bernardes escreve. Dois parênteses: (vergonhosamente, ainda não ouvi seu disco solo) (vou me redimir com o Tim, e fazer uma comparação que eu acho que ele gostaria: eu tenho essa mesma dificuldade com o Chico Buarque). No entanto aqui eu não consigo não ficar emocionado para um cacete. A letra fala de alguém que está pedindo pra outro alguém voltar, e ele parece ter certeza de que o fim é apenas temporário, de que o lugar dos dois é ao lado um do outro. O que me parece é que ele sabe que ela vai voltar, apenas pede pra que seja logo. Em geral escolho para colocar aqui a versão de estúdio das músicas, mas Tim Bernardes subindo uma ladeira de Lisboa (com o som sempre límpido, apesar de alguns ruídos) e chegando ao fim com o fôlego intacto (apesar de um “nossa, canseira!” ao final), é prova não só de seu talento mas de sua intensa juventude. E não se enganem tiozinhos (as) como eu, certas coisas só são possíveis na juventude. Como acreditar que tudo, sempre, tem volta.

03 – Desalento – Artista: Chico Buarque – Composição: Chico Buarque/Vinícius de Moraes – Álbum: Construção (1971)

“Construção”, o álbum, está em toda lista séria de melhores discos da música brasileira de todos os tempos. Tanto por qualidade quanto por relevância histórica, provavelmente os dois critérios mais importantes para eleições do tipo – embora um carregado de subjetividade, o outro com um pouco menos. Nessa monstruosidade (no bom sentido) que é “Construção”, talvez “Desalento” seja uma das faixas menos conhecidas. É de se supor que em uma parceria com Vinícius de Moraes este seja o principal letrista, e portanto o principal culpado pela inclusão desta faixa nesta lista. Aqui não temos uma canção sobre a volta, mas sobre um homem arrependido e desesperado por ela – a volta, no caso. Alguma merda ele fez, das grandes, e num genuflexório simbólico ele se ajoelha e implora seu retorno. Pede que lhe digam que ele entregou os pontos. Não há relatos precisos sobre se ela aceitou ou não as desculpas.

04 – Arcoverde Meu – Artista: Luiz Gonzaga – Composição: João Silva/Luiz Gonzaga – Álbum: Vou Te Matar De Cheiro (1989)

Uma das modalidades de volta mais líricas é a volta pra terra, pro lugar onde nascemos, onde estão nossas primeiras lembranças, pro que, em primeira instância, nos fez ser o que somos. São tantas as canções com essa temática. “O Filho Pródigo”, por exemplo, incluído no Travessia. Luiz Gonzaga não era de Arcoverde, mas seu parceiro de composição, o prolífico João Silva (só com Luiz são dezenas de parcerias), era de lá. Ele participa da faixa, e em dado momento Gonzaga diz a ele: “João Silva, você que é dono desse trem, tem que cantar muito mais!”. O primeiro som que ouvimos é o barulho de um trem, nada mais simbólico. A letra narra alguém voltando cheio de banzo pra sua terra natal. As imagens da viagem são carregadas de saudade, mas também pintadas com cores de alegria.

05 – Lume de Estrelas – Artista: Oswaldo Montenegro – Composição: Oswaldo Montenegro/Mongol – Álbum: Asa de Luz (1981)

Qual é a sensação de esperar por alguém que está sempre partindo? Não temos essa resposta nesta canção de Oswaldo Montenegro e Mongol, já que ela parte do ponto de vista daquele que parte: “Toda vez que eu volto/Tô partindo/E no sentido exato é por saudade”, ele diz logo de cara, num malabarismo poético que nos faz perdoá-lo por partir (ou não). Se ainda não perdoamos, o refrão talvez nos convença: “E quando eu não voltar/Acenda o mesmo lume de estrelas/Que eu deixei no teu olhar”. Mongol, vale saber, é o autor individual de “Agonia”, um dos maiores sucessos da carreira de Oswaldo, de modo que não podemos subestimar sua participação aqui. Seja lá de quem for a culpa, é uma linda canção, com a cafonice que toda boa canção de amor possui. O vídeo traz Oswaldo dublando a faixa num especial da Globo. É possível questionar com veemência o uso das botas, sob a luz dos dias de hoje, mas a mim também é possível entender perfeitamente, artística e esteticamente, porque minha tia se apaixonou, e permanece apaixonada, por esse pequeno gênio não reconhecido da música brasileira.

06 – Me Gusta – Artista: Zélia Duncan – Composição: Christiaan Oyens/Zélia Duncan – Álbum: Intimidade (1996)

Tem voltas que não tem a ver com geografia. Tem voltas que são internas. Retornos que de tempos em tempos temos que fazer para alguma essência que talvez tenhamos perdido, e que sentimos falta sem saber.É sobre essa volta que Zélia e seu parceiro Christiaan falam nesta letra. Adoro como o bandolim introduz a faixa. Adoro como o termo em espanhol se encaixa tão organicamente na letra. Adoro a mudança de tom enfatizando a mensagem. Adoro a concisão das palavras, e como dizem tudo em poucos versos: “Se volto pra mim/Pouso na terra/E é macio saber/Que isso não me assusta/Que já não me assusta/E “me gusta” voltar”. Zélia tem, pra mim, uma das carreiras mais sólidas da música brasileira. Não há um disco dela que pareça ter sido feito por fazer. Aqui ela ainda estava em seu terceiro disco, mas já demonstrava que tinha vindo pra ficar. E pra voltar.

07 – A fim de voltar – Artista: Tim Maia – Composição: Hyldon/Tim Maia – Álbum: Tim Maia Disco Club (1978)

Um acorde do teclado e Tim já manda que está “a fim de voltar”. A falta de introdução dá a pista: sem rodeios, o que eu quero é voltar com você. Essa faixa abre o disco que Tim Maia fez homenageando e se inspirando na disco music. Quase todas as faixas são de autoria de Tim Maia sozinho, mas nessa aqui ele teve o auxílio luxuoso de Hyldon. Como letrista, Tim era bastante preciso, eufemismo para “escrevia quatro ou cinco versos e pronto”. Mas quem pode dizer que não funcionava? “Sossego”, outro sucesso, que também está neste disco, além de economizar nos versos (coisa de meia dúzia) também economizou nos acordes (apenas um). Assim era Tim. O que eu quero? sossego. O que eu quero? Voltar pra você. Sem floreios.

08 – Quando você voltar – Artista: Legião Urbana – Composição: Música: Legião Urbana/Letra: Renato Russo – Álbum: A Tempestade ou O Livro dos Dias (1996)

Ali em cima, em “Lume de Estrelas”, eu questionei qual seria a sensação de esperar por alguém. Talvez parte da resposta esteja aqui, dada por Renato Russo neste que é o último disco lançado pela Legião Urbana com seu letrista ainda vivo. Qualquer um que já brigou uma vez na vida com seu amor vai se identificar com a letra, e esse era o grande talento de Renato. Suas letras são um espelho, e o que vemos às vezes é algo doente – mas bonito, ao mesmo tempo. Cada pequeno detalhe descrito aqui faz pensar “porra, esse cara tá falando de mim!”. Apesar da melancolia, há certa esperança rarefeita: “E quando você voltar/Tranque o portão/Feche as janelas/Apague a luz/E saiba que te amo”.

09 – Volta Pro Mesmo Lugar – Artista: Cachorro Grande – Composição: Rodolfo Krieger – Álbum: Baixo Augusta (2011)

O Renato Russo deixou as coisas muito pesadas, e acho que a Cachorro Grande é muito boa pra tirar o peso (emocional) das coisas. Inclusive mesmo quando a banda toca em temas sérios, é difícil pro vocalista Beto Bruno eliminar aquele deboche que parece entranhado em sua voz. Essa aqui foi composta pelo baixista Rodolfo Krieger, e fala de um aspecto quase metafísico das voltas: o de nos trazer diretamente pro mesmo lugar onde estávamos. Mas o filtro aqui é da diversão, num arranjo dinâmico que quase não deixa espaço pro respiro, uma coisa meio Mumford & Sons, absolutamente empolgante. O rock sempre volta pro mesmo lugar.

10 – Traz o Sol Pro Meu Lado da Rua – Artista: Transmissor – Composição: Thiago Corrêa/Vander Lee – Álbum: Nacional (2011)

Talvez outras canções falem mais sobre o tema da volta do que essa aqui. Mas eu não queria ficar esperando fazer um texto sobre “canções do sol” pra mostrar essa faixa pra vocês. Acho que o mundo inteiro deveria conhecê-la. E esse disco da banda mineira Transmissor é um daqueles dez que eu levaria praquela tal ilha deserta. Então eles fizeram uma entrada forçada nessa lista. Mas, ei, a letra toda é um pedido pra que a pessoa amada volte – sem recorrer a anúncios colados em postes de iluminação. “Pára e vem agora em nossa casa/Faço vento e votos pra você voltar”. Um dos autores é Vander Lee, artista mineiro morto aos cinquenta anos de problemas cardíacos. Meu pai dizia que artistas muito sensíveis tendiam a morrer do coração precocemente, “como o Roy Orbison”, ele completava. Pelos versos dá pra ver que esse era o caso de Vander Lee. Dica: se você arranha um violão, essa música é deliciosa de tocar.

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