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Raíces de América IV

Por Marcelo Mendez

Felizes são os meninos que tem a chance de trocar umas idéias com seus ídolos. Plenos, são afortunados que estabelecem uma proximidade com aqueles que tantas alegrias lhes deram.

Assim é minha parada com César Sampaio. Grande César…

Com a camisa 5 do meu Palmeiras, César Sampaio beirou as raias da imortalidade em campo. Enquanto jogou pelo Palmeiras em sua fase áurea nos anos 90, Sampaio jamais olhou para ver a cor da grama. Cabeça, erguida, pose imperial de uma realeza que dispensa a frescura das coroas para ser imortal de chuteiras pretas.

Ele era o capitão do time que dediquei ao quarto capítulo desta série. O chamei para contar comigo sobre aquela noite fria do final do verão, em que eu estava na arquibancada e ele em campo, escorremos aqui, odes e sonhos.

09 de Março de 1994

“Sabíamos bem do Boca, lógico que não como hoje, quando temos milhares de informações e uma equipe só trabalhando para isso. Mas o Palmeiras sabia como o Boca jogava…”

A coisa na verdade começou algumas horas antes daquela noite mágica de março…

Durante o dia, encontrei tempo para ouvir o programa de esportes na Rádio Globo comandado pelo grande Osmar Santos e um dos comentaristas chamava atenção.

“Olha, veja bem; o Boca é um time matreiro e é treinado pelo Menotti. Isso é sempre perigoso”

Cesar Luis Menotti…

De pivete me lembro daquele homem magro, elegantíssimo, impecavelmente bem vestido à beira das canchas argentinas durante o Mundial de 1978. Munido de seu cigarro sem filtro, El Flaco comandava suas equipes, sempre caracterizadas pela leveza e um gosto intrínseco pelo bom futebol., sem brucutus e cujos homens do meio-campo eram jogadores habilidosos. Não sabia muito daquele time do Boca, mas do jogo que eu vi um empate em 1 a 1 com o Veléz Sarsfield pelo mesmo grupo não me seduziu muito.

Começava com o ótimo goleiro Navarro Montoya, um bom jogador de nome Carranza, outro volante cheio de perna um tal de Mancuso – esse a gente viria a conhecer bem um ano depois – e na frente o ciscador do Martínez, nada que justificasse a marra com que o Boca havia chegado em São Paulo.

Parecia a corte imperial da rainha Vitoria no século XIX. Rapaz, mas que frescurada da gota!

Passeando pelo hall do Hotel Transamérica, os jogadores xeneizes se achavam os Rolling Stones andando com um nariz empinado à la Mary Poppins. Muito que a contra gosto, do alto de sua grandeza, Menotti topou dar uma entrevista para a Rede Bandeirantes e caprichou no portunhol selvagem para dizer que o Boca jogaria em cima do Palmeiras para ganhar o jogo e que futebol era muito simples:

“Mi equipo joga assim… Yo Toco e me Voy”

Pois é, o sujeito vem enfrentar o atual campeão paulista e brasileiro, como se esse, fosse um time de várzea do “Desafio ao Galo”. Tinha logo que começar o jogo para gente ganhar deles, pensava eu na arquibancada do velho Palestra.

E começou.

Naquela noite o Palmeiras veio para campo com desfalques consideráveis. Não jogaria Freddy Rincón, machucado. Não teria Edmundo, envolto em uma de suas suspensões. A defesa era formada por Sérgio, Claudio, Antonio Carlos, Cleber e Roberto Carlos.O meio campo alinhou com Amaral, César Sampaio, Mazinho e Zinho. Na frente, Edilson e Evair. Era um timaço o nosso!

O Verdão levou 15 minutos para marcar o primeiro gol com Cleber, empurrando para as redes após um bate rebate na área. A partir daí, o Boca com o seu tal de “Toco e vou” não via a cor da bola. Pouco passava do meio de campo, não criava nada e quando o primeiro tempo terminou em 1 a 0, poderia até comemorar.

Afinal de contas, tinha lá no banco o “hómi” de certo que criaria uma solução mágica. Tá, criou sim…

A Linha Burra

“Nosso time era muito leve e muito veloz. Contávamos com ótimos jogadores, todos muito inteligentes e então, quando olhamos para o campo e percebemos que o Boca tentaria subir a marcação, imediatamente já sabíamos o que fazer. Surgiu muito espaço em campo e daí, ficou muito bom para jogarmos”

Tinha nos bolsos uns comprimidos de algum barato sintético, mas o dia não era para o surto. Não, a hora era pra ficar consciente do que rolava. Fiquei no intervalo a pensar em coisas da vida e no recém instaurado Plano Real, a única coisa que eu queria naquela noite era meu time ganhando o jogo.

Ávido em saber qual seria solução mágica do Menotti, fiquei de cara quando vi seu time em campo na volta do intervalo.

Cara, ele vai fazer linha de impedimento? Puxou conversa comigo um companheiro alviverde ao meu lado na arquibancada.

Contra o melhor time do Brasil, Menotti decidiu que adiantaria sua linha defensiva para tentar diminuir o campo de jogo do Palmeiras. Uma benção para um time que tinha jogadores inteligentíssimos como César Sampaio, Evair, Zinho e ele, o dono da noite: Mazinho!

“Foi um dos grandes parceiros que tive. Um cara correto, dedicado, altamente técnico, trabalhava bem com as duas pernas, onde caía ele resolvia. Bom passe, inteligente, naquela noite ele deixou de ser coadjuvante. Mazinho protagonizou, brilhou”

César Sampaio tem razão. Os garotos da “geração Playstation” não fazem ideia do quanto que esse camisa 8 jogou de bola na vida. Iomar do Nascimento é muito mais do que apenas o pai do Thiago Alcântara do Bayern e do Rafinha do Barça.

Antigo lateral direito, quando começou a atuar no meio-campo, Mazinho passou a ser um dos melhores meias que já passaram pelos campos nossos aqui. Inteligente, habilidoso, passe preciso, altamente técnico, foi um Grande. Na época, estava cotado para ir a Copa do Mundo que aconteceria em junho daquele ano – o que de fato aconteceu, ganhando o posto de titular ao longo da campanha do tetracampeonato mundial.

Com a ausência de Rincón, o então técnico Vanderlei Luxemburgo decidiu colocá-lo como meia, um pouco mais a frente. Na prática seria o camisa 10 e caberia a ele armar o time e assim o fez lindamente…

Posicionando-se um pouco mais atrás, Mazinho observou que o Boca pouco atacava. Dessa forma, começou a abrir o jogo com os laterais Claudio e Roberto Carlos. A todo instante, vindo de trás, os dois estouravam dentro da área do Boca. Foi dessa forma que roubou a bola de Mac Allister para lançar Evair na esquerda. O camisa 9 esperou a passagem de Roberto Carlos e com um toque de calcanhar e de encanto o serviu para um golaço!

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“Na verdade, o Boca veio a São Paulo para não perder. O empate jogando aqui para eles estaria ótimo e estavam na deles, fechadinhos e tudo mais. Com a desvantagem, eles desarmaram a marcação do meio campo; saiu Da Silva e colocaram um atacante (Acosta). Aí como se diz na gíria do futebol, foi um chocolate”

Mal tive tempo de comemorar e o “Capetinha” fez o terceiro. Em situação normal, eu estaria radiante, mas sei lá, foi estranho. Queria mais…

É tácito em nossa formação sudaca os caminhos da paixão inexorável pelo que amamos. No caso, amamos o futebol e naquela noite, como que por uma conjuração cósmica entre time, torcida e universo, ficou decidido que no Parque Antártica o Palmeiras não ia parar de jogar. Não se contentaria apenas com os dois pontos, não cessaria um milímetro que fosse na luta pelo encanto.

Era dia de lavar a alma, era a noite de passar com um caminhão em cima do Boca Juniors.

No nosso berro incansável, na nossa sede de poesia o Palmeiras seguiu. Mazinho seguiu botando os bosteros na roda. Em jogada épica, driblou a zaga toda da linha burra de Menotti e sofreu o pênalti para Evair fazer o quarto. Pouco depois, no rebote de sua tentativa por gol de cobertura em Mono Montoya, o camisa 9 ampliou para 5 a 0 e na sequência Jean Carlo fez o sexto tento, foi o êxtase.

Era uma seiszada inapelável, implacável em cima da empáfia do Boca e da classe de Flaco Menotti. Depois disso, quase esqueci do gol de honra, marcado por Martinez em cobrança de pênalti. Dane-se!

O placar de 6 a 1 lavou minha alma bêbada e me redimiu do torto que eu era. Foi meu nirvana na Pompéia.

Não, não vencemos aquela edição de La Copa. Passamos da primeira fase na terceira colocação, atrás de Vélez e Cruzeiro, e paramos nas oitavas-de-final contra o ótimo time do São Paulo, que dava os últimos suspiros da Era Telê, e pouco me importa isso. Sou um rapaz latino-americano que tem compromisso com a poesia e não com as “vitórias”.

Se bem, que naquela noite, no Parque Antártica, venci.

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Dibradoras #20 Sissi

Júlia Vergueiro, Roberta Nina e Renata Mendonça vieram ao estúdio da Central 3 e debateram os amistosos da seleção brasileira, que atravessou os Estados Unidos para enfrentar as donas da casa em Seattle e Orlando.

Nossa goleira Luciana deve perder o lugar no time? Vadão mexe e testa pouco sua equipe?  Andressa Alves é de fato camisa 9? Marta foi bem? As americanas são imbatíveis? Assunto não faltou para elas.

As dibras também falaram com a craque Sissi, que acompanhou a delegação brasileira no primeiro amistoso. Além disso, a Libertadores feminina e o Orlando Pride estiveram na pauta. Você ouve o podcast aqui e agora!

 

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Relatos de Segunda

Por Leandro Paulo

Neste sábado começou a Segunda Divisão do Campeonato Uruguaio do com varias historias para enriquecer ainda mais a mitologia do fútbol charrua. Nove clubes solicitaram o adiamento de agosto para outubro, pois não tinham condições financeiras para arcar com os custos que demandam o torneio. Os clubes em questão são o Canadian, Central Español, Huracán, Oriental de La Paz, Progreso, Rampla Juniors, Rocha, Torque e o Villa Española. Esse imbróglio ocorreu principalmente pela falta de acordo entre a Asociación Uruguaya de Fútbol (AUF), a Tenfield (detentora dos direitos de transmissão) e a Mutual Uruguaya de Jugadores Uruguayos devido às dívidas dos clubes com atletas e o fato desses acordos terem que ser firmados individualmente com cada clube, gerando um grande número de contratos a serem acertados.

Somente na véspera da estreia, o Rampla Juniors – campeão uruguaio unificado em 1927 – confirmou a sua presença, após vários apelos a sua torcida para fazerem doações (incluo-me nesses doadores do “UNIDOS POR RAMPLA” da conta Nº46.530). O tradicional clube da Villa del Cerro também atravessa dificuldades para quitar os salários atrasados dos jogadores remanescestes do rebaixamento na última temporada, fato que consumou o retorno do ídolo momentâneo Jim Morrison Varela ao Benfica. A dramaticidade aumentou com a renúncia do presidente Lucas Blasina na semana passada, mas ele ainda afirmou que o clube vai lutar pelo retorno e que o místico Estadio Olímpico não será vendido.

1927

Já o Progreso, campeão uruguaio de 1989, passa pelo mesmo drama que o deixou licenciado das competições do futebol profissional na temporada 2010/11, em virtude de uma série de dívidas. Na época, Los Gauchos del Pantanoso sanaram as finanças e conseguiram o acesso à Primeira Divisão em 2012. Contudo, a volta à elite durou apenas um ano e o clube segue na B desde então, quase sendo rebaixado em maio, e estrearam ontem de olho no baixo promedio.

Progreso

Outro clube tradicional, o Central Español, campeão uruguaio de 1984, vai jogar a competição de luto pelo falecimento do jogador Jonathan Vázquez de apenas 20 anos. O treinador Jorge Artigas determinou a suspensão do ultimo amistoso, contra o River Plate, em homenagem ao atleta.

Novamente, o também campeão Bella Vista não disputará a competição, ainda ainda licenciado por causa de dívidas, que rondam o clube desde os tempos na Primera. Ao menos o Parque José Nazassi – cancha dos papales, que homenageia o capitão de La Celeste no primeiro título mundial, em 1930 – será utilizado devido ao acordo que a diretoria auriblanca firmou com o Villa Española, cujo Estadio Obdulio Varela – outra recordação a um uruguaio que levantou a Taça Jules Rimet – está interditado.

José Nazassi

Em meio a tanta tradição, o Oriental de La Paz irá disputar o campeonato pela primeira vez. Depois de um desfile de belos gols, vale ver o primeiro com cruzamento de trivela e gol de chilena na decisão da terceira divisão contra o Basañez. Foram campeões da Segunda B Amateur – espécie de Terceira Divisão –  em 2004 e 2007, porém nessas ocasiões o clube não apresentou as condições necessárias para profissionalizar. A torcida espera fazer do Parque Oriental, com capacidade para 1500 espectadores, um caldeirão e não perderem os pontos preciosos em casa.

No norte do país, o presidente do Tacuarembó, Gustavo Mieres, declarou em entrevista que o clube necessita de 100 mil dólares para jogar o campeonato. Todavia, o seu grande rival, Cerro Largo, é uma das poucas equipes com certa tranquilidade financeira, fruto da sua participação fugaz na Copa Sul-Americana. O Estadio Municipal Arquitecto Antonio Eleuterio Ubilla foi recentemente remodelado e conta com uma capacidade para 15.000 espectadores, reforçando as boas rendas dos Arachanes. Mesmo na SEGUNDONA, o clube de Melo obteve média de público pagante inferior apenas a Nacional e Peñarol. La 22, sua principal barra brava, aguarda ansiosa o jogo diante do Tacua, para mais um Clásico del Noreste.

O Canadian Soccer Club, fundado em 2010 em lembrança aos imigrantes uruguaios no país norte-americano, apesar de ser uma equipe relativamente nova, já possui rivalidade com o Club Atlético Torque, que foi fundado três anos antes. Resta saber se a AUF irá permitir o Nuevo Clásico seja disputado no Estadio Daniel Pistola Marsicano, a Oeste de Montevideo, com capacidade para 1.000 pessoas.

Situação distinta ao Deportivo Maldonado, que possui o maior estádio da competição, o Domingo Burgueño Miguel com capacidade para 20.000 pessoas, remodelado para sediar a Copa América de 1995 e teve “sobrevida” diferentemente do Atilio Paiva, em Rivera, cidade cujas equipes disputam apenas as competições da Organización del Fútbol del Interior, desde que o Frontera Rivera Chico, primeiro clube fora da capital a garantir o acesso à elite da AUF, participando das edições de 1999 e 2000.

Nenhuma outra história possui maior beleza do que o retorno de Matias Dutour ao Rocha, depois de passagem pela base do Nacional. O jovem que devido a uma má formação congênita nasceu sem uma parte do braço, mas que demostra nesse vídeo um imenso amor ao futebol, à vida e a família.

Hector Castro

Lembrando aos mais jovens que um dos maiores ídolos do futebol uruguaio foi Hector Castro que também não possuía uma parte do braço. El Manco quando tinha 13 anos de idade, acidentalmente teve a mão direita amputada por uma serra elétrica, o que lhe rendeu o apelido. Formando no Lito, foi ídolo no Nacional e no Estudiantes de La Plata. Fez o gol inaugural do Estádio Centenário na abertura do Mundial diante do Peru e o gol da vitória na final contra a Argentina. Aposentou-se como jogador em 1934 e até hoje é o sétimo maior goleador do Campeonato Uruguaio. Seguiu no Bolso como treinador, conquistando o tetracampeonato entre 1940-43 sendo e o título isolado em 1952. Também chegou a dirigir La Celeste em 1959, porém faleceu no ano seguinte vitimado por um ataque cardíaco.

Resultados da 1ª Rodada

Miramar Misiones 0 x 1 Huracán

Torque 1 x 2 Boston River

Central Español 1 x 2 Deportivo Maldonado

Rampla Juniors 2 x 2 Villa Española

Atenas 2 x 1 Rocha

Canadian 0 x 1 Progreso

Oriental 1 x 2 Cerro Largo

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Conexão Sudaca #71 Sylvia Colombo

Conversamos com a correspondente da Folha de São Paulo, diretamente de Buenos Aires, sobre a véspera das eleições presidenciais mais concorridas da história da Argentina.

Já para descontrair um pouco, ouvimos o relato de um chef desavisado que assistiu uma partida do Boca Juniors, desde a segunda arquibancada da Bombonera no coração de La 12.

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Xadrez Verbal #22 Grão-Mufti

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse que o Grão-Mufti de Jerusalém na década de 1940 teria sido a mente que decidiu pelo Holocausto dos judeus. Qual o contexto histórico disso? Quais os motivos dessa declaração, e suas possíveis consequências? Principalmente, o que se passou na cabeça de Netanyahu pra falar tamanha bobagem?

Também falamos das eleições no Canadá, onde um liberal voltou ao poder depois de nove anos do conservador Stephen Harper. Outro tema importante é o orçamento de Defesa brasileiro, com a viagem de Dilma à Suécia, país que venderá caças Gripen ao Brasil. Como andam as compras militares brasileiras? América Latina, Europa, Síria e um Menino Neymar metalinguístico.

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Central Autônoma #77 – Débora Firmino

Luta pela terra, luta pela água. No atual momento do desenvolvimentismo brasileiro, uma coisa leva a outra, e foi disso que falamos com Débora Firmino, que coordenou a vigília/ocupação na barragem da nascente do Córrego Barriguda, parte da bacia do Rio Urucuia, um dos maiores afluentes do São Francisco.

 

Na conversa, ela nos contou o histórico de conflitos com os empresários da região, que se antes concentravam a terra, agora fazem o mesmo com a água. Construindo barragens à vontade, levam à secura de diversos cursos d´água da região e ao que ela chama de “calamidade” na rotina da população local, que fica na cidade de Buriti (MG), onde um dia o MST ocupou fazenda do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

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O gosto da derrota e a sina do amor eterno

Por Josie Rodrigues

A derrota para mim tem gosto. Um gosto azedo  e rançoso como um queijo estragado. Por mais que escove os dentes, esse gosto permanece na boca por dois ou três dias. Fica difícil engolir a saliva. O gosto da derrota fica lá – indigesto – até meu time entrar em campo novamente e, tal qual uma amante que perdoa qualquer traição e humilhação, volto a torcer por um bando de pernas de pau. Não é fácil torcer. Muito menos para time que só perde. A dor do futebol é pior que a dor de amor. A dor de cotovelo amorosa passa .Pode levar semanas, meses ou anos… mas passa.

Crédito: Divulgação Internacional
Crédito: Divulgação Internacional

Eu mesma não lembro da minha primeira dor de amor. Mas lembro da primeira vez que sofri por futebol. O ano era 1996: Campeonato Brasileiro Série A. Naquela época o campeonato era disputado em dois turnos, mas com uma diferença: apenas os oito primeiros colocados do primeiro turno iriam disputar o mata-mata. O Internacional – meu time do coração – precisava apenas de um empate contra o rebaixado Bragantino para se classificar. E o Inter – que era uma tristeza de dar dó – perdeu por 1 a 0. Eu tinha 13 anos e estava em uma excursão em Santa Catarina pelo colégio que estudava. Guardei parte do dinheiro que levei e usei para comprar uma camisa do Colorado: a minha primeira camisa comprada com minha própria mesada! A volta do passeio se deu no fatídico domingo e paramos o ônibus em Criciúma para assistir ao vexame do meu time. Como se não bastasse perder, voltei até Camaquã (minha terra natal) sendo barbaramente torturada: 399km e mais de quatro horas de todo tipo de bullying futebolístico por parte dos coleguinhas gremistas. Ah, e para completar o Grêmio foi campeão naquele ano.

Mas o que mais me marcou nesse amargo dia não foi o fiasco de ser zoada por horas dentro de um ônibus. Foi quando cheguei em casa. Eu entrei com olhos de fúria e fui direto falar com meu pai. Tirei a camisa, cuspi em cima (blasfêmia) e xinguei meu próprio pai! Sim, xinguei meu velho por me fazer torcer por aquele time mequetrefe! Papai me fitou com aquele olhar que os pais olham para nós  quando querem dizer que não sabemos de nada, inocentes… Olhou-me para ensinar uma das maiores lições de amor e persistência que aprendi na vida. Meu velho, com muita paciência, explicou que é fácil amar e torcer por aquilo que sempre nos dá alegria. O difícil é torcer para time que perde. E se eu quisesse torcer precisava entender isso. Então Seu Zé contou todas as façanhas do Colorado – do rolo compressor – dos anos 40: o time do lendário Tesourinha. Das tabelas de cabeça do Falcão e do gol “iluminado” de Figueroa nos anos 70… E assim, fiquei anos a fio esperando para que esses heróis voltassem aos gramados do Beira Rio. Não os vi voltarem. Eles partem e nunca mais descem do Olimpo que ocupam os grandes heróis do futebol. Mas os deuses do futebol me mandaram outros: Gamarra, D’Alessandro e o inesquecível Fernandão, que levantou a taça de campeão do mundo em 2006 contra o temível Barcelona.

Resumindo, amigos, qual outra paixão te permite isso? A cada ano poder sonhar de novo? Qual paixão te permite sempre poder voltar para casa? Mesmo que essa paixão às vezes se descuide, se esqueça de cuidar bem de você… Ela sempre pode voltar com todo o seu esplendor. A cada temporada podemos ter a chance de viver uma grande emoção. A possibilidade de sermos campeões – para alguns nem que seja da série B ou C. Só o futebol nos permite isso: a mesma paixão durar a vida inteira, com a mesma intensidade, com o mesmo furor. É uma pena que não podemos viver isso com todos os nossos amores… mas ao menos em um, isso é possível.

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La Pelota Se Mancha

As oito categorias do futebol argentino terão folgas forçadas no próximo final de semana, por conta das eleições presidenciais no país vizinho, embora o uso político do esporte não dê descanso à pelota. Daniel Scioli, candidato da situação pela coligação peronista Frente para la Victoria, é um renomado ex-atleta tendo conquistado diversos títulos em classes diferentes da Motonáutica.

Nem mesmo um acidente no rio Paraná, em 1989, o impediu seguir correndo sobre as águas, apesar de ter perdido o seu braço direito – ironicamente, ele era o principal aliado do falecido Néstor Kirchner, acompanhando o Pinguino como vice-presidente por quatro anos (2003-7). Antes de assumir o segundo posto da Casa Rosada, já havia sido eleito deputado nacional (1997-2002) pelo Partido Justicialista, além de responder pelas pastas das Secretarias de Turismo (2002) e Esportes (2003).

Seu nome foi referendado pelos kirchneristas nas primárias realizadas em agosto, somando 8.424.749 votos (38,41% dos válidos) e ganhando em 20 das 24 províncias, inclusive Buenos Aires, na qual foi eleito governador nos dois últimos mandatos.

Contudo, foi durante sua gestão que o capitão Roberto Lezcano, da famigerada Bonarense, assassinou o torcedor Javier Martín Gerez, que acompanhava o Lanús em sua visita ao Estudiantes de La Plata, pela antepenúltima rodada do Torneo Final 2013. Na chegada dos granates ao Estadio Unico, na capital da província, houve uma forte repressão policial que foi prontamente respondida por La 14, principal barra brava do clube. Em meio aos confrontos, El Zurdo Gerez na condição de representante da Subcomisión del Hincha tentou interceder, mas recebeu um disparo à queima-roupa do já citado oficial, quando estava imobilizado no chão.

O governo Scioli que já havia substituído o contestado Comité Provincial de Seguridade Deportiva pela Agencia de Prevención de Violencia en el Deporte, no ano anterior, anunciou no dia seguinte à tragédia a proibição de torcedores visitantes – medida adotada em conjunto com a AFA e a presidenta Cristina Kirchner – na principal categoria do futebol argentino. Atualmente o capitão Lezcano se encontra em liberdade, enquanto a Aprevide é comandada pela mesma corporação culpada pela morte de Gerez.

Em suas horas vagas, Daniel Scioli costuma jogar futsal pelo Villa La Ñata Sporting Club, equipe formada por ele, em 2010, quatro anos após comprar um terreno no bairro homônimo, localizado em Tigre, que lhe garantiu domicílio eleitoral para concorrer ao governo de Buenos Aires.

Com apenas dois anos de atividade, o cartola/governador convidou o poderoso Boca Juniors, seu clube de coração, para uma partida beneficente. Os campeões do Clausura 2011 da modalidade, receberam o “reforço” de Mauricio Macri, ex-presidente do quadro azul y oro, que foi derrotado por 10 a 5 pelos naranjas no gramado sintético de Mar del Plata, sendo que um dos gols foi anotado por Scioli.

Disputa

Macri é o principal concorrente do kirchnerismo – com 6.595.914 votos (30,07%) do PASO – no pleito a ser realizado neste domingo. E sua popularidade é explicada pelas 12 temporadas que esteve à frente da Casa Amarilla, período em que o Club Atlético Boca Juniors conquistou 6 títulos argentinos, 4 Copas Libertadores, 3 Recopas, 2 Copas Sul-Americanas e 2 Mundiais. Em 2005, foi eleito deputado nacional pelo Compromiso para el Cambio, partido que ele mesmo fundara, e que hoje faz parte da aliança Propuesta Republicana, mais conhecida como PRO, pela qual se elegeu chefe de governo da cidade de Buenos Aires dois anos depois.

A volta dos torcedores visitantes é considerada uma das principais pautas de campanha, tanto na área de esportes quanto de segurança pública. O candidato da coalização oposicionista Cambiemos declarou que o tema tem sido utilizado por motivos eleitorais – foram realizados testes em partidas de menor risco nas últimas rodadas – e também foi o único dos presidenciáveis a criticar o uso político do programa Fútbol Para TodosEntretanto, Macri e Scioli têm as mãos sujas pela violência no futebol, de acordo com o jornalista Gustavo Grabia no livro La Doce – La Verdadera Historia de la Barra Brava de Boca:

“De hecho, hasta los proprios gobiernos de la Ciudad y de Provincia blanqueaban la relación que siempre habían tenido con La Doce: Macri, a instancias del diputado Cristian Ritondo, con históricas relaciones con la barra de Nueva Chicago y la fracción Lugano de Boca Juniors, nombraba como nuevo jefe de Seguridad de la Legislatura Porteña a Marcelo Rocchetti, ex abogado de Rafael Di Zeo y Alan Schlenker (líder de Los Borrachos del Tablón). Y el gobernador bonarense Daniel Scioli, a instancias de su ministro de Seguridad, Carlos Stornelli, ponía como asesora de gabinete a Soledad Spinetto, la mujer de Rafa.”

O primeiro título argentino conquistado pelo Boca Juniors após a saída de Macri foi o Apertura 2008. Na ocasião, os xeneizes disputaram um inédito triangular final e sagraram-se campeões mesmo perdendo para o Tigre por 1 a 0, pois haviam vencido o rival San Lorenzo por 3 a 1 que, por sua vez, bateu a equipe da Victoria por 2 a 1.

Na temporada anterior, o Club Atlético Tigre voltava à elite do futebol argentino após 37 anos. Um dos protagonistas do ascenso foi Martín Galmarini, filho do casal de dirigentes peronistas Fernando El Pato Galmarini – figura próxima de Carlos Menem e Eduardo Duhalde – e Marcela Durrieu – ex-deputada nacional.

Malena, irmã mais velha do Patito, conheceu Sergio Massa nos últimos anos do menenismo e ambos se casaram no começo da década passada, motivo pelo qual o jovem político deixou o município vizinho de San Martín para começar a sua carreira em Tigre. Com o apoio dos sogros, o então torcedor do San Lorenzo teve as portas abertas no Matador tornado-se dirigente em 2004, quando a agremiação da Zona Norte escapou do rebaixamento à Primera C. Com dois acessos em três temporadas, Massa não teve dificuldades para eleger-se intendente da cidade que empresta o nome ao clube por dois mandatos consecutivos (2007 e 2011).

Massa

Porém, Sergio Massa não “virou a casaca” apenas na sua predileção clubística. Nas eleições legislativas de 2013, abandonou a FPV e formou uma nova coligação peronista chamada Frente Renovador para concorrer a uma cadeira como deputado nacional pela província de Buenos Aires, obtendo mais de 12% de vantagem em relação ao candidato kirchnerista Martín Insaurralde.

O homem forte da chamada agora Unidos por una Nueva Alternativa se apresenta como uma terceira via para os eleitores, que responderam com 4.525.497 votos (20,63%). Todavia, no tocante à conivência com barra bravas ele se assemelha muito aos seus dois principais adversários na corrida presidencial.

Em fevereiro de 2013, ao mesmo passo que o Tigre disputava pela primeira vez a Copa Libertadores da América, dois grupos disputavam o poder pela supremacia no Coliseo de Victoria. Na prévia de um jogo de visitante diante do River Plate, La 13La Banda del Pacheco se enfrentaram a tiros, no bairro Troncos del Talar, em San Fernando, deixando um rastro de sete feridos e um morto. Ao que tudo indica, o primeiro grupo responde a Gustavo Posse, intendente de San Isidro e afiliado à Unión Civica Radical, enquanto os demais são leais a Massa, que negou qualquer envolvimento no caso.

Já durante a última Copa do Mundo, Daniel el Negro Fiorucci Pazlíder da barra brava do Tigre, foi detido no Brasil, e Alejandro Rodriguez, secretário de Esportes do governo bonarense cobrou um posicionamento de Sergio Massa, que devolveu a acusação para dois funcionários sciolistas.

Qual será a resposta das urnas em relação à violência no futebol argentino?

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Futebol Urgente #91 Cruyff

Ex-crítico de Neymar, Cruyff é diagnosticado com câncer de pulmão.

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Bom, amigos, é isso. Aí está o Futebol Urgente.

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Trivela #33 Copa do Brasil

Felipe Lobo, Bruno Bonsanti, Leandro Iamin, Paulo Júnior e Marcelo Bloc sentaram à mesa e discutiram as semifinais da Copa do Brasil.

Flu e Santos saíram na frente. O Palmeiras voltou a jogar mal e o São Paulo tem desvantagem quase irreversível na baixada paulista.

A Trivela também falou das séries C e D, que alegraram torcedores de times tradicionais como, por exemplo, o Remo. A convocação da seleção brasileira também foi discutida neo podcast.

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Folha Seca #85

O  Folha Seca #85 conversou com Edônio Alves, autor do livro A Esfera como Metáfora – Representações do Futebol no Campo da Literatura. A obra trata de uma investigação do futebol no Brasil a partir do campo literário passando por autores como Mário Filho, José Lins do Rego, Nelson Rodrigues e Lima Barreto.

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