Zé cara de quê?

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Por Luiz Felipe de Carvalho

A primeira vez que li o nome de Zé Caradípia, ele estava grafado sem o acento agudo, ficando Zé Caradipia. Ou Zé Cara de Pia, na minha cabeça besta. Achei aquilo muito curioso, não imaginei como alguém poderia ter cara de pia. Era um dos CDs de uma coletânea da Revista Caras, chamada A Música do Século, que foi lançada no fim da década de 1990. Eu sei que foi neste período porque tenho o cd aqui em mãos, e no encarte está informado que, para ver o conteúdo em CD-ROM do disco, era preciso ter pelo menos o Windows 95/98. Atente aos termos usados: CD-ROM e Windows 98. Eu realmente estou ficando velho.

Voltando ao Zé, é seguro dizer que o percentual de pessoas que nunca ouviram falar dele chegue bem perto de 100%. No entanto, uma de suas composições muito provavelmente faz o caminho inverso, e é conhecida por quase todo mundo. Zé é o autor solitário de Asa Morena, que foi gravada por Zizi Possi em 1982, e foi a canção responsável por levar a cantora ao estrelato. É uma das músicas mais conhecidas da música brasileira. E seu autor é um ilustre desconhecido em boa parte do Brasil.

(durante muito tempo, quando Asa Morena tocava em alguma festa ou ocasião social, eu usava a oportunidade para professar minha erudição musical, dizendo “Sabe quem fez esta música? Um cara chamado Zé Cara de Pia!”, sempre arrancando um “sério!”, ou coisa parecida, de meus interlocutores. Isso antes do imbecil aqui descobrir se tratar de uma proparoxítona. Aliás, vale registrar, nestes longos parênteses, que Zé usou o fato de dizerem que ele tinha “cara de piá”, sendo “piá” o equivalente a “criança” no sul do Brasil, para criar seu nome artístico, “proparoxitonando” seu apelido)

Embora este texto já tenha três parágrafos sobre Zé Caradípia, não é ele meu foco. Eu poderia falar sobre Edson Trindade, Manno Góes ou Ed Grandão. Nem precisei ir muito longe para achá-los, seus nomes estão no mesmo CD da Revista Caras onde está o nome de Zé. Eles são autores, ou co-autores, de “Gostava tanto de você”, “Milla” e “Beleza rara”, respectivamente. Três sucessos absurdos, com Tim Maia, Netinho e Banda Eva. E são quase absolutos desconhecidos.

O que isso significa? Não sei dizer, exatamente. A tentação é dizer que o Brasil não dá valor aos seus compositores. Mas a verdade é que eu não sei a realidade de Portugal, do Chile ou da Eritreia. Pode ser que ninguém ligue muito mesmo para quem compôs a música, e que isso não seja necessariamente um traço peculiar do brasileiro, e sim um traço peculiar do homo sapiens. Falando do Brasil, é comum ouvirmos coisas como “essa música do Emílio Santiago é linda”, sem que Emílio nunca tenha composto na vida (ao menos não que eu saiba). Transferimos todos os méritos àquele a quem conhecemos. Acho que é natural. A nerdice musical não é um pressuposto para uma vida plena.

Para deixar claro: não acho que o compositor deva levar todo o mérito. Ser um artista de palco, colocar sua voz à serviço de uma composição, e ser bem sucedido, não são coisas fáceis. O serviço não termina na composição. Gosto muito do verbo utilizado na época dos festivais, para se referir a um intérprete que iria cantar a canção de um compositor: defender. “Fulano vai defender tal canção de beltrano”. É isso. O bom intérprete empresta tudo que tem dentro de si para defender a expressão artística de outro. E nesse caminho, acaba entregando a sua própria expressão artística. Negar isso seria dizer que Maria Bethânia, Frank Sinatra, Cauby Peixoto e Whitney Houston são artistas menores.

Feitas todas as ressalvas, e analisados todos os embargos infringentes, o que quero aqui é homenagear o compositor anônimo. O artista que, seja por escolha própria ou conjunturas da vida, nunca teve seu nome reconhecido pelo público. E para simbolizar este artista, segue um vídeo de Zé Caradípia, acompanhado de sua filha, cantando Asa Morena. Ao menos você, que lê esse texto, agora poderá juntar o autor à sua obra.

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Um comentário em “Zé cara de quê?”

  • REGINA AUREA PEREIRA disse:

    Adorei o texto e concordo plenamente. Louvar os grandes intérpretes e valorizar os compositores, registrando os créditos da autoria musical.

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