Cada um com sua agonia

Da euforia à debacle, do hexa que serve de pilar da reconstrução da pátria de chuteiras a uma campanha fadada ao esquecimento. De campeão de tudo a condenado, de clube modelo a mais uma instituição da massa engolida pela mesquinharia da velha-nova cartolagem.

Foi nesse cenário que Corinthians e Internacional voltaram a ver as caras em mais uma boa história desta rivalidade recente. No íntimo, a torcida alvinegra já não aguenta mais seu próprio time, não se identifica com nenhum dos jogadores e encontra-se tragada por uma diretoria que remonta aos estertores do dualibismo.

Falando nessa maldita era, estamos diante de uma boa reprodução da campanha de 2006, que preparou o terreno para o desastre que dispensa comentários. A tarja de capitão no braço de Vilson não me deixa mentir. O segundo turno marcado pela autossabotagem de uma campanha que vinha digníssima, permitida por uma diretoria incapaz de conter qualquer investida do mercado (ou de seus achegados) me fez, definitivamente, por em xeque a validade de continuar a frequentar uma casa que insiste em não ser nossa.

Além do clube largado, vemos uma reedição de “choques de ordem”, cuja finalidade, muito claramente, é levar o apartheid social e o consumismo cego para os estádios. É praticamente a última fronteira de nossas fraturas históricas, já superada até em carnaval de rua, admirável ousadia dessa gente de bem. A Copa foi o laboratório e seu legado de palácios de mármore está aí para ser usado.

Assim, voltamos a insossos anos, quando tudo era proibido e as médias de público ainda mais baixas. Já tendo pagado inúmeras entradas para este filme tão sórdido como infrutífero, lamento, mas não vou ficar para ver mais uma temporada onde tudo o que nos fez amar o futebol e a arquibancada desde cedo está criminalizado. Pior: uma criminalização apoiada por parte da torcida – ou nova torcida.

Ontem mesmo, apesar de a sanha em rebaixar o rival gaúcho aquecer alguns corações, voltamos a ver a trágica cena em que o torcedor do clube se levanta contra outro torcedor do clube por equiparar a fumaça de um sinalizador à ameaça nuclear norte-coreana e, dessa forma, entregá-lo aos homens da lei e da ordem.

Isso pra não falar da interdição do setor norte, a nova modalidade de “luta de classes” que os donos do futebol profissional engendraram. Afinal, tirar mando de campo de quem abraçou as arenas e sua farsa econômica, pra fazer jogo em Araraquara com 7 mil pagantes, é ato de autossabotagem já detectado pelo “sistema” – basta observar como rapidamente se voltou atrás na retirada do mando de campo do Grêmio, sob vigoroso apoio de quem tanto inflou egos de auditores e advogados.

Agora, e podemos ver pelo tom desavergonhado de alguns “dateninhas” da mídia esportiva, a luta contra essa entidade espectral denominada torcedor organizado trava-se sem cerimônias, dia e noite.

O problema é que, antes de proteger a família, como alegam, estão apenas excluindo aquele que paga menos. A família que paga menos também foi chutada pra fora do estádio – nem vamos tratar do nível desse tipo de discurso, infantil e falacioso, e seus frutos históricos.

Fato objetivo é que com a setorização dos novos estádios (sic) ficou fácil predeterminar quem entra e quem fica fora e, assim, logo alteraram o código desportivo para permitir uma acomodação que interessa a todos (eles).

Como pequena mostra da seletividade da “crítica civilizatória”, vimos sumir do noticiário a morte do cruzeirense após mal contada refrega com seguranças do Mineirão (ou Minas Arena), assim como será abafada a tenebrosa canção de troça ao finado Fernandão, ontem.

Feito o parêntese, estava eu lá, na divisória com a torcida que também vê de perto o que é ser limada por uma gente deslumbrada que pisa na sua alma em nome dos “compromissos da modernidade” e seus imperativos econômicos (claro que agora há um refluxo, pois à beira da segunda divisão todos aqueles demônios postos para fora da nova e lustrosa casa são imediatamente convocados a salvar o clube daquela que será a mãe de todas as desgraças).

Deu pena do Colorado. Trata-se de time tão desmoralizado que nem o pênalti digno de uma edição de luxo do famoso do DVD foi contestado pelos desolados atletas.

Após uma retranca que beirou o ridículo, por respeitar um time capaz de tomar o gol que tomou do Figueirense aos 48 do segundo tempo, o Inter lançou a campo um trio que poderia recolocar o alvinegro no prumo. Seijas, Nico López e Valdivia entraram para tentar evitar o pior – e poderiam entrar desde o começo se quiserem uns ares novos em São Paulo. Pra não falar de Alex, de bons serviços conhecidos nos dois lados, que nem do banco saiu.

Parece que Lisca não traz nenhuma ideia muito animadora frente ao tétrico antecessor e, pelo apresentado ontem, os colorados têm tudo pra amargar o fim dos tempos da valsa da mais traumática maneira.

Ao vencedor, que fique sem as batatas. Valeu pelo sabor da rivalidade recém-estabelecida. Mas entre voltar a uma Libertadores com o grande rival na crista e Osvaldo no banco, ou diminuir a carga de estresse e fazer um balanço antes que seja novamente tarde, fico com a segunda opção. E no sofá de casa. Deu pra mim.

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