Xadrez Verbal #261 Tormenta Política no Caribe

Filipe Figueiredo e Matias Pinto foram até o mar das Caraíbas, atualizar você sobre os últimos eventos políticos no Haiti e em Cuba, além de outros países do bacia caribenha.

Também passamos pela Europa, com notícias sobre homofobia de Leste à Oeste, eleições na Bulgária, em Moldova e a corrupção (pasmem!) na Santa Sé.

No mais, observamos as ofensivas do Talibã no Afeganistão e os demais movimentos das peças no complicado tabuleiro do Grande Oriente Médio.

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SDT Na Bancada #29 Masculinidades Tóxicas

Esse episódio é contra indicado para marmanjos com problemas graves de masculinidade frágil.

Recebemos João Carlos Cunha Moura, professor de Direito e autor do recém-lançado livro Joguem como Homens! para uma troca de ideias franca e necessária sobre homofobia, masculinidades e sexismo nas arquibancadas.

Contamos também com as contribuições de Gustavo Bandeira, Rafa Rios e Wagner Camargo, além dos nossos parceiros de cimentão Fred Elesbão e Nico Cabrera.

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Estádio, onde a homofobia joga para quebrar

De repente, me deparo com uma postagem no Twitter de um amigo que reclama dos gritos insistentes de “Bicha!” no estádio de futebol. Eram direcionados por sua torcida ao goleiro do time adversário. Novidade nenhuma o tal grito. Futebol, a gente sabe como é. O cara é hétero e disse que ofensas assim não cabem mais nem no futebol, que chega de incentivar um ranço que amola a faca da violência e da baixa autoestima. Não no goleiro. Se for hétero, sai na ducha do vestiário. Mas em quem realmente é homossexual e mais uma vez se vê vendido como ofensa.

Veio uma goleada contra a reclamação. “Mimimi”, “o mundo tá chato”, “tire o politicamente correto do futebol”, “é para desestabilizar mesmo. Teve um outro que questionou por que o grito de “Bicha” seria tão importante para a torcida. Novamente, respondido com as expressões memes de sempre.

Arrisco a resposta com o “é para desestabilizar mesmo”. Ou seja, se sabe que é pedrada, que mesmo quando negam ser só brincadeira, sabem que é pedrada.

A ofensa homofóbica é um utensílio multiuso. Não só magoa o ofendido, o desestabiliza, como fortifica o ofensor, o promovendo. Reforça que o normal, o aceito, o perfeito, é o hétero.  E que agredir homossexuais é legítimo e moral.

O estádio é um espaço importante para os homens. Onde eles se acumulam, extravasam, são cúmplices e se reconhecem. Onde socializam. Onde se constroem e se exageram como homens, como héteros, como os que ocupam o topo da hierarquia das masculinidades.

O futebol embute competição, que lembra combate, guerra, que sugere violência, que acaba, vez por outra, chegando na briga mesmo.  “Time de guerreiros”, “Zagueiro macho”. Tudo que remete ao homem, à macheza. Tudo o que honra. “Boneca”, “mulherzinha”, “bicha”. Tudo o que remete à mulher, á feminilidade, à homossexualidade.

No estádio, o homem reforça que homem nem de longe pode lembrar nada que não seja viril, macho alfa. A aversão a gays é valorizada e estimulada. Ela valida que o cara não gosta, não aprova, passa longe daquela vergonha.

A amizade entre os homens obedece a sinais vermelhos. Nada que comprometa. Tudo dentro da masculinidade padronizada. Abraços, apertos de mão, gestos, qualquer palavra, qualquer toque são milimetricamente medidos.

Torcer é respeitar muitos significados. É exceder um limite aqui, mas frear diante de outro. Beber muito? Pode. Se jogar na piscina após um título conquistado? Pode. Xingar o oponente de viado? Pode. Ter um jogador gay no elenco? Nunca.

“Não sou homofóbico, mas viado aqui não.” Determinaram: estádio é para héteros. Mais que héteros, para os machos alfa, os líderes da espécie. Há hierarquia nas masculinidades. “Corno” também é menor. “Donzelo” idem. “Filho da puta” o mesmo.

Nessa régua, o gay vem lá na lanterna. O que é não é aceito ou aceito como gozação. É tido como o homem fake, o que envergonha, o que peca. Não importa se tem comportamento másculo ou não. Não importa se é enrustido. Nem se é bolsominion.  É um subalterno, um não homem. Assim determinaram os juízes.

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Orgulho LGBT não é frescura. É imprescindível

*Por Miguel Rios

Puxe da memória. Que pessoa hétero cisgênera você teve notícia de que foi expulsa pela família de casa por sua sexualidade? Que garoto hétero teve medo de chegar para o pai e contar que gosta da garota vizinha? Que menina se sentiu amedrontada por colecionar fotos de Justin Bieber? Que cara cisgênero, jeito de macho, sofreu bullying na escola por seu jeito másculo de ser? Que casal homem e mulher cis foi convidado a se retirar de um bar por se beijar? Lembrou de algum caso?

Daí o orgulho hétero cis ser desnecessário. Nunca foi considerado ilegal. Nunca se é humilhado ou espancado por essa condição. Não traz nenhuma dificuldade social.

Não precisa resolver se assume ou não para chefe e colegas de trabalho. Não precisa decidir se anda ou não de mãos dadas pela rua com quem ama. Hétero cis não sai do armário. Não há armário. Desconhece o que seja. Nem pensam sobre. Isso é privilégio.

Orgulhar-se de ser privilegiado, de ser o padrão aceitável? O considerado normal? Pra quê orgulho se desde sempre ninguém os força a se sentirem envergonhados? Quem os recrimina por exibirem sua sexualidade aprovada? Já para LGBTs a pegada é outra. Justamente o contrário. Questionam-se se podem amar ao ar livre, se terão condições de serem quem são no emprego, se serão aceitos. Héteros cis já são aceitos de pronto. Quando se nasce os planos familiares são para um bebê será hétero cis.

Gays, lésbicas, bissexuais e pessoas transgêneras brigam por aceitação. E isso já é nos agredir. Daí há motivo para incentivar o orgulho na comunidade LGBT. Desde cedo lhes é imposto que se sintam erro, anomalia, vergonha e pecado.

“LGBTs não reproduzem.” Mais de 7 bilhões de pessoas no mundo e ainda desconfiam da capacidade hétero de dar conta da necessidade reprodutiva. Sem falar que há reprodução in vitro, sendo a maneira tradicional desnecessária. Sem falar que bissexuais gostam de ambos os gêneros, que há gays e lésbicas que não se sentem impedidos de transar esporadicamente com pessoas do gênero oposto, que há casais formados por homem trans e mulher trans que já geraram filhas e filhos .

“A Bíblia condena.” Problema da Bíblia. Ninguém é obrigado a segui-la. A teocracia é um dos males da humanidade. Aniquila a democracia.

“Não é natural.” Práticas sexuais entre animais de mesmo gênero são observadas na natureza faz décadas. Basta pesquisar. E se formos falar nesse natural, é comum em animais que na disputa por ser o macho alfa, o vencedor mate toda a prole do derrotado e mantenha relações com as fêmeas para gerar uma nova ninhada com seus genes. Bastam algumas horas de Animal Planet, NatGeo ou Discovery Channel para confirmar. Alguém disposto a viver essa emoção natural?

“Não sou obrigado a aceitar ver dois homens se beijando.” Já experimentou olhar para o outro lado?

“Como vou explicar aos meus filhos.” Filho, há casos onde homens gostam de homens, namoram e se casam e mulheres gostam de mulheres, namoram e se casam. Há casos onde uma pessoa nasce com piu-piu, mas se sente menina e vai viver como menina e uma pessoa nasce com pepeca, mas se sente como menino e também vive como menino. Ninguém precisa imitar se não se sentir igual. FIM.

“Não sou obrigado a aceitar tal coisa à luz do dia.” Se não aceitarem você, vai se esconder?

A sociedade reacionária acredita deter todo o conhecimento sem nem se dar o trabalho de se informar sobre. Um pensamento formado pelo conhecimento vago ou pelo conhecimento zero. Se o senso comum diz que é assim, então é. Para quê se esforçar em pesquisar?

E o sofrimento causado pouco importa. “É triste ser retratado como uma pessoa solitária. Ele teve uma vida feliz e plena. Formamos uma família”. A declaração de Jaime, companheiro por 30 anos de Kid Vinil, emocionou por retratar uma felicidade abafada, intramuros, que não podia dizer seu nome. Felicidade pela metade. No sigilo. Um sigilo incomum entre casais héteros. Porque não correm o risco de serem agredidos, insultados e rejeitados. Porque não foram condicionados a se envergonharem da relação e não se acostumaram a ter de ocultá-la. Nem se preocupam. Haja fotos de noivados, casamentos e filhos pelas redes sociais. Haja anúncios de relacionamento sério. Haja beijos em público. Já entre LGBTs se há o cuidado de olhar para os lados e investigar os arredores.

A conjuntura de vida de Kid e Jaime os obrigou a manter o amor no armário. Gays coroas, que viveram em uma época bem mais raivosa, onde não havia paradas, nem bandeirinhas no Facebook, nem casamento legalizado, nem parte da sociedade a favor. A LGBTfobia era, de certa forma, legitimada. Até dentro da comunidade havia o sentimento de se sentir em desajuste e em desacordo com o normal. A LGBTfobia também carrega esse viés violento. Amedrontar e convencer de que está cometendo um erro, mesmo você certo de que não está. É contraditório. Mas é assim.

Kid e Jaime usufruíram de um amor paralisado pelo medo. De desagradar fãs, vizinhos, colegas de trabalho, todos que não fossem mais próximos. Não se trata apenas privacidade. É sufocamento.

O fomento do orgulho LGBT é para que essa sensação de desonra seja substituída por autoestima e amor-próprio. Para que se considere nossos afetos, desejos e sentimentos como mais algumas cores na imensa paleta que pinta a humanidade. Para que mais conquistas de direitos e espaços cheguem. Mais consciência de diversidade, inclusive para héteros cisgêneros. Não é arrogância, nem privilégio. Arrogância é se sentir orgulhoso de algo que nunca foi tido como vergonhoso. Privilégio é desfrutar publicamente de algo sem nem ter ideia do é fazê-lo em estado de alerta de que uma agressão pode ocorrer.

Você, caro hétero cis, deveria agradecer ao deus que você bota fé por não precisar de orgulho por ser quem é e não falsear um somente para implicar.

 

*Miguel Rios é jornalista, recifense, militante LGBT e filho de Oxalá.

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