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As Mãos do Meu Filho
Por Victor Faria
Todos aqueles homens e mulheres ali nas arquibancadas parecem enquadrados num submundo, criaturas sem voz nem movimento, prisioneiros do perverso sortilégio do ascenso. A luz circular do refletor envolve o goleiro e a bola, que neste instante formam um só corpo, um monstro todo feito de nervos ópticos.
Há momentos em que o movimento da bola ganha uma qualidade profundamente humana. O goleiro sempre pálido à luz de cálcio. Parece um cadáver. Mas mesmo assim é uma fonte de vida, de coreografias, de sugestões – a origem dum mundo misterioso e rico. Fora do lance de gol pesa um silêncio grave e pesado.
Eduardo Martini lamenta-se. É alto, desengonçado, careca e vive em conflito com os homens. A partida parece descrever tais palavras em dolorosa estampa. Pois, que assim seja então. Para ele, pobre goleiro, não há felicidade no exterior; tudo terá de ser baseado dentro de si. Tão somente no mundo ideal de seu ofício é que poderá achar a alegria de evitar um gol.
O goleiro sofre com o ataque rival, o travessão estremece.
Num dado momento as mãos do goleiro se imobilizam. Depois caem como duas asas cansadas. Mas, de súbito, ágeis e fúteis, começam a brincar no ar. A partida é movimentada. A aplicação tática, no entanto, é uma superfície leve, que não consegue esconder o desespero que tumultua nas profundezas. Não obstante, o claro jogo continua. A zaga se esforça em ter a alma leve, apesar de atenta e preocupada. É uma dança pueril em cima duma sepultura. Mas, de repente, uma jogada ensaiada rompe todas as nossas barreiras, nos levam adiante em movimentos ilusórios e num estrondo ameaçam a meta em agitado desalento.
O goleiro se transfigura. As suas mãos golpeiam agitadamente o ar como um animal selvagem que corre perigo. A bola para no ar, enche de expectativa o público, e para cada uma daquelas pessoas do submundo ela tem uma significação especial, conta uma história diferente.
Quando o goleiro a alcança com as pontas dos dedos, as luzes o miram. Por alguns rápidos segundos há como que um hiato, e dir-se-ia que os corações param de bater. Silêncio. Os presentes sobem à tona da vida. Desaparece o mundo mágico e circular formado pela luz dos refletores. O rosto do goleiro está agora voltado para a plateia, sorrindo lividamente, como um ressuscitado. O fantasma de antigos dramas fora exorcizado. Do lado visitante rompem tímidos aplausos.
Dentro de alguns instantes sua figura retornará ao anonimato, suscetível a qualquer desventura ou falha, e a bola retornará ao círculo inicial.
D. Margarida tira os sapatos que lhe apertam os pés, machucam os calos.
Não faz mal. Estou no camarote. Ninguém vê.
Mexe os dedos do pé com delícia. Agora sim se sente à vontade para ver como ele está jogando, ele, o Eduardo. Parece um sonho… Um estádio desse tamanho. Milhares de pessoas em trajes tricolores – todos parados, estupefatos, mal respirando, dominados pela atuação de seu filho, pelo Eduardinho.
D. Margarida olha com o rabo dos olhos para o marido. Ali está ele ao seu lado, pequeno, encurvado, a calva a reluzir foscamente na sombra, a boca entreaberta, o ar pateta. Como fica ridículo nesse uniforme xavante.
Ela esquece o marido e olha para o filho. Admira-lhe as mãos, aquelas mãos, esguias e ágeis. E como a posição que Eduardo joga é difícil demais para ela compreender, sua atenção borboleteia, pousa no alambrado, no banco de reservas, na cabeça do bandeirinha lá embaixo e depois torna a deter-se no filho. E nos seus pensamentos as mãos compridas do rapaz diminuem, encolhem, e de novo Eduardinho é um bebê de quatro meses que acaba de fazer uma descoberta maravilhosa: as suas mãos… Deitado no berço ele contempla aquela coisa misteriosa, solta sons de espanto, mexe os dedos dos pés, com os olhos sempre fitos nas mãos…
De novo D. Margarida volta ao triste passado. Lembra-se daquele horrível quarto que ocupavam no inverno de meados dos anos 80 na cidade de Feliz. Quis o destino que tudo parecesse irônico. Foi naquele tempo que Inocêncio começou a beber. O frio foi a desculpa. Depois, o coitado tinha perdido o lugar na fábrica. Andava caminhando à toa o dia inteiro. E vá cachaça! Ele voltava pra casa fazendo um esforço desesperado para não cambalear. Mas ela não se abatia. Tratava o marido como se ele tivesse dez anos e não trinta. Metia-o na cama. Dava-lhe café bem forte sem açúcar, voltava à máquina de costura e ficava pedalando horas e horas. Os galos já estavam cantando quando ela ia se deitar, com os rins doloridos, os olhos ardendo. Um dia…
De súbito, os alaridos da torcida a trazem de volta. Ao seu lado Inocêncio bate palmas de incentivo, vibra a cada lance, sempre de boca aberta, os olhos cheios de lágrimas, pescoço vermelho, o ar humilde. Eduardo faz defesas que enervam o público, sorri, retarda o início do jogo.
O suspense torna a submergir a plateia. Sua atuação envolve os demais torcedores. Alguns xingamentos ressoam, saltam como projéteis sonoros.
Como foram longos e duros aqueles anos! Inocêncio sempre no mau caminho. Eduardo crescendo. E ela pedalando, pedalando, cansando os olhos; a dor nas costas aumentando, Inocêncio arranjava empregos de ordenado pequeno. Mas não tinha constância. O diabo do homem era mesmo preguiçoso.
O pior era que ela não sabia fazer cenas. Achava até graça naquele homenzinho encurvado, magro, desanimado, que tinha crescido sem jamais deixar de ser criança. No fundo ela aceitava sua sina. Trabalhava para sustentar a casa, pensando sempre no futuro de Eduardo. Era por isso que a Singer trabalhava dia e noite.
Mas D. Margarida, por um instante, esquece o passado. Tão bonita a partida que Eduardo está fazendo agora… E como ele se entusiasma! O suor lhe cai sobre a testa, os braços dançam, as mãos dançam… quem diria que aquele moço ali, famoso por ter feito um gol da própria meta, que já recebeu aplausos de toda a gente, doutores, oficiais, capitalistas, políticos… o diabo! – é o mesmo menino que andava descalço brincando na água da sarjeta, correndo atrás de bola, atrás da banda de música da Brigada Militar…
De novo uma chance de gol. As vaias. Eduardo levanta os olhos para o camarote da mãe e lhe faz um sinal breve com a mão, ao passo que seu sorriso se alarga, ganhando um brilho particular. D. Margarida sente-se sufocada de felicidade. Puro contentamento. Tem ímpetos de erguer-se e gritar para o povo: “Vejam, é o meu filho! O Eduardo. O Eduardinho! Fui eu que lhe dei de mamar! Fui eu que trabalhei na Singer para sustentar a casa; pagar o colégio. Com estas mãos, minha gente. Vejam! Vejam!”.
O jogo está quase em seu final. E Eduardo passa a contar em terna surdina os minutos de acréscimo.
No fundo do camarote Inocêncio medita. O filho sorriu para a mãe. Só para a mãe. Ele viu… Mas não tem direito de se queixar… O rapaz não lhe deve nada. Como pai ele nada fez. Quando a torcida exalta Eduardo, sem saber está exaltando também Margarida. Cinquenta por cento das palmas (ou vaias) devem vir para ela. Talvez sessenta. Se não fosse ela, era possível que o rapaz não desse pra nada. Foi a energia de Margarida, a fé de Margarida que fizeram dele um grande jogador.
Na sombra do camarote, Inocêncio sente que ele não pode, não deve participar daquela glória. Foi um mau marido, um péssimo pai. Viveu na vagabundagem, enquanto a mulher se matava no trabalho. Ah! Mas como ele queria bem ao rapaz, como ele respeitava a mulher! Às vezes, quando voltava para casa, via o filho dormindo. Tinha um ar tão confiado, tão tranquilo, tão puro, que lhe vinha uma vontade de chorar. Jurava que nunca mais tornaria a beber, prometia a si mesmo emendar-se. Mas qual! Lá vinha o outro dia e ele começava a sentir aquela sede danada, aquela espécie de cócegas na garganta. No fim das contas ele sabia que não era nenhum santo.
Inocêncio contempla o filho. Eduardo não puxou pra ele. A cara do rapaz é bonita, franca, aberta. Puxou pra Margarida. Que belas coisas o futuro lhe reservou. Daqui para diante é só subir. A porta da fama é tão difícil, mas uma vez que a gente consegue abri-la… Maravilha.
Lágrimas brotam nos olhos de Inocêncio. Diabo de ofício triste! O Eduardinho devia ter escolhido uma outra posição.
Ele então recua para a sua sombra. Volta aos seus pensamentos amargos. E torna a chorar de vergonha, lembrando-se do dia em que, já mocinho, Eduardo lhe disse aquilo. Ele quer esquecer aquelas palavras, quer afugentá-las, mas elas lhe soam na memória.
Ele tinha chegado bêbado em casa. O filho olhou-o bem nos olhos e disse sem nenhuma piedade:
– Tenho vergonha de ser filho dum bêbado!
Aquilo lhe doeu. Foi como uma facada, dessas que não só cortam as carnes como também rasgam a alma. Desde esse dia ele nunca mais bebeu.
No saguão do estádio, terminada a partida, Eduardo recebe cumprimentos dos admiradores, alguns torcedores o contemplam deslumbrados. Um senhor gordo e alto, muito bem vestido, diz-lhe com voz profunda:
– Estou impressionado, impressionadíssimo. Sim senhor!
Eduardo enlaça a cintura da mãe:
– Reparto com minha mãe os elogios que recebi essa noite… Tudo que sou devo a ela.
– Não diga isso, Eduardinho!
D. Margarida cora. Há no grupo um silêncio comovido. Depois rompe de novo a conversa. Novos admiradores chegam.
Inocêncio, de longe, olha as pessoas que cercam o filho e a mulher. Um sentimento aniquilador de inferioridade o esmaga, toma-lhe conta do corpo e do espírito, dando-lhe uma vergonha tamanha, maior que a vitória conquistada pela equipe xavante.
Afasta-se na direção da porta, num desejo de fuga. Sai. Olha a noite, as estrelas, as luzes da praça, as árvores paradas… Sente uma enorme tristeza. A tristeza desalentada de não poder voltar ao passado… Voltar para se corrigir, para passar a vida a limpo, evitando todos os erros, todas as misérias…
O porteiro do estádio, um mulato de uniforme do tricolor de aço, caminha desolado de um lado para outro, sob a marquise.
– Linda noite! – diz Inocêncio, procurando puxar conversa.
O homem olha o céu e sacode a cabeça, um pouco contrariado.
– Linda, não fosse o outro. Um corpo fechado na noite de hoje.
Pausa curta.
– Não vê que sou pai do jogador do Brasil de Pelotas.
– Pai? Do goleiro?
O porteiro para, observa Inocêncio com um ar incrédulo e diz:
– O rapaz tem os pulsos firmes. É bom de bola.
Inocêncio sorri. Sua sensação de inferioridade vai-se evaporando aos poucos.
– Pois imagine como são as coisas – diz ele – Não sei se o senhor sabe que nós fomos muito pobres… Pois é. Fomos. A vida tem coisas engraçadas. Um dia… o Eduardinho tinha seis meses… umas mãozinhas assim deste tamanho… nós botamos ele na nossa cama. Minha mulher dum lado, eu do outro, ele no meio. Fazia um frio de rachar. Pois o senhor sabe o que aconteceu? Eu senti nas minhas costas as mãozinhas do menino e passei a noite impressionado, com medo de quebrar aqueles dedinhos, de esmagar aquelas carninhas. O senhor sabe, quando a gente fica neste dorme não dorme, fica o mesmo que tonto, não pensa direito. Eu podia levantar e ir dormir no sofá. Mas não. Fiquei ali no duro, de olho mal aberto, preocupado com o menino. Passei a noite inteira em claro, com metade do corpo para fora da cama. Amanheci todo dolorido, cansado, com a cabeça pesada. Veja como são as coisas… Se eu tivesse esmagado as mãos do Eduardinho hoje ele não estava aí fazendo essas defesas milagrosas… Não podia ser o goleiro que é.
Cala-se. Sente agora que pode reclamar para si uma partícula de glória do seu Eduardo. Satisfeito consigo mesmo e com o mundo, começa a assobiar baixinho. O porteiro presta atenção em silêncio. Arrebatado de repente por uma onda de ternura, Inocêncio tira do bolso das calças uma nota amarrotada de dez reais e mete-a na mão do mulato.
– Para tomar um traguinho – cochicha – Não faz passar tristeza, dor, mas afaga, aquece, alivia.
E fica, todo excitado, a olhar para a sua estrela.
https://www.youtube.com/watch?v=6WMFjnE6XKY
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Thunder #77 Zé Elias
Um dos grandes camisas 5 dos anos 90 chega no Thunder Rádio Show da semana. Zé Elias, hoje comentarista dos canais ESPN, é carisma puro e tem histórias muito interessantes pra contar.
O perrengue na Ucrânia, o começo no Corinthians, as diferentes Itálias que conheceu, a vida na Grécia, Dunga, Luxemburgo, Santos, seleção, Olimpíada, experiência com rádio e televisão… O cara é bom de papo.
Thunderbird, Iamin e Xico Malta completaram a mesa, ouviram música da boa e se divertiram com mais uma entrevista cheia de classe!
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Central Autônoma #76 Estudantes
Em ano de cortes generalizados nos investimentos sociais, o governo de Geraldo Alckmin pretende nos enganar e chamar a redução do sistema de ensino público de “reorganização escolar”, numa mera retórica tecnicista que esconde seu real objetivo. Atentos, os estudantes das escolas paulistas, em especial secundaristas, se revoltaram e seguem tomando as ruas da cidade.
Cibele Lima, professora da Rede Emancipa, participou das passeatas e conta como tem sido a dinâmica de organização do movimento, sob forte protagonismo e entusiasmo dos estudantes. Conhecedora do histórico de políticas do governo, ela explica como o projeto de desmonte da rede de ensino vem de longa data e já fechou algumas escolas e milhares de salas de aula.
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Dibradoras #19 Arbitragem
O tema da semana no podcast das Dibradoras foi a arbitragem!
Para falar do apito, a árbitra Renata Ruel veio ao estúdio e a ex-árbitra Ana Paula Oliveira participou por telefone. A dupla, junto de Roberta Nina, Renata Mendonça e Angélica Souza discutiu preconceito, críticas, desafios, oportunidades, grandes jogos, tecnologia e o futuro do ofício.
As Dibras também falaram da lista de jogadoras da Bola de Ouro da Fifa, dos resultados que definiram a semifinal do Campeonato Brasileiro e os amistosos da seleção brasileira, que viaja aos Estados Unidos e faz dois duelos contra as campeãs mundiais.
Dibre e curta!
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O Som das Torcidas #69 Deportivo Cali
“A ver caleños, con verraquera, con putería” é assim que se apresenta a torcida do Deportivo Cali, orgulhosa equipe do Valle del Cauca e que rivaliza na cidade com o América, e no país com os cagandos do Millonarios e os paisas do DIM e Nacional.
Conheça mais sobre os azucareros a partir do cancioneiro da Frente Radical que se reveza entre o Pascual Guerrero e o Monumental de Palmaseca, único estádio privado da Colômbia, além de seguir os verdeblancos por todo continente.
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Não é só subir, é criar memória

A primeira coisa que guardei na memória foi um vaso de louça vidrada, cheio de pitombas, escondido atrás de uma porta. Assim começa Infância, de Graciliano Ramos, o relato autobiográfico cujo título já explicativo remete aos primeiros anos de vida do pequeno Graça em Alagoas e Pernambuco.
O meu primeiro jogo de futebol em Ribeirão Preto, região da família por parte de pai, foi um Come-Fogo que jamais saberei se estive, mas a história conta que choveu demais, um dilúvio digno de quase interromper o clássico e precisar de cuidado para proteger as crianças, e vá saber o que é história.
Mas começou a chover no estádio Anacleto Campanella, um vento úmido, um chuvisco que um dia talvez vire trovoada, para que São Caetano, em casa e de uniforme que remete ao azul no desenho do auge, e Botafogo, empurrado pela torcida que pegou a estrada ouvindo Sérgio Reis, decidissem uma vaga na Série C, a terceira divisão do ano que vem.
Até então, na atual competição, a Série D, o São Caetano vinha passeando na Avenida Goiás: foi líder do grupo 8 na primeira fase com o melhor ataque – disparado – do campeonato e se classificou com grande tranquilidade e antecedência, dez pontos à frente do terceiro colocado e com apenas uma derrota em dez jogos.
Já o Botafogo sofreu mais na chave 6: mesmo que só tenha perdido uma vez, empatou demais e chegou na rodada final em igualdade de pontos com o Gama para um confronto direto em Ribeirão Preto, quando um zero a zero garantiu a equipe tricolor no mata-mata e adiou o feliz ano novo.
Nas oitavas, ambos mataram seus confrontos logo no jogo de ida – o São Caetano eliminou o Coruripe, enquanto o Botafogo bateu o Crac. E na primeira mão das quartas, fase que garante ao vencedor não só a ida à semifinal como o acesso, o time do interior fez 2 a 1 no da Grande São Paulo, saindo do estádio Santa Cruz com vantagem na bagagem aberta na última sexta-feira, no ABC.

Não aconteceu nada no primeiro tempo do jogo decisivo, ao menos em campo. Fora dele, as torcidas seguiam tomando as arquibancadas, e se a Fiel Força Tricolor já cantava atrás do gol de Neneca, a rádio cimento informou que a turma da Kamikase estava parada no comboio da polícia, atrasada – entraram com a bola rolando. Do lado mandante, talvez a revista policial não se preparou para tanta gente, ou vai ver é sempre lento assim mesmo, e do nada, ali pelos 25 minutos, o povoamento do Anacleto foi crescendo – foram anunciados 12,4 mil presentes, mas há quem diga que tinha metade disso, muito pela promoção de um ingresso por uma garrafa pet que poderia ter encalhado entradas.
O empate sem gols favorecia o Botafogo, recuado desde a rodovia dos Bandeirantes. Já a ansiedade no São Caetano não cabia nos 15km2 da cidade, aumentada quando aos 23 minutos o meia botafoguense Vitinho, o mítico dez franzino, canhoto e mais lúcido nos lampejos de contra-ataque dos visitantes, teve de matar a jogada no meio campo e acabou justamente expulso com o segundo amarelo. Aí virou drama.
O Azulão chutou bola trave, teve gol impedido em cima da linha e protagonizou aquela cena clássica de final de jogo eliminatório, com trocentos jogadores na área e o chute indo longe, sobrevoando o recuo atrás do gol, para desespero da torcida na arquibancada atrás da meta. Ainda surgiram sinalizadores na bancada mandante, o árbitro interrompeu a partida até que se apagassem (isso é novo, mas já rotineiro) e uma briga entre torcedores do time da casa – Gladiadores e Comando Azul – abriu um clarão num canto, perto do escanteio. E quando o lado tricolor já respirava por aparelhos, Neneca saltou feito um gato e tirou a bola da cabeça do rival para garantir o oxo e a festa.
Não me lembro a última vez que vi tanta gente chorando numa arquibancada. Incontroláveis torcedores delirando na dúvida entre subir no alambrado, rezar aos céus, abraçar aquele semi-conhecido ou beijar o distintivo do clube do coração. Num rastro de uma camisa com o nome do Sócrates e com o eco da música que lembra Zé Mário, a curva do estádio municipal virou uma grande rodada de chope no Pinguim.
Caiu a noite e cantou-se o hino pra acordar só na Série C. Com mais um vaso de louça vidrada na estante do torcedor botafoguense. Para jamais esquecer.
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Conexão Sudaca #70 Futebol Operário
Batemos um papo com o Prof. Leonardo Santos (UFF) sobre os clubes de origem operária no Cone Sul. Após a resenha, abordamos a 2ª Rodada das Eliminatórias Sul-Americanas e fechamos o programa com o tema Es La Lluvia Que Cae do grupo uruguaio Los Iracundos.
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Xadrez Verbal #21 Turquia
As explosões no atentado em Ancara deixaram dezenas de mortos, centenas de feridos e uma grande incógnita: quem realizou o atentado? Temos quatro possibilidades e nenhuma resposta, cada uma com suas possibilidades e consequências. O EI, o “Estado Profundo” turco, os comunistas locais e os movimentos curdos, como o PKK. Um programa com um pouco de teoria da conspiração.
Obama anuncia a permanência de tropas no Afeganistão e o envio de soldados para o Camarões, nós aproveitamos e discutimos o significado disso, geopolítico e eleitoral. A Ucrânia voltou a comprar gás da Rússia, o trunfo das negociações de Putin. Jerusalém, Brasil, Irã, Conselho de Segurança da ONU, fugas de cérebro e um Menino Neymar fronteiriço.
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Entre Irmãos
Por Victor Faria
O homem sentado à minha frente se portara como um irmão, assim me disseram; e bem pode ser verdade, uma espécie de ajuda. Ele regula pelos vinte e quatro anos, justamente o tempo que estive de acordo com os dirigentes, sem que houvesse qualquer suspeita ou denúncia. Quanta coisa muda em mais de duas décadas, até nossas aspirações, e quanta coisa acontece – um menino nasce, cresce e se torna um homem e de repente nos olha na cara e temos que confessar nossos erros, e com urgência porque as notícias proliferam lá fora.
A princípio queria tratá-lo como intruso, mostrar-lhe minha hostilidade, não abertamente para não chocá-lo, mas de maneira a não lhe deixar dúvidas, como se lhe indagasse com todas as letras: que direito tem você de estar aqui na intimidade de minha cúpula, de meus negócios, entrando nos nossos segredos mais íntimos, lendo meus velhos cadernos contábeis, talvez sorrindo de minhas anotações, talvez discutindo minha conduta, com certeza criticando-a?
Mas depois vou notando uma atitude que não me é estranha, o seu sorriso tem um traço de sarcasmo que conheço muito bem. De repente fere-me a ideia de que o errado seja eu, que ele tenha mais direito de hostilizar-me do que eu a ele, que vive neste país há mais de vinte anos, que fez dessa instituição seu lar, estabeleceu intimidade com o espaço e com os objetos, criou suas preferências e suas antipatias, e agora eu caio aqui de repente desarticulando tudo com minha conduta diferente. O intruso sou eu, não ele.
Ao pensar nisso vem-me o desejo urgente de entendê-lo e de ficar amigo, de abrir-lhe meu mundo e de entrar no jogo dele. Ele me faz algumas perguntas que respondo com altivez, mas logo ele vê a inutilidade em prosseguir esse caminho, as perguntas parecem formais e as respostas forçadas e complacentes.
Há um silêncio incômodo, eu olho os pés dele, noto os sapatos bastante usados, os solados já gastos, as rachaduras do couro, a poeira acumulada nas fendas. Se não fosse o receio de parecer inadequado eu perguntaria se ele tem outro sapato mais conservado, se gostaria que lhe oferecesse um novo, uma nova roupa pra combinar. Mas seria esse o caminho para chegar a ele? Não seria uma atitude tendenciosa demais, e por conseguinte inapropriada?
Tenho tanta coisa a dizer, mas não sei como começar, até minha voz parece ter perdido a naturalidade, eu mesmo me aborreço ao ouvi-la. Ele me olha, e vejo que está me examinando, procurando saber se devo ser tratado como um inimigo ou aliado. Ele me pergunta se eu moro numa casa grande, com muitos quartos, e antes de responder procuro descobrir o motivo da pergunta. Porque falar em casa? E qual a importância de muitos quartos? Causarei inveja nele se responder que sim? Não, não tenho casa aqui, há muito tempo que tenho morado num hotel.
Ele me olha parece que fascinado, diz que deve ser bom viver num hotel, num outro país, onde se pode reclamar e exigir mesmo sendo um estrangeiro. Saliento a proibição de certos atos e a vigilância. Ele suspira e confirma seu ofício.
Ficamos novamente calados e eu procuro imaginar como será ele quando está com seus amigos, quais seus assuntos favoritos, se fala do trabalho, o timbre de sua risada quando ele está feliz e despreocupado, a fluência de sua voz quando ele pode falar sem estar sendo gravado. O telefone toca na outra sala e eu fico desejando que o chamado seja para um de nós, assim teremos um bom pretexto para interromper a conversa. Mas passa-se muito tempo e perco a esperança, o telefone já deve ter sido desligado. Ele parece interessado na chamada, mas disfarça muito bem a impaciência.
Agora ele está olhando pela janela com certeza desejando que algum colega traga novas evidências. É melhor não dizer nada de novo por enquanto, só o que é espontâneo interessa, e a simples hesitação já estraga a espontaneidade.
Uma mulher entra na sala, reconheço ela de um dos meus depoimentos, entra com um ar de quem vai pedir algo urgentemente. Levanto-me de um pulo, ela diz que não sabia que estávamos conversando, promete não nos atrapalhar e desaparece. Não sei se consegui disfarçar um suspiro. Olhamo-nos novamente, eu e ele, já em franco desespero, compreendemos que somos prisioneiros um do outro e que somente a delação poderia nos libertar. Ele diz qualquer coisa a respeito do tempo, eu acho a observação tão desnecessária – e idiota – que nem me dou ao trabalho de responder.
Francamente já não sei o que fazer, a minha experiência não me socorre, não sei como fugir daquela sala, do velho espelho que reflete um lado e transparece o outro. Esforço-me com tanta veemência que a consciência do esforço me amarra cada vez mais àquelas quatro paredes. Só uma catástrofe me salvaria, e eu desejo intensamente um terremoto ou um incêndio, mas infelizmente essas coisas não acontecem por encomenda. Sinto o suor escorrendo frio por dentro da camisa e tenho vontade de sair dali correndo, mas como poderei fazê-lo sem oferecer alguma prova contundente, e como depois explicar a minha conduta quando eu puder examiná-la de longe e ver o quanto fui inepto?
Não, basta de fugas, preciso ficar aqui sentado e purgar meu erro.
A porta abre-se abruptamente e a mulher entra de novo trazendo nas mãos alguns documentos, olha alternadamente para um e outro e diz, numa voz que mal entendo:
– O Marín está pedindo um advogado.
Levantamos os dois de um pulo, dando graças pela oportunidade de uma confissão que nos faria enfim escapar daquela câmara de suplício.
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Futebol Urgente #90 Tinder do Getafe
O Getafe fez um Tinder para seus torcedores procriarem, de preferência no banheiro do estádio. O vídeo, que você vê aqui, é inacreditável. Fernando Toro, coitado, teve de assistir este e também o bizarro treino das categorias de base do Metz. O programa desta semana é uma bomba.
Tem o lunático ex-goleiro da seleção, o centrado presidente corinthiano, o disco de ouro para o Ibrahimovic, a chuteira que dribla sozinha, o pretinho básico do Neymar, a final carioca em Brasília, o alemão de Diadema, o Paulo Silvino, o Roberto Bomtempo e uma inspirada mesa com Paulo Júnior, Xico Malta e o apresentador Leandro Iamin.
Pesado e necessário.
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Trivela #32 Eliminatórias da Euro
O Podcast Trivela entrou em campo com Felipe Lobo, Bruno Bonsanti, Leandro Iamin e o apresentador Paulo Júnior. O tema principal foi o final das eliminatórias para a Euro da França, em 2016. Albânia dentro, Turquia no último minuto, Gales e outras surpresas? Holanda fora, ranking da Fifa consagrando os belgas? A repescagem com dinamarqueses e irlandeses? Está tudo aqui.
As eliminatórias para a Copa do Mundo na América do Sul também foram discutidas no programa, e você ouve tudo clicando aqui e agora.