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O Rock Espanhol Está

Por Felipe Dominguez

Após uma gira pela Espanha, El Biglia de la Gente indica os sons que estão fazendo os gallegos baterem cabeça. Confiram!

WAU Y LOS ARRRGHS

Começamos com os prediletos da casa. Os valencianos do Wau y Los Arrrghs são amantes de Link Wray, filmes de terror, séries de ficção cientifica e musas francesas. Seus 3 LP’s – Wau y Los Arghhs Cantan En Español de 2005, Viven! de 2008 e Todo Roto de 2013 –  tocam seguidamente na residência dos Bigliazzi Dominguez. Uma seleção de garage entonada por riffs de fuzz, orgão Hammond e a voz peculiar de Juanito Wau. Banda mais do que recomendada para os fãs de Cramps,Los Saicos e The Mummies.

TRIANGULO DE AMOR BIZARRO

Não é de hoje que a banda galega Triangulo de Amor Bizarro se tornou um dos maiores nomes da cena alternativa espanhola. O nome – que nos transporta ao hit do New Order – já indica a influência pelo post-punk britânico. O uso de sintetizadores e constantes microfonias de verão é o emblema da banda. O quarteto segue em Abanquero – pequeno vilarejo na província de La Coruña -mantendo as origens e a sonoridade enigmática de seus três discos anteriores. A quarta produção do Triangulo de Amor Bizarro será lançada no final deste ano, batizada como Salve Discordia. Indicada para os apreciadores de Jesus and Mary Chain e Joy Division.

LOS PANIKS

Honrando a tradição roqueira de Euskadi – marcada como berço do punk ibérico nos anos 80, graças à bandas da estirpe de Eskorbuto, Kortatu e La Polla Records –  os bilbaínos do Los Paniks me surpreenderam numa noite suburbana com uma apresentação selvagem, ruidosa, frenética até a medula, fechando a visita de Jon Spencer Blues Explosion em Viscaya, com um garage punk alucinante.

LOS VINAGRES

Confesso estar viciado em Los Vinagres. Escutar os chavales é voltar ao passado. Lembrar do frenesi causado na puberdade por encontrar os amigos do colégio, encher a cara de vinho Natal, tocar um rock alto, estridente, causador mor de reclamações nas redondezas. Essa maravilhosa banda das Islas Canarias nos brinda com canções rápidas e diretas, carregando uma temática irreverente que evoca a diversão perdida nas últimas décadas. Um rock vulcânico – como eles mesmos definem o estilo. Em 2013, o power trio deixou  a cálida Las Palmas – e as letras em inglês – para se aventurar na capital do país. Já no mês passado, foi lançado o EP El canto de La Morena, repleto de videos de pura fanfarronice juvenil.

FUTURO TERROR

O mediterrâneo espanhol nos apresenta uma cena mais do que interessante. Se Valência tem Wau Y Los Arghhs, Alicante nos deleita com Futuro Terror. O LP de estreia da banda, editado pelo selo Disco Humeantes está repleto de canções energéticas, embaladas por 3 acordes certeiros e sagazes. Os rapazes da terra do turrón tem clara influência punk 77 inglês e de bandas alternativas estadunidenses dos anos 80. Indicada para os seguidores de Bad Brains, Fugazi e The Boys.

CUELLO

A terra da paella novamente nos satifaz com uma das grandes bandas do circuito alternativo na Espanha. Cuello, diretamente de Valência, lançou este ano o excelente LP Trae Tu Cara – o terceiro da carreira do quarteto che. Guitarras altas, baixo distorcido e letras diretas deixam claras as influências dos clássicos indies dos anos 90. Boa pedida para os admiradores de Pixies, Sonic Youth e Superchunk.

LOS ZIGARROS

Outro exemplo da formula simples do rock: blues acelerado, diversão e riffs chuckberrianos. O único disco da banda rollinga de Valência foi lançado em 2014. Ganharam projeção nacional abrindo os shows de Fito y Fitipaldis em sua última turnê por território espanhol.

PERRO

Uma das bandas mais legais do indie rock espanhol se chama Perro. O quarteto de Murcia esbanja bom gosto com suas guitarras distorcidas e letras enigmáticas. Apesar dos poucos anos de estrada, Perro já lançou dois discos – Singles Brasileñas de 2012 e Tiene Bacalao, Tiene Melodia de 2013 – com críticas positivas da revista Mondo Sonoro. Cairá no gosto dos fanáticos de El Mato a un Policia Motorizado, Pavement e Smashing Pumpkins.

ANGEL STANICH

As margens do mar Cantabrico surge essa criatura peculiar conhecida como Angel Stanich. Uma voz soturna que sugere a presença do doidão catalão Albert Pla ou de Tom Waits. O cantor natural de Santander se define de forma singela: “un freak recluso centrado en su bohemia y sus canciones. No va de nada. Al contrario. Pasa del rollo mediático. No hace promoción de su trabajo o sus contados conciertos. Ha costado lo suyo que montara su Facebook oficial… No hace entrevistas ni lo verás por ahí en los saraos nocturnos”

LOS BENGALA

O dueto de Zaragoza é uma das grandes revelações do rock espanhol em 2015. O disco Incluso Festivos é repleto de canções energéticas. A dupla aragonesa acaba de lançar o videoclipe No Hay amor sin dolor, o hit garageiro do LP de estreia.

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Futebol Urgente #96

Passando Blutúfe para o Paraná, que Lhe abraça, Fernando Toro assiste o japonês vascaíno na torcida do Flamengo, o álbum de fotos marotas do Galvão Bueno, o desafio de dança para o Periquito do Palmeiras, a DisNEYlândia de Neymar e outras pedrinhas e pedronas.

Este podcast você conhece, e neste podcast você confia. Não tem placar em branco e sobra sangue, suor e lágrimas no desabafo semanal em brochura azul de nosso herói Torito.

Clique aqui e ouça mais esta bomba!

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Com a Morte na Alma

Por Victor Faria

Nova York

Levantou-se com precaução, mas sem poder evitar a inundação, as gotas de suor corriam-lhe pelos flancos como piolhos, e faziam cócegas. No espaldar da cadeira, a camisa amassada, cheia de pregas: nada seca nesta merda de país. O coração batia-lhe, parecia estar de ressaca, como se tivesse se embriagado na véspera.

Enfiou as calças, foi até a janela e puxou as cortinas: na rua, a luz era branca como uma catástrofe; mais horas de luz. Olhou a rua com angústia e raiva. A mesma catástrofe: lá longe, sobre a terra engordurada e preta, sob a fumaça, sangue e gritos; aqui, entre as casinhas de tijolos vermelhos, luz, só luz e suor. Mas era a mesma catástrofe. Olhou, e viu de repente todas as cores gritarem. Mesmo se tivesse tempo para pintar essas vivas cores, mesmo se tivesse cabeça…

Tocaram. Gomez foi abrir. Era Ritchie.

– É um crime – disse Ritchie ao entrar.

Gomez estremeceu:

– Como?

– Este calor: é um crime. Ainda não está vestido? – acrescentou, em tom de censura – Ramon nos espera.

Gomez deu de ombros:

– Faz muito calor. Não consigo dormir.

– No início é assim – disse Ritchie, sem dar muita importância – Você se acostuma. A quantas anda você?

– Na lona. Não tenho mais uma só camisa e só me restam 18 dólares. E, depois, Manuel volta segunda, preciso devolver-lhe o apartamento.

Mas pensava no jornal que Ritchie lia enquanto o esperava; ouvia-o virar as páginas. Enxugou-se cuidadosamente, em vão: a água brotava da toalha. Enfiou com arrepios a camisa úmida e voltou para o quarto.

Ao se abaixar para amarrar o cordão dos sapatos, procurou ler, por baixo, os títulos da primeira página. Acabou perguntando:

– E Paris?

– Não ouviu o rádio?

– Não tenho rádio.

– Terminado, liquidado – disse Ritchie serenamente – Eles entraram na cidade.

Gomez foi até a janela, colou a fronte no vidro quente, olhou a rua, o sol inútil, o dia inútil. Só haveria dias inúteis agora. Virou-se e deixou-se cair na cama.

– Ande depressa – disse Ritchie – Ramon não gosta de esperar.

Gomez levantou-se.

– Ele está de acordo?

– Em princípio, sim. O pagamento é semanal e você ficará responsável pelas equipes de base. Mas ele quer vê-lo.

– Ele me verá – disse Gomez – Ele me verá.

Voltou-se bruscamente:

– Preciso de um adiantamento. Acha que ele vai topar?

Ritchie deu de ombros e disse depois de um instante:

– Contei que você vinha de um curso na Espanha, mas não falei de suas… façanhas. Não vá dizer a ele que sua alcunha era de general: afinal, no fundo, não se sabe o que ele pensa.

– Não tenha medo, não tenho vontade de me vangloriar; há seis meses que estou sem trabalho. Além disso, os americanos parecem não gostar de guerra. – retrucou amargamente.

– Vamos.

Ritchie dobrou devagar o jornal e levantou-se, ignorando o comentário anterior. Já na escada, perguntou:

– Sua mulher e seu filho estão em Paris?

– Espero que não – disse Gomez com vivacidade – Espero que Sarah tenha sido bastante esperta e fugido para Montpellier.

Acrescentou:

– Não tenho notícias deles desde a manhã de ontem.

– Se conseguir o emprego, você poderá trazê-los.

– É – disse Gomez – Veremos.

A rua, o brilho ofuscante das janelas, o sol sobre as compridas casernas chatas e sem telhados, de tijolos cinzentos. Diante de cada porta, degraus de pedra branca; uma bruma de calor do lado do East River; a cidade tinha um ar enfezado. Nenhuma sombra; em qualquer rua do mundo talvez ninguém se sentisse mais terrivelmente exposto. Talvez. Agulhas incandescentes furavam-lhe os olhos, ergueu a mão para proteger-se e a camisa colou na sua pele. Ele se arrepiou:

– É um crime!

– Ontem – disse Ritchie – um pobre velho caiu de insolação à minha frente. Horrível, não gosto de ver mortos.

“Vá para a Europa e estará bem servido”, pensou Gomez.

– Faça o possível para sorrir – recomendou Ritchie.

– O quê?

– Faça o possível para sorrir. Se o Ramon o vir com esta cara, você vai assustá-lo. Não lhe peço que seja obsequioso – acrescentou vivamente diante de um gesto de Gomez – Ao entrar, ponha nos lábios um sorriso inteiramente impessoal e esqueça-o ali; durante esse tempo você poderá pensar no que quiser.

– Sorrirei – assegurou Gomez.

Ritchie olhou-o com solicitude:

– É com o menino que você se preocupa?

– Não.

Ritchie fez um esforço doloroso de reflexão:

– É por causa de Paris?

– Quero que Paris se dane! – afirmou Gomez com raiva.

– É melhor que tenham atacado a cidade sem combate, não acha?

– Os franceses podiam defendê-la – respondeu Gomez com uma voz neutra.

– Ora! Uma metrópole no centro da Europa.

– Podiam defendê-la. Outros centros se defenderiam.

– Mas por que defender Paris? Seria tolice. Teriam destruído o Louvre, a Ópera, a Notre-Dame. Quanto menos devastação houver, melhor será. A guerra acabará logo.

– Ora se… – disse Gomez com ironia – Nesse ritmo, em três meses teremos a paz jihadista.

– A paz – respondeu Ritchie – não é nem católica e nem islâmica: é a paz. Você sabe muito bem que não gosto dos jihadistas. Mas são homens como os outros. Uma vez ameaçada a Europa, começarão as dificuldades para eles, terão de se moderar, abrandar.

Falava lentamente e com aplicação.

Gomez olhou-o irritado, havia uma imensa boa vontade naqueles olhos cinzentos. Ritchie era alegre, gostava da humanidade, das crianças, dos pássaros, da arte abstrata; pensava que com dois vinténs de bom senso todos os conflitos seriam resolvidos. “O que representava o ataque a Paris para ele?”

Um sujeito de óculos olhava-o. Gomez teve vergonha, como se houvesse gritado todo seu ódio.

– Vamos descer – disse Ritchie sorrindo.

Nos cartazes, nas capas de revistas, a América sorria. Gomez pensou em Ramon e pôs-se a sorrir.

– Teremos só cinco minutos de atraso.

Cinco minutos, uma hora, cinco horas de fuso horário para a França: lívida, sem esperança, o tempo escondia-se no fundo daquela tarde colonial.

Paris

As filas intermináveis de vítimas enchiam a estrada. Por um momento Sarah tentou caminhar entre elas, mas o alarido das buzinas jogou-a novamente para a valeta.

– Ande atrás de mim.

Ela torceu o pé e parou.

– Sente-se.

Sentaram-se no meio-fio. Insetos remexiam-se diante deles, enormes, lentos, misteriosos. Ele voltava-lhe as costas; apertava ainda mais as mãos; os automóveis, os transeuntes, rangiam, cantavam como grilos. Os homens haviam sido transformados em insetos. Ela estava com medo.

– Ele é mau! – disse Pablo. – Ele é mau! Mau!

– Ninguém é mau – disse Sarah arrebatadamente.

– Então, por que que ele fez isso?

– Não se diz por que que: por que ele fez isso.

– Por que ele fez isso?

– Ele deveria estar com medo.

– Estamos esperando o quê?

– Que os carros passem, para podermos andar pelas ruas. Bruscamente, ela subiu o talude e pôs-se a acenar com a mão. Os carros passavam adiante e ela sentia-se vista por olhos escondidos, estranhos olhos de moscas.

– O que está fazendo, mamãe?

– Nada – disse Sarah amargamente – Besteira.

Voltou para a valeta. Pegou a mão de Pablo e ficaram a contemplar a estrada silenciosamente. Devia partir para Gien, talvez. Depois de Gien, Nevers, Limoges, Bordeaux, Hendaye. Em Hendaye, os consulados, os papéis, as esperas nas repartições. Seria muita sorte achar um trem para Lisboa. Em Lisboa, seria um milagre encontrar um navio para Nova York. E em Nova York? Gomez não tem um centavo.

Os carros tinham desaparecido, a rua estava vazia. Do outro lado um homem passou de bicicleta; estava pálido e suava; pedalava com brutalidade. Ele olhou para Sarah com ar exaltado, sem parar:

– Paris está sob ataque! Homens-bombas, incendiários!

– Como?

Mas ele já alcançara o pelotão dos carros, ela o viu agarrar-se à traseira de um Renault. Paris em chamas. Para que viver? Para que proteger aquela pequena vida? Para que vague de país em país, amedrontado e amargo; para que remoa durante meio século a maldição que pessoa sobre escolhas alheias? Para que morra aos vinte e poucos anos numa esquina, metralhado, segurando as tripas nas mãos?

– Vamos. Venha. Está na hora.

A multidão invadiu a rua, densa, tenaz, implacável: uma inundação. Nenhum ruído, salvo o chiado choros longínquos em desespero. Sarah teve um minuto de angústia, quis fugir para longe, mas dominou-se, pegou Pablo, puxou-o com ela, deixou-se arrastar. O cheiro. O cheiro dos homens, quente e insosso, doente, acre, perfumado, cheiro antinatural de animais que pensam. Pablo começou a rir e Sarah estremeceu.

– Psiu! – fez ela envergonhada – Não se deve rir.

Ele continuava a rir, sem fazer barulho.

– Por que está rindo?

– É como nos enterros – explicou.

Sarah adivinhava rostos e olhos à direita e á esquerda, mas não tinha coragem de olhar. Caminhavam, obstinavam-se a caminhar como ela se obstinava a viver. Caminhavam sem parar. Sarah muito dura, de cabeça erguida.

– Os terroristas nos matariam se nos pegassem? – indagou Pablo subitamente.

– Psiu! Não sei.

– Mataram toda essa gente?

– Mas, cale a boca! Já lhe disse que não sei.

– Então temos de correr.

Sarah apertou-lhe a mão.

– Não corra. Fique aqui. Não nos matarão.

A esperança se apagou. Nunca chegaria a Gien. Nem ela nem ninguém. Ninguém tinha esperança, mas estamos envolvidos pela multidão, a multidão caminha e nós caminhamos; somos apenas patas desse interminável verme. Para que andar quando a esperança morreu? Para que viver?

Durante um instante foi uma morta. Mas os ruídos diminuíram, viu feridos se levantarem, gente sair de esconderijos; era preciso recomeçar a viver, recomeçar a andar.

Nova York

– Um uísque duplo – pediu em francês – Não tem o jornal de hoje?

O barman tirou da gaveta o New York Times e lhe deu. Era um rapaz louro de ar triste e pontual. Gomez fingiu dar uma espiada no jornal e ergueu de repente a cabeça. O barman olhava-o com um ar de cansaço.

– Nada boas as notícias, hem? – disse Gomez.

O barman sacudiu a cabeça.

– Tomaram Paris de ataque – afirmou Gomez.

O barman emitiu um som melancólico, encheu um pequeno copo de uísque, virou o conteúdo num copo maior; recomeçou a operação e colocou o copo grande à frente de Gomez.

Gomez bebeu o uísque de um trago e desceu do banquinho. Do outro lado do salão, o velho viu-se aproximar-se sem demonstrar surpresa. Gomez plantou-se em frente da mesa e contemplou o rosto dele com avidez.

– O senhor é francês?

– Sou – disse o velho.

– Ofereço-lhe uma bebida.

– Obrigado. Não é dia para isso.

A crueldade fez bater o coração de Gomez.

– Por causa disto? – indagou, com o dedo na manchete do jornal.

– Por causa disto.

– É por causa disto que eu lhe ofereço uma bebida – disse Gomez. – Morei dez anos na França, minha mulher e meu filho estão lá ainda. Uísque?

– Sem gelo, então.

– Tem alguém por lá?

– Em Paris não. Meus sobrinhos estão em Moulins.

Encarou Gomez atentamente.

– Estou vendo que não está aqui há muito tempo.

– E o senhor?

– Instalei-me aqui já faz um bom tempo.

Acrescentou:

– Não gosto deles.

– Por que fica então?

O velho encolheu os ombros.

– Ganho dinheiro.

– É comerciante?

– Barbeiro. Meu salão fica a duas quadras daqui. De três em três anos, eu passava dois meses na França. Devia ir este ano, e aí está…

– Pois é – disse Gomez.

– Esta manhã já se passaram quarenta pelo meu salão. E queriam tudo: barba, cabelo, massagens elétricas. Pensa que me falaram de meu país? Uma ova. Liam seus jornais sem dizer uma palavra. Se não os feri, foi porque tiveram sorte: minha mão tremia. Por fim, larguei o trabalho e vim para cá.

– Não estão ligando – disse Gomez.

– Não é bem isso, é que não acham a palavra que causa prazer. Paris é um nome que tem certo sentido para eles. Por isso mesmo não falam; exatamente porque os comove. São assim.

Gomez recordava-se da multidão da Sétima Avenida.

– Todos aqueles sujeitos na rua, acham que pensam em Paris?

– Em certo sentido, sim. Mas sabe, eles não pensam da mesma forma que nós. Para o americano, pensar em alguma coisa que o aborrece consiste em fazer o possível para não pensar nela.

Precisava beber. Antes acreditava ser o único a se preocupar com a França, a queda de Paris era assunto seu; a um tempo uma desgraça e um justo castigo para os franceses. Agora sabia que ela rondava o bar, que girava sob uma forma um tanto vaga e abstrata em torno de milhões de almas. Era quase insuportável: tinham rompido sua ligação pessoal em Paris, já não passava de um imigrante recém-chegado, tomado, como tantos outros, por uma obsessão coletiva.

– E veja, os americanos não nos ajudam. Indivíduos e países, é tudo igual. Cada um por si.

– É – disse Gomez – cada um por si.

O barman saiu apressado. Gomez enfiou a cabeça entre as mãos e olhou para a parede, revia nitidamente a gravura que largara sobre a mesa. Reviu a gravura, a mesa, a janela grande e pôs-se a chorar.

Saint-Denis

Mathieu dormia e a guerra estava perdida. A voz despertou-o num sobressalto: jazia de costas, de olhos fechados, os braços colados ao longo do corpo, e perdera a guerra. Não se recordava muito bem o porquê de estar ali, mas sabia que de alguma forma perdera a guerra.

Pode ouvir a voz lenta de Nippert a dizer:

– Ah! É assim! É assim!

Onde estamos? No gramado. Homens e mulheres de todos os cantos pelos campos, ao longe homens de uniforme se espalhavam nas arquibancadas. De repente a noite passara entre nossos dedos e fora se perder em algum lugar ao norte do estádio, com um estrondo.

– Ah! É assim! É assim!

Mathieu abriu os olhos e viu o céu; era cinza pérola, sem uma nuvem, sem fundo, apenas uma ausência. Uma manhã se formava lentamente nele, uma gota de luz que ia cair no gramado e inundá-lo de ouro. Os inimigos atacaram Paris, nós perdemos a guerra. Um começo, uma manhã. A primeira manhã do mundo: tudo estava por fazer, todo o futuro estava no céu. Em Paris, os radicais erguiam os olhos para o céu, liam nele a vitória e as consequências dela. Eu não tenho mais futuro.

Charlot deitara-se de lado; Mathieu via suas faces rosadas e sua boca grande.

– Gostaria de saber – disse Charlot em voz baixa – se vamos partir daqui ainda hoje.

No seu rosto jovial, um ar de angústia rondava sem se deter em nenhum ponto preciso.

– Hoje? Não sei.

Tinham saído de Morsbronn na véspera; houve aquele desespero desenfreado e agora essa parada.

– O que a gente ainda está fazendo aqui? Pode me dizer?

– Dizem que estamos esperando as medidas de segurança – confirmou Schwartz, vindo do outro lado.

– Se a polícia não consegue se virar, não é razão para nos deixarmos prender com eles.

– Sei – confirmou Mathieu tristemente.

– Calem-se – disse Schwartz.

– Já devem ser quase seis horas – disse Charlot.

Mathieu ergueu o punho acima dos olhos e virou-o para consultar o relógio.

– Seis e cinco.

– Seis e cinco – disse Schwartz – Estranharia que partíssemos tão cedo.

Ninguém se mexeu. Um gato passou perto deles a toda, ziguezagueando. Mathieu erguera-se sobre o cotovelo e seguia-o com o olhar. Viu de repente um par de pernas arqueadas. O tenente Ulmann plantara-se à frente deles, de braços cruzados, e os considerava franzindo as sobrancelhas.

– O que estão fazendo aí? São completamente loucos? Vão me dizer o que estão fazendo aí?

Mathieu esperou alguns instantes, como ninguém respondeu, disse sem se levantar:

– Preferimos dormir ao ar livre, meu tenente.

– Eu proibi – disse. – Proibi que ficassem sozinhos. E que negócio é esse de ficar deitado na presença de um superior?!

– A guerra acabou, meu tenente – disse com um sorriso estranho.

– Não acabou. Vocês deveriam ter vergonha de dizer que acabou quando há homens que se matam para nos proteger.

– Coitados! – disse Charlot – Dão-lhes ordens de morrer enquanto estão assinando o armistício.

O tenente corou violentamente.

– Em todo caso, vocês são como soldados. Enquanto não os devolverem em segurança estarão sujeitos às ordens oficiais.

– Façam-me o favor de levantarem, depressa.

– Uma guerra engraçada essa! – afirmou Charlot – Agora são os civis que morrem e os soldados que se escondem.

Schwartz caiu na gargalhada.

É engraçado, pensou Mathieu. Sim, e trágico. Olhou para o vazio e pensou pela primeira vez na vida a determinação de seu destino por ser francês. Nunca havíamos visto a França: estávamos dentro dela, era a pressão do ar, a atração da terra, o espaço, a visibilidade, a certeza tranquila de que o mundo foi feito para o homem; era tão natural ser francês, era o meio mais simples, mais natural de se sentir universal. Não havia nada a explicar. Agora a França está deitada de costas e nós a vemos, vemos uma grande máquina quebrada, e pensamos: era isso. Isso, um acidente geográfico, um acidente da história. Ainda somos franceses, mas não é mais natural. Bastou um ataque para perceber que somos a moeda de troca. “Eis o que nos tornamos.”

Paris

Sem dúvida, condenava severamente a tristeza, mas quando se cai nela, é um inferno para sair. “Devo ter um gênio desgraçado”, pensou. Poderia congratular-se por ter escapado da morte. Em vez disso, pensava: “Sobrevivi”, e afligia-se. Na tristeza, são as razões de se alegrar que se fazem tristes e a gente se alegra tristemente. Além disso, pensou, tudo está morto. Tinha o coração pesado.

Ninguém no bulevar Saint-Germain; rua Danton, ninguém. Nem mesmo as portas de ferro estavam abaixadas: tinham simplesmente partido. Era domingo. Era domingo há três dias; em toda a França agora havia um só dia em toda a semana. Um domingo como outro qualquer, um pouco mais vazio que de costume, um pouco mais químico, silencioso demais, já cheio de podridões secretas.

A pequena praça de Saint-André-des-Arts, inerte, entregava-se ao sol; em plena luz, era noite escura. O sol era um artifício: um clarão de magnésio que escondia a noite, que iria se apagar num vigésimo de segundo, mas não se apagava. Pairava sobre as casas, sobre o Sena, uma atmosfera de terror e medo. Silêncio e vazio a perder de vista: um abismo horizontal. Subitamente o espetáculo pareceu-lhe insuportável, desviou o olhar, voltou atrás, agarrou a mão do menino e pôs-se a voltar, mesmo sem saber qual seria o caminho de casa. As ruas não conduziam a lugar nenhum.

Afastou-se negligentemente. A derrota tornara-se cotidiana: era o sol, as árvores, o ar do tempo e essa vontade sorrateira de estar morta, mas sobrava-lhe da véspera, no fundo da boca, um gosto azedo de fraternidade. Atravessaram a praça para ir sentar-se na calçada diante da padaria fechada. Em seguida, outros surgiram e outro mais que Sarah não conhecia tampouco, sem armas ou perneiras. Teria sido possível simpatizar com eles se ainda houvesse um sopro de esperança.

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Judão #09 Jessica Jones

Das coisas que aprendemos com Jessica Jones: não é só porque é baseado em quadrinhos que precisa ser sobre super-heroi; não é só porque é Marvel que precisa ser recheado de piadinhas e ação e alienígenas querendo destruir Nova York e robôs fazendo uma cidade na Europa voar.
Sylvia Ferrari, editora do Spoilers, e Natália Engler, editora-assistente do UOL e responsável pelo blog BitchPop estiveram no Estúdio Sócrates Brasileiro pra conversar o pessoal do JUDÃO sobre a série e toda sua importância para a cultura pop — especialmente em 2015.

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Fronteiras Invisíveis do Futebol #04 Ucrânia Pt.1

O tema dos dois próximos capítulos da série é um só: a Ucrânia. Na primeira parte, que você confere agora, falaremos da sua formação, seus povos e o Rus de Kiev, considerado o berço das “três Rússias”. Achou a expressão curiosa? Vamos explicar seu significado histórico.

Veremos o papel ucraniano nas revoluções de 1917, a formação da União Soviética e o “Jogo da Morte” durante a Segunda Guerra Mundial. Uma partida de futebol entre prisioneiros ucranianos e oficiais da Luftwaffe, um dos capítulos mais interessantes sobre futebol e política. Passamos também pela introdução da modalidade na Ucrânia, no final do século XIX, e o surgimento dos primeiros clubes, como o poderoso Dínamo de Kiev, além de seus craques e sua contribuição para o futebol soviético. Fechamos com a Crimeia e a deixa para a segunda parte…

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Thunder #82 Jotabê Medeiros

Jornalista especializado, com categoria, conhecimento verdadeiro e garrafa velha pra vender. Este é Jotabê Medeiros, de longa carreira no cenário musical.

Este foi o assunto principal no papo com Thunderbird nesta semana. Thunder falou também com Monique Maion, que, diretamente de Los Angeles, falou de música e de fim do mundo.

Na virola, música escolhida a dedo por Thunder, que se divertiu ao lado de Leandro Iamin e tem aqui mais um de seus saborosos podcasts.

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Dibradoras #23

Olhe as Dibras aqui de novo!

Em semana nova que decide o campeonato brasileiro de 2015, Renata Mendonça e Júlia Vergueiro falaram também sobre o sul-americano sub-20 e o amistoso da seleção brasileira no sábado que vem, contra a Nova Zelândia.

A pauta principal ficou por conta do dia da consciência negra. As Dibras falaram com Katia Rubio, psicóloga e pesquisadora do esporte, e a ex-jogadora de vôlei Lica Oliveira. Asa duas falaram coisas importantes a respeito da inserção feminina no esporte nacional, sobretudo no que tange as mulheres negras.

Deu tempo também de falar do calendário da CBF para 2016 e do crowdfunding que visa colocar garotas de baixa renda no camp oficial da Juventus de Turim no Brasil, que acontece mês que vem.

 

 

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O Som das Torcidas #71 Athletic Club

Convidamos o amigo Raphael Sanz, de família basca, que nos apresentou a torcida do maior representante futebolístico do Euskadi. A forte identidade regional, as rivalidades com os clubes madrilenhos, muito folclore e rock cantado em euskara, ressonando desde a Herri Norte, que faz pulsar o renovado San Mamés.

 

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Seu Madruga de Adrogué

Em meio a mais uma insuportável Data FIFA, o futebol de clubes – que mexe com o coração dos torcedores durante boa parte do ano – se mostrou presente nas inestimáveis divisões de acesso. E foi na Primera B Metropolitana – espécie de 3ª divisão na Argentina – que trataremos do personagem da rodada.

Pablo Vicó era um camisa 9 limitado, mas com um coração enorme, e que sempre buscou dar o melhor na cancha. Não à toa, é comparado à Martín Palermo por aqueles que o viram jogar. Com passagens por clubes do Ascenso como San Miguel, Temperley e Tristán Suárez, encontrou seu lugar no mundo em Adrogué, cidade localizada no partido de Almirante Brown, ao sul de Buenos Aires, e famosa por ser a cuna de dois dos maiores escritores argentinos: Jorge Luis Borges e Ricardo Piglia.

La Pelota

Em março de 1945 é fundado o Club Atlético Brown – uma das muitas associações esportivas a homenagear William Guillermo Brown (1777-1857), marinheiro irlandês e patrono da Armada Argentina – para retomar o futebol para a cidade, após o Club Nacional de Adrogué abandonar a prática esportiva com o advento do profissionalismo. Mesclando o vermelho e preto do Nacional ao azul celeste do Atlético, outra equipe licenciada da cidade, surge a camisa que o Tricolor utiliza até os dias de hoje e é motivo de orgulho para Vicó, que mora no clube desde 1999.

Ao pendurar as chuteiras, o centroavante magro, de cabelos negros e bigode volumoso, tal qual o Seu Madruga passou por diversos postos de trabalho sem se afincar em nenhum deles. Quando era funcionário de um hospital de Adrogué e vivia em uma pensão próxima ao clube, foi convidado pela diretoria para ser o zelador da concentração que acabara de ser inaugurada.

A partir daí, Pablo começou sua trajetória polivalente dentro do Brown – de canchero à técnico das categorias de base – até se apresentar como solução caseira, após a saída do treinador Juan Carlos Kopriva durante a temporada 2008/9.

Vicó acabou sendo efetivado, devido à familiaridade com a maioria dos atletas, e com pouco mais de quatro anos no comando da equipe conseguiu a maior glória esportiva do humilde clube de Adrogué, ao conquistar o Reducido 2013 e carimbar o passaporte para B Nacional – segundo escalão do futebol argentino – levando o Brown para províncias nunca dantes visitadas.

Em sua estreia na nova categoria, todos os olhos estavam voltados para o Estadio Libertadores de América, visto que o poderoso Independiente havia sido rebaixado da Primera. E logo na primeira partida oficial do Tricolor diante de um dos 5 grandes da Argentina, vitória por 2 a 1.

Contudo, já na segunda rodada a equipe foi derrota em casa por 3 a 1 frente ao Defensa y Justicia e a sequência do torneio foi uma briga contra o promedio que acabou devolvendo o Brown à PBM, que foi derrotado nas últimas três partidas, apesar da 18ª colocação entre 22 clubes.

O prestígio de Vicó não diminuiu com o descenso, pelo contrário. E a prova disso é que um torcedor do clube batizou, no começo de 2014, uma rua do bairro privado San Clemente del Tuyú com o nome do treinador. E foi nas ruas que Pablo enfrentou o maior percalço da sua carreira. Em fevereiro deste ano, Cristian Vicó, de 40 anos, foi atingido, enquanto dirigia sua caminhonete no cruzamento das calles Retiro e Soler, em Adrogué, por um veículo em fuga, com 6 assaltantes à bordo. O filho do treinador foi levado para o Hospital Lucio Meléndez, onde ficou internado durante quatro dias, mas não resistiu aos ferimentos.

Calle

Do luto à luta, o DT se focou no trabalho e o plantel, em solidariedade, respondeu positivamente. Foram 11 rodadas de invencibilidade (8v, 3e) que credenciaram os tricolores como um dos favoritos à vaga direta à PBN. Alternando bons e maus momentos durante o extenso campeonato – 22 equipes – o Brown disputou o acesso palmo a palmo com Defensores de Belgrano e Estudiantes de Buenos Aires.

A derradeira fecha 42 indicava a visita do líder Pincha, com 79 pontos, ao Dragón, mesmas 78 unidades que o Brown que enfrentaria o Deportivo Morón fora de casa. Enquanto o placar não saiu do oxo em Belgrano, na Zona Oeste o Tricolor virou o jogo em 2 a 1 diante do Gallo, nos acréscimos, garantindo o segundo acesso do Club Atlético Brown à B Nacional em sua história, ambas com Vicó no comando.

Em meio às comemorações até o simpático mascote do Morón se juntou aos festejos do treinador há mais tempo no cargo entre os clubes da Grande Buenos Aires, que dedicou a conquista ao seu finado filhoFelicitaciones Pablo!!!

Gallo

 

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Fernando Toro continua afiado e PASSANDO BLUTÚF para vocês.

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